1976: Invasão e ressurreição corintiana
Alguns jogos são impossíveis de vencer apenas com um time, por isso, há exatos 43 anos aconteceu a Invasão corintiana. Em 5 de dezembro de 1976, a Fiel torcida antecipou o conceito de megalópole e fez do Rio de Janeiro uma extensão de São Paulo e o Maracanã viver uma tarde de Pacaembu
“Aí vem o Corinthians, o Corinthians é a explosão de alegria no Rio de Janeiro. O microfone da Jovem Pan de São Paulo está alcançando o torcedor do Brasil. A maior festa popular do mundo. Corinthians, olha só o maior sorriso do mundo que você recebe, olha só o abraço de uma multidão concentrada… Fiel, Fiel, Fiel sempre Fiel ao seu lado Corinthians, em qualquer lugar e qualquer circunstância. Corinthians você é empolgação, a razão de viver desse povo. Viagens, dívidas, acidentes e tudo sendo vencido por uma massa humana. Corinthians você continua sendo fé, amor, religião e alma desse povo… No Maracanã desembocou o Brasil todinho para aplaudir o Corinthians. Corinthians você é festa, o entusiasmo de uma nação, você faz parte desse povo, você está no íntimo de cada um daqueles que estão aqui aplaudindo… Olha só o espetáculo que você proporciona, Corinthians. Só você Timão do Parque São Jorge. Levanta-se o seu povo e com amor e sorriso, estremecem-se os alicerces do Maracanã”.
Foi assim que Osmar Santos abriu seu microfone e iniciou a transmissão da Jovem Pan, naquela tarde de 5 de dezembro de 1976, o domingo mais paulistano que a Cidade Maravilhosa já presenciou. O que o Pai da Matéria transformava em imagem para as ondas do rádio, era um jogo que virou evento histórico: a partida com o maior número de torcedores visitantes na história do futebol mundial.
O jogo em questão era válido pela semifinal do Campeonato Brasileiro de 1976, e colocou o Fluminense no caminho de um Corinthians que amargava um jejum sem títulos desde 1954. O Tricolor das Laranjeiras tinha um dos grandes times da história do futebol brasileiro e, não à toa, era apelidado de a Máquina Tricolor, com Carlos Alberto Torres, Edinho, Pintinho e para completar, Rivellino.
Pelo lado corintiano, um time aguerrido como exige a Fiel, mas sem grandes talentos técnicos ou que ao menos pudessem fazer frente ao timaço do Fluminense, que era favorito para a decisão do campeonato.
A presença de Rivellino no gramado do Maraca, com a camisa tricolor era algo simbólico do que aqueles tempos representaram para o Corinthians. Apelidado carinhosamente pela torcida como o Reizinho do Parque, o meia era um ídolo alvinegro, mas até ele sucumbiu ao jejum de títulos.
Quando com gol solitário de Ronaldo, o Palmeiras venceu a decisão do Campeonato Paulista sobre o Corinthians e deixou o arquirrival mais um ano na fila, a paciência e a idolatria acabaram e Rivellino foi negociado com o Fluminense.
No Parque São Jorge o baque da derrota de 1974 foi tão forte que o ano seguinte foi de ressaca e poucas alegrias para o corintiano. Até que 1976 começou e o time pareceu ter reencontrado ao menos o espírito de luta que a torcida tanto cobrava.
Há uma frase corrente entre corintianos que diz que o Corinthians não é um time que tem uma torcida, mas uma torcida que tem um time. Nunca foi tão verdadeira essa afirmação, não fosse a Invasão de 1976, o Corinthians não teria disputado a final do Campeonato Brasileiro daquele ano.
Vicente Matheus, lendário presidente corintiano, conhecia melhor do que ninguém o poder da torcida alvinegra e pediu 80 mil ingressos ao presidente do Fluminense, Francisco Horta. Como a diferença entre os times era abismal, todos no Tricolor acreditavam numa fácil classificação e o presidente liberou ao Corinthians 70 mil ingressos, a metade da carga total.
Não bastasse conseguir metade dos ingressos, Vicente Matheus ainda convenceu Horta a promover o jogo. Juntos foram à programas de rádio e TV em que Matheus fazia questão de convocar sua torcida e Francisco Horta, sem acreditar no poder da torcida alvinegra, provocava e desafiava:
“Vocês dizem que são fiéis, que a torcida é fiel, então, provem! Que o vivos saiam de casa e os mortos saiam das tumbas para torcer pelo Corinthians no Maracanã, porque o Fluminense vai ganhar a partida”.
