Entre o esforço e a repetição

Adsson Santos
Universidade do Esporte
5 min readOct 9, 2022
NBA/Twitter

A jornada de cada herói tem sua própria história de origem, um caminho que eles seguem para seu objetivo final. Esse caminho é quase sempre repleto de lições aprendidas, dificuldades enfrentadas e batalhas vencidas contra vilões/crédulos que entraram em seu caminho. As probabilidades estão contra eles, mas eles perseveram mesmo que as chances sejam de 1 em 114.000.605.

A trajetória de carreira do Jimmy Butler é uma das mais estranhas da NBA na atualidade. Para os que se emocionam com superação, Butler é a história improvável de um moleque crescido numa cidade pequena que não tinha tradição de bons resultados no basquete.

Abandonado pelo pai ainda bebê e expulso de casa pela mãe aos 13 anos. Jimmy precisou batalhar e mostrar serviço para virar profissional, para ir para a faculdade e depois para a NBA, onde só foi selecionado na posição TRINTA do Draft. Uma mera carreira já seria uma grande vitória, o que dizer de virar uma superestrela e se tornar um herói nacional no meio do caminho?

A carreira de Jimmy Butler é uma coleção de erros, vidros despedaçados e correções. Ele brigou com Tom Thibodeau, o maior responsável pelo seu sucesso inicial. Fez inimigos ao tentar ser líder no Minnesota Timberwolves, em um projeto de reconstrução bem-sucedido sem NUNCA TER VENCIDO JOGOS que é até engraçado pensar neles como “bem-sucedidos”.

Todo ano parecia que eles iam deslanchar. Jimmy tentou uma outra mentalidade, uma outra capacidade de entender as exigências táticas e o resto do elenco não conseguiu ganhar muito com sua presença, tratou mal companheiros até se tornar, só depois de mais velho, alguém capaz de tirar o melhor mesmo de jogadores limitados ao seu redor.

Lição de humildade? Nenhuma, era só treinar mais que da próxima vez tudo iria dar certo. Uma garrafa quebrada significa que ele está mais perto de não quebrar a próxima. E era assim até dentro de cada jogo, com arremessos errados ou desperdícios de bola sendo deixados para trás como parte de um processo, não como uma mancha. O vidro no chão não é sinônimo de imperfeição.

Talvez só Kobe Bryant foi capaz de nos mostrar (e às vezes nos enfurecer) com essa mentalidade de que todos os erros passados não importam, que o que vale é o próximo arremesso.

Ao longo dos últimos dez anos vimos uma grande geração de jogadores tomar conta das quadras, times historicamente bons venceram títulos, algumas zebras criaram histórias cativantes, partidas épicas marcaram uma geração e tudo isso trouxe ainda mais fãs de todos os cantos do planeta, mais patrocinadores e um caminhão de dinheiro que a liga e seus jogadores nunca haviam visto antes.

O problema é que o Heat pegava jogadores indesejados, transformava eles em jogadores decentes e aí o valor de mercado desses atletas imediatamente subia, criando uma dúvida cruel: abre-se mão desses jogadores para não comprometer o futuro salarial da franquia, mas perdendo aquilo que você tão talentosamente construiu, ou abre-se os bolsos para manter esses jogadores mesmo sabendo que eles no fundo não são tão bons assim e só brilharam graças ao seu modelo?

Ao não conseguir contratar grandes estrelas, o Heat optou por abrir o bolso e se viu na difícil situação de ter um elenco que não era tudo isso, mas sem dinheiro para fazer melhorias significativas.

O Heat passou 6 anos confiante no modelo, jogando da maneira que acredita, desenvolvendo talentos, mas ninguém desabrochou para tornar-se uma grande estrela, e as estrelas já desabrochadas não pareciam querer jogar por lá. Jogar direito não parecia ser suficiente.

Até que Jimmy Butler, descontente com o suposto “amadorismo” que via nos bastidores de Wolves e Sixers, resolveu jogar pelo Heat após ouvir de Dwyane Wade que a franquia era “séria de verdade”.

Jimmy Butler é um dos melhores jogadores “duas vias” da NBA, um dos melhores talentos defensivos do basquete que ainda consegue ser muito produtivo no ataque. Mas ninguém acreditava que ele seria capaz de carregar sozinho uma franquia que não havia sequer alcançado os Playoffs — se ele não carregara Wolves e Sixers, com elencos muito mais estrelados, por que o faria num Heat cheio de jogadores secundários?

Mas o que descobrimos é que o MODELO não precisava de Jimmy Butler para carregar o time; precisava dele apenas para empurrar um pouquinho um motor que já era perfeitamente funcional e carecia de uma força inicial.

Com ele no elenco, aquilo que sempre vimos no Heat passou a ficar mais evidente: jovens talentos sendo desenvolvidos (Tyler Herro, Max Struss Duncan Robinson e Bam Adebayo), esquema de jogo sólido, todo mundo na melhor forma física da carreira.

Só que agora com a nova empolgação de ter um líder em quadra capaz de carimbar com sua confiança um modelo que agora todos os atletas têm ainda mais razão para se entregar. Se Jimmy Butler acredita, não tem como não acreditar junto, senão ele grita com você.

Um título para o Heat seria, portanto, a coroação de um modelo — de jogo, mas também de bastidores, de comando, de desenvolvimento interno de atletas. Seria a prova definitiva de que a “liga de estrelas” pode criar as suas próprias, desenvolver seus próprios talentos, dar protagonismo para jogadores menos badalados, e convencer estrelas como Jimmy Butler não com espaço salarial, mas com uma estrutura séria que não admite derrota.

O Heat, mesmo nos seus piores momentos, estava tentando ganhar, nem que fosse transformando Dion Waiters numa quase-estrela; é o anti-Sixers, uma recusa ao “perder agora para ganhar depois”. E aqui está, a oportunidade veio: o Heat é o time mais bem treinado, em melhor forma física, com o elenco mais profundo, tirando minutos valiosos de jogadores que em outras franquias não teriam tido sequer uma chance, que em outros lugares, técnico nenhum confiaria minutos importantes da pós-temporada.

Para Jimmy Butler, que ganhou fama como uma figura caótica e excessivamente crítica nos vestiários, é uma história de casamento perfeita, no fundo, ele só queria um modelo estruturado, sério e profissional para obedecer. Todo rebelde, eventualmente, encontra sua casa.

Butler é um nerd do basquete. Ele se importa demais em estudar o basquete, em entender o jogo e em melhorar, e não está nem aí para fazer amigos, ter bom relacionamento, lançar um álbum de rap ou estrelar filmes. O que ele quer é ganhar basquete.

Há casos de heróis que falharam no passado e que buscam redenção ou de personagens que andam em círculo até descobrirem que jamais poderão abrir mão de uma certa essência inescapável.

No mundo de Jimmy Butler, porém, há sempre a chance de arrumar as coisas. Seu temperamento é difícil, ele gosta de estar no controle das coisas e cobra seus companheiros sem preocupação de agradar e sequer entender os outros. Mas ao menos ele faz tudo isso se entregando completamente nos treinos, nos jogos, na disciplina e é um dos jogadores mais completos da atualidade.

--

--