O preço da intensidade
É evidente que os arremessos de três de Stephen Curry são a “identidade” do Warriors, o modelo de jogo da equipe e a imagem que eles transmitem para seus oponentes e para seus torcedores. Mas a parte mais fundamental dessa identidade, do “rosto” da equipe, é de responsabilidade de Draymond Green.
A formação sem um pivô tradicional é uma das coisas que fez o Warriors ser o Warriors ao longo da última década, um grupo leve e agressivo em que todo mundo pode marcar qualquer adversário, as dobras de marcação podem ser rápidas e o ataque pode ser mais espaçado, leve, fluído e difícil de ser defendido.
Isso permitiu ao Warriors se tornar um dos primeiros (ou o primeiro) time a conseguir ganhar com a velocidade de um quinteto baixo sem perder sua capacidade defensiva.
Essa é a habilidade de Draymond Green: segurar a barra lá dentro do garrafão, tendo a versatilidade ou velocidade de para diversas coisas AO MESMO TEMPO em que realiza a proteção. Green costuma correr pela quadra, contestar arremessos e às vezes até marcar caras com a bola longe do garrafão, seja na defesa de infiltrações, de pivôs adversários ou no rebote. Sem ele é difícil imaginar o time passando muito tempo com quinteto baixo.
O pivô bota a bola no chão, dribla e ataca a cesta se for preciso. Ele tem bom passe e visão de jogo para não só arremessar, mas comandar o ataque mesmo longe da cesta.
Num time que decidiu que todo o seu potencial ofensivo passará nas mãos de dois armadores pontuadores que produzem melhor sem a bola nas mãos e que custam fortunas incríveis aos cofres da franquia, o pivô acaba facilitando o esquema tático planejado.
Os bloqueios de Draymond são eficientes, como eles não são aquela coisa preguiçosa que muita gente faz na NBA, mas realmente paredes de concreto que impedem os defensores de seguirem acompanhados jogadores, permitindo tanto a Stephen Curry quanto a Klay Thompson, o poder de correr sem a bola AO MESMO TEMPO, cada um de um lado da quadra, fazendo com que fiquem LIVRES em todos os lances
Além de seus campeonatos, aparições no All-Star, prêmios All-NBA e prêmio DPOY, Draymond Green é conhecido por ser um dos melhores trash talkers da liga. Uma das principais funções de Green no time, ele está lá para dar a vida para o seu time, todos os outros são inimigos e não merecem sua compaixão.
Os que veem isso como uma forma pirada de expressão de amor ao seu time e ao jogo, o admiram; as vítimas das muitas vezes que ele cruza as linhas éticas. Não que insultos sejam justificáveis, Green fará o que for preciso para vencer.
A história de Green é uma confusão bem documentada. Seja custando um título aos Warriors ao socar LeBron James na virilha nas finais da NBA de 2016, brigando abertamente com Kevin Durant no banco do Clippers em 2018, socando o companheiro de equipe Jordan Poole durante um treinamento na pré-temporada, ou qualquer uma de suas inúmeras faltas flagrantes ou suspensões por falta técnica, agora está bem claro que Green nem sempre consegue se controlar.
Não há dúvidas de que o Warriors é o time mais versátil da NBA na atualidade, mas se tem um jogador que todos concordam que é difícil de substituir é Draymond. Ele é o coringa que é enfiado em qualquer quinteto do Warriors para fazê-lo funcionar: dá a defesa ao time baixo, a velocidade ao time alto, a movimentação de bola.
O Warriors fez um ótimo trabalho nos últimos anos ao transformar jogadores secundários, que o resto da NBA não queria, em boas peças complementares. Elas sozinhas não eram grande coisa, mas ao lado de Draymmond viraram pontos de destaque.
Jordan Poole foi uma delas, que chegou na liga como um arremessador de meia distância pouco eficiente e ao longo dos anos se tornou essa ameaça constante de bolas de longe que gera espaços para seu armador e para tiros de três pontos. Por mais coadjuvante que ele seja, é um talento específico que não vai ser fácil de ser substituído.
A história de Green nessa temporada pode mostrar o poder da adaptação, de como ela pode salvar carreiras desde que o jogador esteja disposto a receber instruções claras do seu time e que ele esteja disposto a mudar algo que fez durante a vida inteira.
É preciso uma humildade gigante, algo que é mais fácil de prometer do que de executar. Pensa bem, o cara joga de um mesmo jeito desde a adolescência, esse estilo deu a ele destaque, vaga em grandes universidades, boa posição no Draft da NBA e grandes salários e glórias dentro da maior liga do planeta.
Aí de uma hora para outra chega alguém e fala: “Então, isso aí já era. Faz outra coisa”. E o medo de mudar e ser ruim nessa coisa nova? Há o receio até de perder a própria identidade no basquete, o que não é pouca coisa se pensarmos quantas horas cada atletas se dedicou para ganhar seu estilo de jogo. Cansamos de ver carreiras boas afundarem porque a NBA de repente não queria mais aquele conjunto específico de talentos no seu vestiário
A temporada da NBA está se aproximando do começo deixando uma mensagem muito interessante sobre gestão: quando tudo dá errado, os times mais bem estruturados, mesmo nos menores mercados e abandonados pelas suas estrelas, se saem melhor do que os times que improvisam para formar os planteis mais talentosos.
Às vezes o basquete não é inteiramente sobre talento, mas sobre a confusão perfeita. Para ser campeão é necessário ter um vestiário controlado. Já vimos casos de vários supertimes não serem campeões por conta de vaidades entre os jogadores.