Uma jogada de mestre de Vicente Matheus, que inflamou a Fiel e que foi percebida com antecedência por Rivellino, que alertou Horta, como mesmo o ex-dirigente afirma: “O Rivellino disse: cuidado, presidente, não faça isso, não faça isso, porque eu conheço a torcida do Corinthians, eles vão vir…” e vieram”.
Foram do jeito e como puderam. Em ônibus, Kombis, Fuscas e Brasílias. Houve quem fosse de bicicleta e até aqueles que se aventuraram a pé na tentativa de uma carona. O que era um luxo na época, a ponte aérea, foi invadida e dezenas de aviões saíram da capital paulista cheios de corintianos rumo ao Rio de Janeiro.
A Via Dutra foi transformada numa avenida que ligava o Parque São Jorge ao Maracanã, uma corrente de alvinegros que ligava o time às suas raízes por mais de 400 km. Na bagagem muita raça, angústia e sofrimento por 22 anos de jejum, mais de duas décadas, uma geração inteira que não sabia o que era levantar um troféu.
Mais de 300 ônibus da Fiel chegaram às 4h da madrugada de sábado e trataram de acordar o Rio de Janeiro com uma alvorada de rojões. Copacabana e Ipanema foram pintadas de preto e branco e quando um paulista pedia uma informação na rua para encontrar algum lugar, era comum ouvir como resposta: “sou paulista também, mano”.
Em plenos anos 1970, sem redes sociais ou meios de comunicação mais eficazes e rápidos do que o velho telefone fixo ou o orelhão, a torcida conseguiu uma mobilização jamais vista e dividiu o Maracanã com a torcida tricolor. Dos 146.043 presentes, cerca de 70 mil eram corintianos.
O resultado veio em campo, sob um dilúvio que desabou no Maracanã, mesmo com um time menos qualificado tecnicamente, o Corinthians conseguiu empatar em 1 a 1 no tempo normal, com um raro gol de Ruço, que anotou de puxeta.
Caiu tanta água no Maracanã que a Máquina Tricolor enferrujou. As poças ajudavam a dobrar a marcação sobre os meias rápidos e habilidosos do Fluminense e os corintianos se seguravam como podiam.
Carregado pela Fiel torcida, o Corinthians chegou vivo aos pênaltis. A vaga na final do Brasileirão-76 seria decida na marca da cal e por tudo o que suou no dilúvio que caiu naquela tarde no Maraca e por todo o apoio incondicional de 70 mil do bando de loucos, a classificação alvinegra não seria nenhum absurdo, mas seria um feito heroico.
Tobias era o responsável solitário por defender uma nação. Porém quem defende o Corinthians nunca está só. A massa passou a apoiar o goleiro que defenderia os 70 mil no Maraca e os milhões no Brasil.
Possuído pela energia de tantas vozes, Tobias alcançou um estado de concentração sobrenatural e passou a defender com a força de uma nação. Logo na primeira cobrança do Fluminense, o goleiro defendeu, mas o árbitro mandou voltar alegando que o defensor havia se adiantado. A Fiel cantou a bola, Tobias pulou no mesmo canto e defendeu novamente colocando o Coringão na frente da disputa.
Na sequência dos batedores tricolores nada menos que Carlos Alberto Torres, o Capita. O homem que ergueu a Jules Rimet no tri mundia do Brasil, correu e bateu forte, Tobias mais uma vez defendeu de maneira extraordinária.
Doval ainda converteu uma cobrança tricolor, mas Zé Maria, o Super Zé, anotou o 4 a 1, o gol da classificação corintiana improvável, guerreada e sobrenatural nas mesmas proporções.
Há quem diga que botafoguenses, flamenguistas e vascaínos inflaram a torcida alvinegra contra o Fluminense. Com certeza havia infiltrados, mas o movimento da torcida corintiana para aquele jogo é algo histórico e impensável atualmente pela capacidade dos estádios.
Aquela classificação foi conquistada por uma torcida que carregou seu time nas costas quando precisou, não venceu o título, pois perdeu para o Internacional na finalíssima, mas levou o Corinthians à ressurreição em 1976 e ao Paraíso no título paulista e fim do jejum em 1977.
A torcida ouviu Francisco Horta e levantou até os mortos das tumbas para torcer pelo Corinthians, depois disso a Fiel ainda invadiria novamente o Rio de Janeiro, em 2000, na decisão do Mundial contra o Vasco da Gama, e na decisão do Mundial de 2012, numa invasão que atravessou o mundo e fez o Japão ser tomado pelo bando de loucos.