Jackie Silva: a rainha do vôlei de praia

Ananda Miranda
Universidade do Esporte
5 min readJul 12, 2024

Da rebeldia nas areias de Copacabana ao ouro olímpico: a trajetória inspiradora da rainha do vôlei de praia que desafiou limites e conquistou o mundo

Com uma personalidade forte e um talento admirável, Jacqueline Louise Cruz Silva teve uma trajetória marcada por lutas, não apenas em defesa da seleção brasileira, mas também pelos direitos das mulheres no esporte. Sua história é embalada pelo orgulho do pioneirismo de quem assinou como “Jackie Silva”, a primeira mulher brasileira a conquistar o ouro em esportes coletivos.

Foto: Comitê Olímpico

Talento Revelado

Jacqueline foi criada nas areias de Copacabana, onde nos fins de semana brincava de vôlei com seus pais, grandes fãs da modalidade. Diferente da maioria das crianças, que experimentam diversos esportes até encontrar aquele com o qual se identificam, Jacqueline e o vôlei de praia formaram um par perfeito desde muito cedo. Nos anos 70, o vôlei de praia ainda não havia ganhado popularidade, então Jacqueline encontrou no Colégio Notre Dame uma oportunidade de treinar vôlei de quadra e se aproximar de sua paixão. A coincidência oportuna foi que o técnico da escola, Ênio Figueiredo, ao reconhecer o talento de Jacqueline, a convidou para jogar na categoria mirim do Clube de Regatas do Flamengo, em 1972, quando ela tinha apenas dez anos.

Foto: Reprodução / Twitter - Flamengo

Da Infância nas Areias ao Brilho nas Quadras Olímpicas

No Flamengo, Jacqueline logo chamou a atenção, tornando-se pentacampeã carioca pelo rubro-negro; o esporte deixou de ser uma simples diversão de fim de semana. Quatro anos depois, aos 14 anos, foi convocada para a Seleção Brasileira adulta, mas sua jovem idade resultou em cortes em algumas ocasiões, tornando a frustração parte de sua trajetória.

Sua carreira continuou a ser marcada por sucesso nas quadras; nos Jogos Pan-Americanos de 1979, conquistou a medalha de bronze para o Brasil e, ao final da temporada, foi eleita a melhor jogadora do pré-olímpico. Curiosamente, a fama não encantava a jovem Jacqueline; a levantadora achava “entediantes” os métodos de treino adotados pela seleção na época. “Eu era muito criança. Você pode imaginar aos 14 anos naquela época, nos anos 70? Não tinha nada a ver com a adolescência de hoje. Eu sentia falta da liberdade que tinha. Tudo era muito restrito… Era entediante. Eu me sentia uma criança. As pessoas eram todas mais velhas, mais maduras”, disse Jackie Silva sobre aquele período.

“Eu era muito criança. Você pode imaginar os 14 anos daquela época, lá nos anos 70? Não tinha nada a ver com 14 anos na época de hoje. Então, eu sentia falta das coisas que eu tinha. Tudo lá era, não pode isso, não pode aquilo… Era muito chato. E eu me sentia muito criança. O pessoal era mais velho, mais adulto”, disse Jackie Silva sobre a época.

Foto: Arquivo Pessoal — Jackie Silva

Em 1980, participou de sua primeira Olimpíada em Moscou, destacando-se o suficiente para se tornar a levantadora titular da Seleção Brasileira, que disputava pela primeira vez uma Olimpíada na modalidade. Com a fama, vieram também episódios polêmicos envolvendo seu nome.

Rebelde com causa

De personalidade forte, Jacqueline era descrita como “rebelde” pelos jornais. Um de seus atos de protesto mais marcantes foi quando entrou na quadra do Floresta Country Club usando o uniforme ao contrário, em protesto contra a falta de patrocínios para as atletas femininas pela Confederação Brasileira de Voleibol (CBV). No dia seguinte, as jogadoras estavam na casa onde a seleção feminina de vôlei vivia, um local sujo, escuro e cheio de teias de aranha, quando o então presidente da CBV, Carlos Arthur Nuzman, informou que Jacqueline estava cortada da Seleção Brasileira.

“Ao sair daquele ambiente sombrio, percebi que ali havia deixado um pouco de tudo o que representei para o vôlei brasileiro e senti-me purificada, com ainda mais vontade de lutar.”

Foto: Reprodução / Facebook — Jackie Silva

Desprezada pelo Brasil, Jacqueline não encontrou mais oportunidades no país, sendo vista como alguém que “causava muitos problemas”. Muito à frente de seu tempo, a levantadora não se curvou ao preconceito e partiu para o exterior em busca de novas oportunidades.

Seus Feitos Ultrapassaram as Quadras

Uma nova fase começou com reconhecimento; no final dos anos 80, o vôlei de praia se tornou popular, permitindo a Jacqueline retornar à sua paixão de infância de maneira profissional. Mudou-se para os Estados Unidos, onde conquistou muitos fãs, sendo chamada de “Jackie Silva, a rainha do vôlei de praia”. Venceu inúmeros torneios e alcançou o topo do ranking mundial. Sete anos depois, jogou profissionalmente na Itália, devido à falta de oportunidades financeiras nos Estados Unidos. Enquanto dividia suas temporadas entre Itália e EUA, fundou a Women Professional Volleyball Association, a primeira associação feminina de vôlei, moldando a prática do vôlei de praia com técnicas que ainda são adotadas hoje, como bloqueios, saques viagem e toques na prática feminina da modalidade.

Da Rebeldia às Conquistas Douradas

Para quem apreciou o bom vôlei nos anos 90, certamente lembra da dupla Jackie Silva e Sandra Pires, ambas cariocas que fizeram sucesso em torneios nos EUA e Brasil. Juntas, foram as primeiras brasileiras a conquistar uma medalha de ouro olímpica em 100 anos de história olímpica, no Circuito Mundial de Vôlei de Praia.

Foto: Acervo COB

A consagração oficial como atleta ocorreu nos Jogos de Atlanta em 1996, quando Jackie retornou ao Brasil para representar a seleção nos jogos, na estreia do vôlei de praia como modalidade olímpica. Foi a primeira vez em 76 temporadas que o Brasil conquistou duas medalhas de ouro em uma única Olimpíada.

Foto: Acervo COB

Quando as mulheres brasileiras subiram ao topo do pódio pela primeira vez nos Jogos Olímpicos, a luta de Jackie Silva contra a desigualdade ao longo dos anos floresceu na esperança de um futuro melhor para o esporte feminino. Atualmente, a rebelde dessa história aposentou-se das quadras, mas continua sua luta por igualdade através de projetos como o “Atletas Inteligentes”, incentivando estudantes a permanecerem na escola através do vôlei, projeto que lhe rendeu o Prêmio Campeão pelo Esporte da UNESCO. Jackie dedica-se também como treinadora de equipes de alto nível, fundando o “Jackie Volleyball Club” e tendo seu nome inscrito no Hall da Fama do vôlei. A menina teimosa das praias de Copacabana mudou o curso da história do preconceito que manchava o percurso do vôlei feminino mundialmente.

Foto: Reprodução / Facebook — Jackie Silva

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