Seu Ivan e a Taça Almir Albuquerque
Há 50 anos, Norte e Nordeste eram vermelho e branco
Antes de voltar a 1973 para contar a primeira façanha regional do América de Natal, vou me prender um pouco num encontro com o personagem inspirador para contar a história. Vou falar de seu Ivan. Carioca, cheio de marra e boa pinta, era mais uma figura no convívio no Palácio dos Esportes, Ginásio antigo de Natal, que hoje efervesce em saudosismo dos tempos áureos do desporto potiguar.
Trabalhando no Palácio, tive o prazer de vivenciar muitas histórias e conversas do futebol brasileiro e potiguar, mas falar com o Seu Ivan era diferente. Ele com seus 70 e poucos, e eu com meus 20 anos, nos entendemos com um simples: “Opa”, e assim a nossa vida seguia, cada um pro seu lado.
Até que um dia fomos realmente apresentados, acontece que o seu Ivan era jogador de futebol, desses que marcam a história mesmo. Acabei descobrindo que ele era o Ivan Silva, maior lateral da história do América.
Depois disso, nossas conversas evoluíram, e numa delas, descobri que o América conquistou o Nordeste, ou melhor, o Norte também, há 50 anos. E é dela que escrevo hoje, a única Taça Almir Albuquerque da história.
A competição:
O torneio recebeu o nome de Almir Albuquerque, recifense, que aos 19 anos foi jogar no Vasco e marcou época no clube como Almir Pernambuquinho. Já em fim de carreira, em 1973, vivia uma vida boêmia no Rio de Janeiro, e acabou assassinado em fevereiro daquele ano, após se envolver em um tiroteio enquanto defendia bailarinos do grupo Dzi Croquettes (censurados pela ditadura em 1974) num bar em Copacabana.
A pedido da Federação Pernambucana de Futebol, a nova competição do futebol brasileiro recebeu seu nome.
Concebida pela Revista Placar, e chancelada pela Confederação Brasileira de Desportos, o torneio englobava os 16 times do Norte e Nordeste participantes da Taça Brasil de 1973. Aproveitando os dois grupos do Campeonato Brasileiro, os times foram divididos em dois grupos, com os jogos valendo para as duas competições. Seria campeão da Taça Almir Albuquerque quem somasse mais pontos nos confrontos Norte-Nordeste naquele período.
Participaram da Competição além do América de Natal, o Rio Negro-PA, Bahia, Nacional-AM, Sporte-PE, Vitória-BA, Tiradentes-PI, Fortaleza-CE, Santa Cruz-PE, Remo-PA, Ceará-CE, CRB-AL, Sergipe-SE, Moto Clube-MA, Nautico-Pe e Paysandu-PA.
América imbatível:
O América chegava na competição para provar o seu valor, pois havia herdado a vaga do ABC, que não pôde participar por escalar jogadores irregulares no Brasileirão do ano anterior, possibilitando assim o alvirrubro assumir o posto de Potiguar na Taça Brasil.
Na época, a competição a cada ano tinha um aumento exponencial no número de clubes, devido a pressão política exercida na época. A pressão era grande também para ganhar um título na nova casa do futebol potiguar.
O Castelão, inaugurado em 1972, já tinha visto o ABC campeão, mas o vermelho da Rodrigues Alves ainda não tinha levantado nenhum caneco no "Poema de Concreto".
Foi justamente na força do estádio que o time americano se destacou para conseguir o título, com a maioria dos Jogos em seus domínios, o América era uma pedra no sapato de quem jogava em Natal.
Além do apoio do torcedor que ia ao Castelão, é muito importante destacar a importância do elenco do time potiguar na competição.
Começando logo pelo técnico, a diretoria rubra escolheu Sebastião Leônidas, ídolo do Botafogo, para ser o treinador. Um ano antes, o ex-Zagueiro comandou o time carioca ao vice-campeonato brasileiro, e chegou a Natal para iniciar uma década vencedora com o América.
Junto do treinador, veio do glorioso, o zagueiro Scala, de muito força física e capacidade técnica, fez história por Internacional e Botafogo. Chegou ao América em fim de carreira, mas ainda com muito a colaborar.
Além dele, a defesa do dragão tinha o jovem Ivan Silva, de 23 anos, e o zagueiro Mário Braga, ambos ídolos do alvirrubro.
Já no ataque quem comandava era Hélcio Jacaré, que fez época junto de Santa Cruz no ataque americano, combinando 99 gols juntos com a camisa do América.
Combinando a imponência da casa nova e força do elenco, o América desbancou os favoritos na Taça Almir de Albuquerque.
Jogando seis, dos sete jogos em casa, o alvirrubro terminou invicto na competição. Na estreia, no dia 28 de agosto, no Castelão, o Alvirrubro empatou sem gols com o Rio Negro, do Pará.
Mas depois disso engatou boa sequência em casa, venceu Sergipe e Ceará por 2a 0, e empatou em 2 a 2 com o Santa Cruz. Na única partida fora, venceu o Remo por 2 a 1, e na volta ao Castelão empatou por 1 a 1 com o Vitória. Contra o Náutico, no dia 27 de outubro, o América contou com um Estádio lotado para vencer por 2 a 0, e colocar a mão na taça.
O alvirrubro só foi confirmado campeão no dia 7 de novembro, quando o Rio Negro foi derrotado pelo Remo, ficando assim na segunda colocação.
Festa rubra, primeiro título regional e reconhecimento nacional pelo feito.
Iniciou-se ali cinco anos de muitas conquistas alvirrubras, depois da Taça Almir Albuquerque de 1973, o América voltou a vencer o estadual em 1974 e 1975, depois de hiato em 1976, voltou a ser campeão potiguar em 1977.
Além disso, quase conquistou seu segundo título regional em 1975, mas perdeu para o Vitória na final do Torneio José Américo de Almeida Filho, em João Pessoa.
No entanto, nenhum desses Campeonatos são reconhecidos pela CBF como Copa do Nordeste, sendo assim, o América permanece só com o título de 1998 válido como regional.
Mas isso não tira o tamanho e o impacto que foi a conquista da Taça Almir Albuquerque para a história americana, e na reconstrução de uma década vitoriosa para o time da Rodrigues Alves.
Ainda como forma de reconhecimento, após ser Campeão da Série D em 2022, o América mudou a identidade visual do seu escudo colocando e nomeando estrelas em homenagem aos títulos mais importantes de sua história. E é claro, tem um lugar especial para o título do Norte-Nordeste, com um espaço para a estrela do Título da Taça Almir Albuquerque de 1973.
Dura realidade:
Para ser sincero com você, caro leitor, apesar dos acontecimentos que contei acima serem cativantes, eles nunca passaram da minha imaginação.
Sim, o América ganhou o Norte-Nordeste, e eu realmente trabalhei com "seu Ivan", mas não tive todo esse papo.
A verdade é que seu Ivan parou de frequentar o ambiente do Palácio dos Esportes. É bem provável que tenha se aposentado. E eu nunca pude de fato sentar para ouvi-lo falar do seu grande tempo.
Erro meu, eu sei. Poderia ter aproveitado bem mais. A realidade dói.
O simples fato de estar ao seu lado, ouvir falar de suas glórias, me fez buscar e conhecer mais sobre o América e o futebol como todo.
Obrigado, seu Ivan!