Mendigos do bom futebol

Depois de duas décadas, Uruguai volta a vencer a Seleção Brasileira

Flavio Samuel
Universidade do Esporte
4 min readOct 20, 2023

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Foto: Eitan Abramovich/ AFP

1º de julho de 2001. Essa foi a data da última vitória celeste contra a Seleção Brasileira em jogos oficiais. Foram até então 12 jogos, com o Brasil vencendo sete e empatando cinco. O décimo terceiro foi hoje, e a escrita caiu. O Uruguai voltou a vencer o Brasil. Dessa vez por 2 a 0, com direito a alma lavada. No entanto, resumir a primeira derrota do Brasil em eliminatórias em oito anos não é tão fácil assim. Nem tão pouco, a vitória dos comandados de “El Loco” Bielsa pode ser menosprezada.

“Sou um mendigo do bom futebol”

Esta frase é de autoria de Eduardo Galeano (1940–2015), célebre escritor uruguaio. De jogador frustrado na juventude, passou a falar como poucos de política e cultura latino-americana. Mas além disso, era apaixonado em falar sobre o nosso futebol. O bom futebol. Aquele bem jogado. Que brasileiros e uruguaios aprendem amar desde muito cedo.

Mas, na verdade, ultimamente esses países vizinhos, quem são tão diferentes, sofrem da mesma falta de identidade no futebol.

Ambos acostumados a vencer e jogar bem logo nas primeiras décadas do século passado, Brasil e Uruguai são símbolos de supremacia quando se fala de futebol sul-americano. Porém, os dois têm perdido suas essências para o jogo europeu que vem tomando conta do mundo.

O Uruguai soube combater isso de certo sob o comando do “El Maestro” Óscar Tabárez. Trazendo de volta o espírito charrúa à celeste, conduziu de forma brilhante a seleção nacional por 15 anos. No entanto o que um dia foi garra e força de vontade, deu lugar a muita pancadaria e violência. Somando isso a dificuldade de produzir uma geração atrás da outra, a República Oriental do Uruguai precisava por seus 3,5 milhões de habitantes, pensar o futebol como romance mais uma vez.

Depois da Copa do Mundo do Catar, em que não passou dá fazer de grupo, chegou o momento de mudar. Era vez de Marcelo Bielsa — De Rosário, Argentina — um louco apaixonado por futebol assumir em maio deste ano para trazer o bom futebol de volta aos uruguaios.

No Brasil não foi diferente. Após duas Copas parando em seleções de segundo escalão europeu, Tite deu adeus à seleção canarinho. Para fazer o Brasil jogar com Brasil, a CBF implorou pelo sim do italiano, Carlos Ancelotti. Mas por enquanto ficou só na promessa. Sobrou então para Diniz, dos amantes do futebol, o mais caótico, comandar como interino.

Logo de cara, muita rejeição por parte da geração que fracassou em trazer o hexa. Com um jogo distante do que boa parte da Europa faz, Diniz e jogadores não parecem falar a mesma língua.

Com tudo isso, Brasil e Uruguai, entraram em campo tendo muito o que provar, quando a bola rolou no lendário Estádio Centenário de Montevidéu.

“Os bebés nascem a gritar gol, por isso é que as nossas maternidades são tão barulhentas”

Quando a bola rolou em terras charrúas, era o Brasil quem tinha a bola, mas pouco sabia o que fazer com ela.

Neymar, Vinícius Jr. e Rodrygo, os melhores jogadores com a amarelimha em campo, ocupavam o mesmo lado da “chancha” e nada conseguiam fazer.

O primeiro tempo se estendia em morosidade, e sem nem chute ao gol durante boa parte da jogo, indo de desencontro com o que os dois treinadores pregavam.

Mas quis o destino que no primeiro remate da clássico saísse o gol. Darwin Nunes, goleador e principal representante da nova geração celeste, venceu o goleiro Ederson com uma cabeçada certeira. Durante o percurso a bola ainda contou com desvio na zaga, para deixar o lance bem mais cruel para os brasileiros.

Todos 176.215 km² de extensão da parte norte do Rio da Prata explodiram juntos em uma só euforia. O grito das maternidades ecoou na nação inteira. Era os novos filhos celestes comemorando o gol do seu novo camisa 9.

Voltando para parte cruel. No lado tupiniquim ia tudo de mal a pior. Neymar, teve que sair logo após o gol adversário. Um torção no joelho tirou o principal nome do Brasil de campo. No que tudo parece, mais uma cena melancólica do triste fim de carreira do menino prodígio que não vingou como esperado.

Com o Brasil apático e atônito, o caminho estava aberto para Bielsa e companhia. E ainda se pode escutar um último grito de gil .

Darwin Nunes, com toda a bravura que o Uruguai tem orgulho de trazer dos seus antepassados, representou mais uma vez no Centenário, o espírito de nunca desistir do seu povo indígena massacrado.

Era o melhor da Celeste charrúa aparecendo. O atacante se enfiou no meio das pernas dos zagueiros brasileiros, e como mágica, caído, conseguiu fazer o passe para De La Cruz dar números finais a partida.

“É muito difícil ganhar com regularidade pensando que o caminho é jogar mal”

Vitoria merecida do Uruguai, que está começando a trilhar um caminho que parece ser de bons frutos. Com diz Bielsa, na frase acima, jogar com regularidade tendo um bom ideal é o meio para vitórias. Nem que elas sejam só do bom futebol.

Daqui para 2030, Marcelo Bielsa vai fazer um bem danado para a celeste. Hoje ele começa a montar a geração que pretende honrar sua origem vencedora no centenário da Copa do Mundo.

Para o Brasil a estrada ainda parece tortuosa. A decisão de quem realmente comandará esse novo ciclo tem que ser tomada o mais breve possível. Querendo ou não 2026 é bem ali, e a seleção pentacampeã parece mais perdida do que nunca. Ainda mendigando por lampejos de bom futebol.

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