Joaquim Cruz: uma jornada de herói

Natan de Freitas
Universidade do Esporte
6 min readJul 4, 2024

A história do corredor que conquistou o Brasil inteiro com passadas largas até a linha de chegada.

Foto: Foto: Heinz Kluetmeier /Walt Disney Television via Getty Images

No cinema, a jornada de um protagonista é sempre formada por um grande objetivo a ser atingido e um longo caminho a ser percorrido, mas a vida de Joaquim Cruz, herói olímpico brasileiro, não é apenas um filme ou série, é uma história real.

Em 1984, o Brasil tinha apenas um representante entre os atletas que conquistaram o ouro olímpico no atletismo. Mas um jovem de 21 anos, nascido em Taguatinga, no Distrito Federal, estava prestes a mudar isso. Tudo começou no dia 12 de março de 1963. Ninguém poderia imaginar que uma criança com uma perna maior que a outra, sétimo filho de um casal de nordestinos, faria história nas Olimpíadas. Aos 13 anos, Joaquim começou a praticar basquete no SESI da recém-criada capital brasileira. Seus professores logo observaram o talento do garoto para o esporte.

O menino, que sonhava em ser alguém na vida e tentava traçar o caminho do sucesso pelo basquete, precisou de um mestre para endireitar o percurso. Foi Luís Alberto, primeiro técnico e quase segundo pai de Joaquim, quem lhe disse que ele poderia ter um futuro brilhante no esporte, mas isso só aconteceria na modalidade que ele menos gostava: o atletismo. A partir desse ponto, os dois começaram a escrever uma história de cinema juntos. Joaquim e Luís Alberto continuariam como aluno e mentor por 22 anos.

Foto: Reprodução/ Instagram – Joaquim Cruz

Em 1981, o caminho de Joaquim em direção à medalha olímpica começou a ficar mais claro. O atleta competiu no Troféu Brasil, no Rio de Janeiro, com apenas 18 anos, e em uma das maiores competições do atletismo brasileiro, Joaquim bateu o recorde mundial juvenil na prova dos 800m. Foram necessários apenas um minuto e quarenta e quatro segundos para o protagonista dessa história impressionar todo o cenário internacional e chamar a atenção das universidades americanas. Logo depois, o destino de Joaquim seguiu para fora do Brasil. O jovem filho de piauienses pegou um avião direto para a Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, onde recebeu uma bolsa para estudar e competir.

Mas não existe jornada do herói formada apenas por vitórias, e Joaquim entendeu isso em 1983. A um ano das Olimpíadas de Los Angeles, o brasileiro competiu no Mundial de Atletismo em Helsinque, na Finlândia. Na prova de 800m, Joaquim saiu na frente, mas na altura dos 300m, viu o inglês Peter Elliott tomar o primeiro lugar. No fim da prova, a 100 metros da linha de chegada, o corredor brasileiro ainda recuperou a liderança, mas acabou finalizando em terceiro. Apesar do pódio, o sabor da medalha não foi tão doce quanto poderia ser se Joaquim tivesse conquistado o ouro. Para ele, a falta de tranquilidade no momento da prova foi o principal motivo da derrota: “Em termos de preparação psicológica e emocional, eu cometi um erro grave em Helsinque, no meu primeiro Mundial”.

Um ano se passou e o grande momento havia chegado. Em 1984, Los Angeles foi a sede das Olimpíadas e Joaquim chegou como uma das estrelas da competição, mas ele não era o único grande corredor. O britânico Sebastian Coe era o atual recordista mundial e tinha conquistado a medalha de prata em Moscou quatro anos antes. Além dele, o também britânico Steve Ovett era o atual campeão olímpico e buscava o segundo ouro seguido nos 800m. Joaquim chegou em Los Angeles uma semana antes da competição. Junto a Luís Alberto, seu técnico, realizou os treinamentos nas pistas que seriam palco dessa grande conquista. Mas a mais importante preparação estava acontecendo na mente do brasileiro. Joaquim não queria repetir o erro do ano anterior.

Foto: Foto: Tony Duffy/Getty Images

Quando a corrida começou, não havia mais tempo para nada. Joaquim não poderia imaginar o quão demorados poderiam ser aqueles minutos. Vinte e um anos de preparação para decidir tudo em poucos instantes. As cartas estavam lançadas. Joaquim iniciou a prova buscando a posição ideal e, com muita paciência, esperou o momento certo para acelerar. A cada passo para frente, o brasileiro precisava olhar para trás. Além de ver a velocidade e a aproximação de seus adversários, Joaquim também via sua jornada: cada batalha, cada treino e cada derrota que havia vivido para chegar até aquele momento. Foi aos um minuto e trinta segundos que o brasileiro tomou a frente da corrida e, treze segundos depois, suas passadas largas cruzaram a linha de chegada. Era o fim. Sob o olhar da multidão que acompanhava a prova no Los Angeles Memorial Coliseum, o anseio de toda uma nação era finalmente saciado: o ouro era brasileiro e nosso herói se chamava Joaquim.

Foto: Arquivo Pessoal / Instagram – Joaquim Cruz

As conquistas do atleta não acabaram por aí. Afinal, um filme de sucesso pede uma sequência, com drama, muita superação e um desfecho de roteiro diferente.

Quatro anos depois, em Seul, o Magrelo de Taguatinga defenderia o ouro olímpico. Após uma boa temporada, Joaquim chegava como um dos favoritos para o pódio, mas as lesões atrapalharam a continuidade do atleta. Durante os anos de preparação para a segunda Olimpíada na carreira, o corredor precisou realizar dois procedimentos cirúrgicos. Ainda assim, chegou em solo coreano em 1988 com muita vontade de vencer. Quando faltavam pouco mais de 100 metros para o fim da prova, o ouro parecia certo para Joaquim, mas o queniano Paul Ereng ultrapassou o brasileiro, que teve que se contentar com a medalha de prata. Nas palavras do brasileiro: “Foi mais difícil ganhar a prata do que o ouro quatro anos antes. Tenho muito orgulho do meu esforço para conseguir essa conquista”.

Foto: Arquivo Pessoal / Instagram – Joaquim Cruz

Em 1992, as lesões impediram Joaquim de realizar o sonho de competir em três Olimpíadas, mas isso não poderia parar o corredor brasileiro. Pensando assim, contrariando todas as expectativas, Joaquim se classificou para os Jogos Olímpicos de 1996 em Atlanta. Dessa vez, já passando o bastão para a nova geração, o corredor viveu uma das maiores honras que um atleta pode ter: Joaquim se juntou a toda delegação no desfile e foi o responsável por erguer a bandeira brasileira. Dessa vez, o corredor competiu na prova dos 1.500m ao invés da tradicional prova de 800m. Mesmo sem ter chegado às finais e terminando fora do pódio, Joaquim foi um exemplo de superação para toda a delegação e finalizou a competição reverenciado pelos atletas mais jovens, encerrando uma trilogia digna de recordes de bilheteria no cinema. “Jamais vou me sentir como um perdedor. Tive uma grande carreira e isso ninguém vai me tirar”.

Foto: Arquivo Pessoal / Instagram – Joaquim Cruz

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