Sonhando alto lá de baixo

Há duas décadas o Planeta não sabe o que é uma Copa do Mundo sem a participação da Seleção Australiana

Adsson Santos
Universidade do Esporte
5 min readOct 17, 2022

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Mohammed Dabbous

Em 2001, a imagem das lágrimas de Tony Vidmar ao deixar o campo após uma derrota por 3 a 0 para o Uruguai em um playoff intercontinental ameaçou se tornar uma das imagens definidoras do futebol australiano.

No Brasil existe uma expressão “O país do futuro” para indicar o potencial brasileiro de se tornar uma grande potência. Por anos no futebol essa expressão tem sido equivalente para Austrália, um gigante apenas na imaginação de sua própria promessa.

É uma maravilha que a Austrália tenha conseguido garantir a classificação para a Copa do Mundo pelo quinto torneio consecutivo porque por anos após o marco de 1974 quando a equipe se classificou para o seu primeiro Mundial, parecia que não haveria fôlego para figurar entre as principais seleções do mundo.

Embora tenha demorado mais 32 anos para a bandeira australiana ser hasteada pela segunda vez na história, eles voltaram transformados como uma nação do futebol, com uma formação forte e repleta de estrelas.

A Copa da Alemanha, em 2006, continua sendo amplamente vista como o ponto alto da história da equipe, com um elenco que contou com nomes como Harry Kewell, Mark Viduka e Tim Cahill avançando para as oitavas de final e perdendo para a futura campeã Itália apenas graças a um pênalti controverso.

Agora, com os australianos indo para a quinta disputa consecutiva, você pode imaginar que o time australiano já sabe os caminhos para a glória.

Não há muita esperança ou entusiasmo investidos na equipe que vai para o Catar. A maioria dos torcedores da Austrália não esperava estar classificado no início deste ano, e muitos nessa fase estavam até pedindo que o técnico da equipe fosse demitido do seu cargo.

Como jogador, o técnico da Austrália foi submetido a três derrotas pesadas.

“Tive o privilégio, se é que se pode chamar assim, de perder todas as vezes”, disse ele ao site da FIFA. “A Escócia nos venceu logo depois que eu fiz minha estreia em 1985. Então eu estava no time quando perdemos para a Argentina de Maradona em 1993 e novamente quando perdemos para o Irã quatro anos depois. “Era apenas 1 a 0 contra a Argentina, e então vencemos o Irã por 2 a 0 nos últimos 15 minutos e acabamos empatando em 2 a 2 e perdendo nos gols fora de casa. Então, sim, houve alguma dor e mágoa. Essas memórias sempre ficarão com os jogadores envolvidos”.

Graham Arnold durante a partida Austrália x Irã, nas eliminatórias Copa do Mundo, 29 de novembro de 1997.

Mas Arnold, em suas próprias palavras, “viu o outro lado” do que essas eliminatórias podem trazer. Ele estava lá, afinal, em 16 de novembro em seu então papel de assistente de Guus Hiddink — quando os “Socceroos” conseguiram passar da fase crítica da qualificação. A famosa vitória nos pênaltis sobre o Uruguai levou a Austrália à sua primeira Copa do Mundo em 32 anos, e eles não perderam nenhuma desde então.

Já em relação à última eliminatória, Arnold refletiu depois que “ninguém na Austrália nos deu uma chance” e descreveu a qualificação de seu time no final de uma campanha atingida pelo COVID, na qual eles tiveram que jogar 14 de suas 18 partidas classificatórias no exterior — como “uma das maiores conquistas de todos os tempos”.

Seria errado, não acreditar que a garra mostrada nessa eliminatória provocou uma onda de autoconfiança entre os jogadores, a chance para criarem memórias muito diferentes das do seu técnico.

Existe uma mistura muito boa, em que todos sabem o seu papel e todos na equipe querem fazer sua parte e trazer algo para o time. Isso os torna muito competitivos. Os jogadores mais jovens estão ansiosos para jogar, têm grandes ambições e estão dispostos a aprender com a experiência que os jogadores mais experientes que já os jogaram e podem aconselhá-los. Eles estão dispostos a fazer tudo e isso torna as coisas muito mais fáceis para o gerente e para a equipe como um todo.

Com uma equipe que carece das estrelas de anos passados ​​e um histórico de não vencer nenhuma das seis partidas nas duas últimas Copas do Mundo, talvez não seja surpresa que o técnico da Austrália tenha optado por um estilo mais funcional.

Os jogadores de Arnold não formam uma equipe que busca monopolizar a posse de bola e é altamente improvável que liderem o Qatar 2022 em gols e criação de chances. Apesar das sugestões iniciais de seu treinador de que ele gostaria de basear sua equipe australiana no Liverpool de Jurgen Klopp, eles tendem a pressionar agressivamente no meio-campo adversário.

Forma, solidez e foco na exploração de situações de bola parada tendem a ser os pilares sobre os quais esta equipe de “Socceroos” está construída, e mais do mesmo pode ser esperado no Catar. Arnold, no entanto, sempre tentou incluir jogadores como Ajdin Hrustic e Tom Rogic — jogadores com capacidade para produzir o espetacular — e o recrutamento de Martin Boyle, nascido na Escócia, deu à equipe um ritmo muito necessário no contra-ataque.

O treinador da Austrália também provou estar disposto a experimentar, tendo testado várias formações este ano e pronto para apostar. O último exemplo disso foi sua decisão de substituir o capitão e goleiro titular Mat Ryan por Andrew Redmayne para a disputa de pênaltis contra o Peru, em que o movimento arriscado acabou vencendo.

Sempre existem grandes sonhos em volta da Copa, o propósito de colocar em campo uma seleção nacional é escrever o nome do país na história. Perder um torneio nunca pode ser uma coisa boa, e nunca há uma garantia de quando o próximo virá.

A Austrália está no Grupo D, juntamente com França, Dinamarca e Tunísa. Dois desses três nomes fará com alguns australianos relembrem traumas da última Copa. Austrália tem, portanto, uma chance de vingança no que promete ser confrontos tensos, principalmente porque eles se enfrentam no terceiro e último jogo do grupo a Dinamarca, quando pode haver muito em jogo.

Austrália é o pacote surpresa em um grupo muito forte. Embora suas performances a caminho da Copa do Mundo tenham sido de altos e baixos, para dizer o mínimo, o elenco tem uma mistura interessante de jogadores experientes e talentosos capazes de vencer partidas neste torneio. Caberá ao treinador encontrar a combinação certa e dar à equipe a autoconfiança necessária para agitar as coisas no Catar.

Dizem que as coisas boas acontecem para quem espera, especialmente devido à natureza imprevisível do esporte, para os melhores jogadores da Oceania, preparar-se para a Copa do Mundo da FIFA deste ano tem sido o derradeiro exercício de paciência.

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