Brasil: uma seleção na encruzilhada da história

Jessyanne Bezerra
Universidade do Esporte
8 min readNov 21, 2022

Vinte anos depois de conquistar o pentacampeonato, a Seleção Brasileira se divide entre a valorização das glórias do passado, o fantasma do 7 a 1 e a expectativa por retomar o protagonismo no futebol mundial

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Chegou o evento mais esperado por todos os brasileiros. É neste momento que não importa se você é flamenguista, vascaíno, corintiano, palmeirense, atleticano, etc. Não importa. De quatro em quatro anos, ocorre o fenômeno de que todos, independente da rivalidade, dão as mãos e torcem pelos mesmos 11 jogadores em campo.

Acabou a paz, acabou o sossego. O “Brasa” vem quente na expectativa de incendiar os gramados em busca do Hexa.

No passaporte da Seleção Brasileira, o carimbo de todas as edições de Copa. A única confederação a sustentar este feito. Dessa vez no Catar, o Brasil entra em campo em busca de superar a si mesmo. Na contagem regressiva para o dia 18 de dezembro, a única coisa em mente é o Hexa ou nada.

Foto: CBF

A favorita para levantar a taça irá enfrentar na fase de grupos Sérvia (24/11), Suíça (28/11) e Camarões (02/12). Intacto, o Brasil chega a Doha sem baixas por lesões dentro dos convocados. E, apesar do cenário favorável em comparação às outras equipes, a Seleção ainda precisa convencer no sentido unitário.

As cincos estrelas acima do brasão podem assustar qualquer adversário. Elas brilham e reluzem o respeito e a hegemonia que foram conquistados. Mas isto são glórias de gerações passadas. Falta a esta seleção conquistar sua própria estrela.

Aliás, um fato curioso é que foi o Brasil que iniciou a tradição de colocar estrelas no uniforme oficial. Em 1970, com a conquista do Tri, isso tomou força e a CBF, até então CBD, passou a utilizar o modelo.

Uniforme
No início, o Brasil era conhecido como FBS, Federação Brasileira de Sports. O nome durou apenas dois anos, foi criado em 1914 e extinto em 1916. E eis que surge a Confederação Brasileira de Desportos (CBD). A partir disso, as cores da bandeira nacional passam a compor o uniforme da Seleção.

Foto: Reprodução

No entanto, a sigla das três primeiras conquistas da Seleção durou até 1978. A mudança para CBF, Confederação Brasileira de Futebol, foi uma exigência da FIFA que, por meio de decreto, obrigou que as confederações de futebol deveriam ser voltadas unicamente para o desenvolvimento desta modalidade.

Foto: Reprodução

As cores do uniforme da Seleção Brasileira representam a bandeira nacional. A camisa é tão emblemática que conseguiu se tornar mais simbólica, internacionalmente, do que a própria bandeira, sendo uma referência do local conhecido como “O País do Futebol”.

Foto: Reprodução

A tradicional amarelinha foi estreada nos Jogos Olímpicos de 1952. Para esta edição no Catar, a camisa da Seleção Brasileira é inspirada na onça-pintada, “Garra Brasileira” dá nome à coleção que possui detalhes das pintas de pele do felino.

Mas, não foi com ela que o Brasil se tornou campeão em 1958. O segundo uniforme, a camisa azul, é o que está marcado no primeiro título mundial brasileiro. Isso porque o Brasil perdeu o sorteio da Fifa e teve que usar o segundo uniforme contra a Suécia na final.

Apesar de ter entrado na moda recentemente, a camisa branca da Seleção Brasileira é sinônimo de “zika”. Desde 1930, o Brasil usava o manto. Era tradição, não se pensava em outra cor para o time. E foi com ela que o Brasil perdeu para o Uruguai em 1950, dentro de casa, deixando passar a oportunidade mais clara de um título mundial. O episódio ficou conhecido como “Maracanazo”.

Equipe do Brasil de 1950 (Foto: Reprodução/CBF)

No entanto, o Brasil só aposentou mesmo a camisa em 1957, na partida contra o Peru. Foram 13 Copas do Mundo com o uniforme. A camisa branca só foi vista novamente cerca de 69 anos depois, quando a Seleção só voltou a usá-la na Copa América de 2019 como uniforme oficial.

Foto: Divulgação

A última dança
A edição do Catar também marca a despedida de Tite do comando da Seleção. O técnico anunciou, muito antes da Copa do Mundo começar, que este seria seu último torneio como maestro do Brasil.

Foto: CBF

Quem também se despede da seleção brasileira é Daniel Alves. Aos 39 anos, o lateral chega para sua última Copa do Mundo. Apesar da polêmica na convocação, o camisa 13 sabe do seu papel e importância na equipe. Ele é o jogador brasileiro com mais títulos na carreira.

Thiago Silva, com 38 anos, também pode estar chegando a sua última edição de mundial. O xerife da defesa brasileira vestiu a amarelinha 109 vezes. Ele é o zagueiro com mais jogos pelo Brasil.

A Supernova
Para o elenco do Hexa, Tite convocou 9 atacantes, 2 meias, 4 volantes, 4 zagueiros, 4 laterais e 3 goleiros. O número de atacantes chama a atenção, e nas 22 edições de copa, apenas em três convocações ocorreu este fenômeno: 1930 (11), em 1938 (10) e em 1950 (10).

