Kyrie contra o mundo
O Brooklyn Nets da temporada 18/19 virou rapidamente exemplo de um modelo de sucesso. Depois de três temporadas muito, muito ruins (com apenas 21, 20 e 28 vitórias), o time finalmente se encaixou, conquistou a sexta vaga nos Playoffs, roubou um jogo do todo-poderoso Sixers na primeira rodada e impressionou a todos não apenas com os resultados, mas também com a maneira como esses resultados foram conquistados: sem grandes nomes, sem grandes salários, ajudando a alçar um precocemente desacreditado D’Angelo Russell rumo ao All-Star Game. Já durante os anos medonhos que antecederam a temporada anterior o Nets tinha clareza de que não conseguiria convencer grandes nomes a compor seu elenco, então resolveu estabelecer um plano de longo prazo completamente independente de resultados. Ganhando ou perdendo, a ideia era investir e desenvolver o ginásio, o centro de treinamentos, a comissão técnica, os jovens nem tão talentosos e, mais importante, imitar em quadra um MODELO de jogo vitorioso — no caso, o Golden State Warriors múltiplas vezes campeão.
Acabou servindo como uma grande propaganda para o Nets. Ao mesmo tempo em que o time transmitiu a imagem de ser um time coletivo (com todos os jogadores da rotação do time finalizando e sob controle (com um plano de longo prazo, investimento, estrutura e um padrão de jogo), também conseguiu mostrar que tinha espaço para estrelas, espaço para melhora e disposição para deixar bons jogadores dominarem a bola quando necessário. Com essa mensagem divulgada, o time saiu do período de contratações com a adição de Kevin Durant e Kyrie Irving.
So que a felicidade durou pouco nesse três anos com Kevin Durant e Kyrie sob um contrato supermax e a promessa de campeonatos da NBA. O Nets venceu apenas uma série de playoffs e foi varrido na rodada de abertura na temporada passada.
Se fossem só alguns resultados negativos, tudo bem, todo time tem temporadas ruins, mas o pacote é completo e conhecido da torcida nova-iorquina: time irreconhecível em quadra, atuações constrangedoras, desfalques a rodo, um notável climão estranho nas entrevistas, nada do entrosamento prometido.
A temporada 2021–22 foi um desastre em parte porque Kyrie Irving se tornou o centro do universo da NBA, pela sua recusa em receber uma vacina COVID-19 o que o tornou inelegível para jogar em casa ou treinar com o Nets boa parte da temporada
Irving acreditava que ele era a “voz dos sem voz” para as pessoas forçadas a tomar a vacina para manter seus empregos. “Não se trata de ser anti-vax ou estar de um lado ou de outro. É sobre ser fiel ao que é bom para mim.”
Grande parte da carreira de Irving foi definida por suas ideologias fora das quadras. Às vezes, as críticas a ele foram válidas, como o ridículo que recebeu por seus comentários questionando se a Terra é plana, pelo o que mais tarde ele se desculpou Outras vezes, as críticas foram mal informadas, como aqueles que zoaram de Kyrie por queimar sálvia na arena TD Garden de Boston antes de um jogo do Nets, algo que ele fez como parte de sua herança nativa americana.
Até que ponto Harden ficou irritado com isso não está claro. quando Irving expressou sua posição sobre a vacina, recusar-se a tomá-la foi além de ser apenas uma questão pessoal porque — além da saúde pública — isso também a tornava uma questão de equipe. Jogadores como Harden teriam que arcar com mais peso por causa da escolha de Irving. Talvez Durant, um amigo próximo de Irving que mais ou menos decidiu se juntar aos Nets como um pacote por ele, pudesse viver com a decisão do amigo. Mas Harden não necessariamente se inscreveu para isso. E talvez essas frustrações venham à tona ainda mais quando Durant está lesionado, exigindo que Harden liderasse o ataque sozinho durante os jogos em casa, fazendo ele se cansar de arcar com o fardo como a única constante em nível de estrela.
