Parte frontal (anverso) de uma das medalhas do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, concedida em 1950 a pesquisadores da Clínica Mayo em Rochester, Minnesota. Créditos da imagem: ERIK LINDBERG (Designer); JONATHUNDER/WIKIMEDIA COMMONS (Fotógrafo)

Este prêmio foi a maior injustiça da história do Prêmio Nobel

Muitos possíveis ganhadores foram desprezados pelo comitê do Nobel. Mas este é o pior.

Marcos Oliveira
3 min readOct 27, 2019

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Atenção! Esse é um texto traduzido, publicado originalmente na revista Forbes, e possui autoria do astrofísico Ethan Siegel. Confira a publicação original aqui.

Todo mês de outubro, a Fundação Nobel concede prêmios comemorando os maiores avanços em vários campos científicos.

Alfred Nobel, o inventor da dinamite e detentor de 355 patentes, fundadas em 1895, desejará desenvolver a fundação do Prêmio Nobel e as regras sob as quais ele deveria ser governado. Após sua morte em 1896, o Prêmio é concedido anualmente desde 1901, com as únicas exceções ocorrendo quando a Noruega foi ocupada durante a Segunda Guerra Mundial. As regras foram alteradas antes e podem muito bem ser alteradas novamente, mas atualmente impedem mais de três vencedores de qualquer prêmio em particular em qualquer ano. Créditos da imagem: NOBEL MEDIA AB 2016

Com um máximo de três vencedores por prêmio, muitos dos candidatos mais merecedores da história ficaram sem recompensa.

Lise Meitner, uma das cientistas cujo trabalho fundamental levou ao desenvolvimento da fissão nuclear, nunca recebeu o Prêmio Nobel por seu trabalho. Talvez uma grande injustiça, o cientista nazista Otto Hahn recebeu o Prêmio Nobel em 1944 apenas por sua descoberta da fissão nuclear, apesar do fato de Lise Meitner, uma cientista judia, ter feito a descoberta crítica sozinha. Uma vez colaboradora de Hahn, ela não só nunca ganhou um Nobel, mas foi forçada a deixar a Alemanha devido à sua herança judaica. Créditos da imagem: ARQUIVOS DA SOCIEDADE MAX PLANCK

No entanto, as maiores injustiças ocorreram quando as cientistas por trás das contribuições mais dignas foram desprezadas.

Professora de física Dr. Chien-Shiung Wu em um laboratório da Universidade de Columbia, em uma foto que remonta a 1958. A Dra. Wu se tornou a primeira mulher a ganhar o Prêmio da [Corporação de Pesquisa para o Avanço da Ciência] depois de fornecer a primeira prova experimental, juntamente com cientistas do [Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia], que o princípio da conservação de paridade não se sustenta em interações subatômicas fracas. Wu ganhou muitos prêmios, mas foi desprezada pelo prêmio de maior prestígio da ciência, talvez pela maior injustiça da história do Prêmio Nobel. Créditos da imagem: GETTY

Os desenvolvimentos teóricos mantêm imensa importância científica, mas apenas medidas observáveis ​podem confirmar, validar ou refutar uma teoria.

Partículas instáveis, como a grande partícula vermelha ilustrada acima, decairão por meio das interações fortes, eletromagnéticas ou fracas, produzindo partículas “filhas” quando o fizerem. Se o processo que ocorre em nosso universo ocorrer em uma taxa diferente ou com propriedades diferentes, se você observar o processo de decaimento da imagem no espelho, isso viola a paridade ou a simetria-P. Se o processo espelhado for o mesmo em todos os aspectos, a simetria P é conservada. Créditos da imagem: CERN

Na década de 1950, os físicos estavam investigando as propriedades fundamentais das partículas que compunham nosso Universo.

Existem muitas letras do alfabeto que exibem simetrias específicas. Observe que as letras maiúsculas mostradas aqui têm uma e apenas uma linha de simetria; letras como “I” ou “O” têm mais de uma. Verificou-se que essa simetria do ‘espelho’, conhecida como Paridade (ou simetria P), é válida para todas as interações fortes, eletromagnéticas e gravitacionais, sempre que testadas. No entanto, as interações fracas ofereciam a possibilidade de violação da paridade. A descoberta e confirmação disso valeram o Prêmio Nobel de Física de 1957. Créditos da imagem: MATH-ONLY-MATH.COM

Muitos esperavam que as três simetrias:

  • Simetria C (troca de partículas por antipartículas),
  • Simetria P (reflete seu sistema como espelho) e
  • Simetria T (reversão do tempo no sistema)

sempre seriam conservadas.