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Desde 80, o número máximo de atacantes chamados eram cinco, duas duplas e um quinto jogador como opção. Esse modelo “Batman e Robin” fez sucesso, com uma dupla de ataque fulminante como foi visto em 94, com Romário e Bebeto, e em 2002, com Ronaldo e Rivaldo.

Entre os 26 nomes convocados, 16 estão indo para sua primeira Copa do Mundo. A média de idade desta seleção é de 28 anos. O mais velho é Daniel Alves e o mais novo é Gabriel Martinelli.

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Acabando com a dependência e permitindo que o protagonismo seja compartilhado, nesta edição, a expectativa é que Neymar jogue mais para o meio de campo, como um falso 9. O camisa 10 irá assumir a função criativa da Seleção, sendo o principal criador de jogadas.

Primeira estrela — Com brasileiro, não há quem possa!
Em 58, foi Pelé. E eis que surge a primeira explosão, embalados pela marchinha “A taça do mundo é nossa”, do grupo Titulares do Ritmo.

Foto: FIFA/Acervo CBF

No dia 29 de junho, pelas mãos de Zagallo, o troféu foi erguido pela primeira vez. O Brasil chegava ao topo do mundo. A seleção contava com Pelé, Garrincha, Didi, Gylmar, Zagalo e companhia.

Nesta edição na Suécia, anfitriã e derrotada na final por 5 a 2, o Brasil só enfrentou adversários europeus do início ao fim. O saldo final da Copa, a Seleção venceu cinco jogos e empatou um.

Segunda estrela — Samba, futebol e café
Em 62, foi Mané. O técnico era Aymoré Moreira que usou e abusou do fator surpresa que Garrincha causou naquela Copa. Com Pelé contundido logo na segunda partida, Amarildo teve a chance de brilhar. Na final, o Brasil bateu a Tchecoslováquia por 3 a 1.

Foto: Acervo UH/Folhapress

Em Santiago, já se cantava: “O brasileiro desta vez no Chile, mostrou o futebol como é que é, ganhou o bicampeonato sambando com a bola no pé”.

Terceira estrela — Pra Frente Brasil!
Em 70, o Esquadrão. Primeiro país a ser Tricampeão. Comandados por Zagallo, a equipe era noventa milhões em ação. Nesta edição, o Brasil venceu invicto.

Foto: FIFA

O ataque fulminante contava com Tostão, Rivelino, Pelé e Jairzinho que massacraram a Itália por 4 a 1 na final. O Estádio Azteca, no México, ficou pequeno demais com a conquista do tri e a Seleção voltou para casa com a Taça Jules Rimet.

Foto: FIFA

Quarta estrela — Eu sei que vou, vou do jeito que sei…
94, Romário. Primeiro Tetracampeão. Após 24 anos, comandados por Parreira, o Brasil pôde gritar novamente. “É TETRAAAA”.

Foto: Mark Leech/Getty Images

Embalados com a dupla Romário e Bebeto, a Seleção Brasileira conquistou seu quarto título nos Estados Unidos, vencendo nos pênaltis a Itália. Obrigada, Baggio!

Quinta estrela — É Festa!
2002, Fenômeno. Avisou… Avisou… Que vai rolar a festa, vai rolar! O Brasil conquistou seu quinto título mundial em cima da Alemanha. Apesar de consolidada, o elenco de 2002 amargava uma eliminação precoce na Copa América de 2001.

Foto: Getty Images

A seleção contava com Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Marcos e Cafú.

Foto: Alex Livesey/Getty Images

Com apenas um ano no comando, Felipão guiou com maestria a equipe na conquista da última estrela. E no mundo não há outra igual, só o Brasil é pentacampeão mundial.

As estrelas me falaram que…
E toda edição de Copa do Mundo o que mais acontece são teorias conspiracionistas tentando justificar o Hexa. Nesta busca por coincidências, as pessoas tentam prever o futuro com acontecimentos do passado.

Foto: Reprodução

Uma delas é que na última vez que o Brasil foi campeão mundial, na edição da Coreia do Sul e Japão, a França tinha levado a taça em 98 e o Real Madrid tinha sido campeão da Champions League em 2002. Sem contar na derrota para Honduras na Copa América de 2001 que quase fez a Seleção ficar de fora da Copa. Até a eleição do Lula entrou no meio.

E este ano tudo isso aconteceu novamente. A França foi campeã em 2018, o Real Madrid conquistou a Champions em 2022, derrota na Copa América e até o Lula foi eleito.

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

“E agora, estamos vivendo o mesmo cenário e por isso o Brasil será campeão mundial”. A história pode até ser semelhante, mas ele nunca se repete.

Falar do passado é fácil. Descrever algo que já está definido é chover no molhado. Esta é a única Seleção que participou de todas as edições de Copa do Mundo e também é a mais vitoriosa.

Há um legado a ser honrado e um grito guardado na garganta, sufocado por 20 anos. Esqueçam o 7 a 1, isso é coisa do passado. Esse fantasma não se compara com a magnitude do Canarinho, e sequer assombra mais do que o peso da história desta Seleção.

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Esta é uma geração que encara o passado. Um passado glorioso, que da mesma forma que inspira, tormenta. Todos os caminhos levaram até aqui. Não são coincidências que definem os 90 minutos jogados dentro das quatro linhas.

Este é o momento em que o Brasil entra em campo tentando recuperar sua hegemonia e superar o passado.

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