Kyrie Irving parece que sempre quis ser o centro das atenções, mas mesmo assim decidiu jogar no Brooklyn Nets ao lado de Kevin Durant e James Harden. Durante as finais da NBA de 2016 que o Cleveland Cavaliers venceu contra o Golden State Warriors, as pessoas muitas vezes esquecem que Kyrie foi quem acertou o arremesso da vitória naquele jogo final. Eles preferem valorizar o bloqueio de última hora de LeBron James do que o chute da vitória.
No ano seguinte seu relacionamento com LeBron James ficou tão gelado que eles, segundo Kyrie, mal se falavam. Ele logo exigiu uma troca em vez de ficar com James, que levaria os Cavs de volta às finais de qualquer maneira.
“Se eu estivesse na mesma linha de maturidade e compreensão de quem eu sou, e eu olhasse para trás, definitivamente teríamos vencido mais campeonatos, porque haveria um melhor entendimento de homem para homem sobre o que eu ‘ estou passando”, disse Irving no podcast “I Am Athlete”.“Eu não sabia como compartilhar minhas emoções. Eu não sabia como fazer isso. Então, em vez de compartilhar, eu me isolei.”
Ele se viu em Boston, como o melhor jogador da equipe. Irving primeiro disse que gostou tanto que queria se aposentar lá.
O que aconteceu foi que Kyrie se machucou e os Celtics ainda foram capazes de ir longe nos playoffs porque jogaram bem juntos e tiveram a sorte de jogar com times tão inexperientes quanto eles, mas que não tinham um bom treinador. Assim, os jogadores que tiveram seus papéis melhorados não gostaram que tivessem que se submeter a Kyrie e Kyrie/Brad Stevens não estabeleceram como deveria ser a hierarquia do time. O elenco percebeu que ele não queria estar ali, tornando o clima insuportável; e que Irving tinha mudanças drásticas de humor que variavam com os resultados do time e que o tornavam muito difícil de conviver, que o estilo individualista de Irving estaria rachando o vestiário, atrapalhando o estilo de jogo coletivo que a equipe havia construído e que sua pseudo-liderança seria nociva para a equipe. Essas histórias somam-se às antigas, como o próprio Irving admitindo a dificuldade de assumir uma posição de liderança quando não se é ouvido (e pedindo desculpas, no processo, por ter feito o mesmo com LeBron James no Cavs) e os boatos de confrontos contra essa liderança nos vestiários para criar um cenário não muito lisonjeiro para Kyrie Irving como líder e como companheiro.
Ele desistiu de ser um segundo superstar (Cleveland) para ser o único superstar (Boston), depois desistiu disso para ser um superstar igual (Brooklyn), e não achou nenhum deles do seu agrado.
E enquanto todo rompimento tem dois lados, a única constante aqui é Irving. É difícil imaginar o que Cleveland, Boston e Brooklyn poderiam ter feito diferente.
Ele poderia ter ficado em Cleveland e vencido. Ele poderia ter ficado em Boston e vencido. Ele poderia ficar no Brooklyn e realmente aparecer para trabalhar e talvez ganhar daqui para frente. Durant é o jogador mais talentoso, se não o melhor, do jogo. Talvez Ben Simmons realmente jogue um jogo.
Existe pressão sobre Sean Marks para que o time não ande para trás e existe pressão para que Steve Nash arrume a defesa e volte a parecer o melhor técnico da NBA como tantos falavam há alguns anos. O mundo da NBA gira tão rápido que essa dupla símbolo de uma das melhores reconstruções de elenco da história da liga pode acabar rodando
Apesar das dores de cabeça, Irving é um talento geracional que tem a capacidade de comandar um time ao título, do Brooklyn ou de outro lugar. Trinta anos , 11 temporadas na NBA, e não há dúvida sobre o talento de Kyrie em quadra.