A natureza não é simétrica entre partículas/antipartículas ou entre imagens espelhadas de partículas, ou ambas, combinadas. Antes da detecção de neutrinos, que claramente violam as simetrias espelhadas, as partículas em decomposição fraca ofereciam o único caminho potencial para identificar violações da simetria P. Créditos da imagem: Marcos Oliveira, adaptado de E. SIEGEL/BEYOND THE GALAXY

Mas dois teóricos — Tsung-Dao Lee e Chen Ning Yang — suspeitavam que a simetria do espelho pudesse ser violada pelas interações fracas.

Ilustração esquemática do decaimento beta nuclear em um núcleo atômico maciço. O decaimento beta é um decaimento que ocorre por meio das interações fracas, convertendo um nêutron em próton, elétron e antineutrino de elétron. Um núcleo atômico possui um momento angular intrínseco (ou spin), o que significa que possui um eixo de rotação no qual você pode apontar o polegar e, em seguida, os dedos da mão esquerda ou direita descrevem a direção do momento angular da partícula. Se uma das partículas da “filha” do decaimento, como o elétron, exibir uma preferência pelo decaimento com ou contra o eixo de rotação, a simetria da paridade seria violada. Se não houver preferência, a Paridade será conservada. Créditos da imagem: WIKIMEDIA COMMONS USUÁRIO INDUCTIVELOAD

Em 1956, a cientista Chien-Shiung Wu colocou essa idEia em teste experimental.

Chien-Shiung Wu, à esquerda, teve uma carreira notável e distinta como física experimental, realizando muitas descobertas importantes que confirmaram (ou refutaram) uma variedade de previsões teóricas importantes. No entanto, ela nunca recebeu o Prêmio Nobel, mesmo quando outros que fizeram menos do trabalho foram nomeados e escolhidos antes dela. Créditos da imagem: ACC. 90–105 — SERVIÇO DE CIÊNCIA, REGISTROS, 1920S-1970S, ARQUIVOS DA INSTITUIÇÃO SMITHSONIAN

Observando o decaimento radioativo (decaimento beta, uma interação fraca), ela mostrou que esse processo era intrinsecamente quiral [1].

Paridade, ou simetria de espelho [P], é uma das três simetrias fundamentais no Universo, juntamente com a simetria de inversão de tempo [T] e conjugação de carga [C]. Se as partículas girarem em uma direção e se deteriorarem ao longo de um eixo específico, lançá-las no espelho deve significar que elas podem girar na direção oposta e decair ao longo do mesmo eixo. Essa propriedade de “orientação” [2] ou “quiralidade” é extraordinariamente importante na compreensão dos processos da física de partículas. Observou-se que esse não é o caso dos [decaimentos de interação fraca], a primeira indicação de que as partículas podem ter uma “orientação” intrínseca, e isso foi descoberto por Madame Chien-Shiung Wu. Créitos da imagem: Marcos Oliveira, adaptado de E. SIEGEL/BEYOND THE GALAXY

Em 1957, Lee e Yang receberam o Nobel de Física; Wu foi totalmente omitido.

O Prêmio Nobel de Física de 1957 foi concedido aos dois teóricos, Lee e Yang, que previram que as interações fracas exibiriam violações de paridade. Eles foram a Wu, em 1956, e perguntaram se ela poderia projetar e realizar um experimento decisivo, o que ela fez, e, no entanto, foi deixada de fora do Prêmio Nobel por completo. Mesmo o comunicado de imprensa da Fundação Nobel não incluiu nem uma única menção a ela. Créditos da imagem: © NOBEL MEDIA AB 2019

Ainda hoje, apenas três físicas — Marie Curie (1903), Maria Goeppert-Mayer (1963) e Donna Strickland (2018) — já ganharam Prêmio Nobel.

Donna Strickland, uma estudante de graduação em óptica e membro do Grupo de Pesquisa Picosecond, é mostrada alinhando uma fibra óptica. A fibra é usada para [alterar a frequência] [3] e esticar um pulso óptico que pode ser amplificado e compactado posteriormente para obter pulsos de potência de pico alto. Este trabalho, capturado na câmera em 1985, foi uma parte essencial do que lhe rendeu o Nobel de Física de 2018, tornando-a apenas a terceira mulher na história a ganhar o Prêmio Nobel de Física. Créditos da imagem: UNIVERSIDADE DE ROCHESTER; CARLOS & RHONDA STROUD

Notas do tradutor

  1. Um fenômeno quiral é àquele assimétrico, ou seja, que não é idêntico a sua imagem no espelho.
  2. Traduzi o termo como “orientação” por não saber exatamente a correspondência técnica. O original é “handedness” e o termo está, aparentemente, relacionado com quiralidade (ou “chirality”). Imagino que seja a orientação do spin de uma partícula.
  3. Aqui o Ethan usa o termo chirp e achei melhor fazer essa alteração para tentar melhorar a compreensão.

O objetivo das traduções é tornar acessível conteúdos e discussões que possam fomentar ainda mais nosso cenário científico, principalmente para quem está iniciando os estudos. Qualquer crítica ou sugestão é só entrar em contato. Espero que tenha gostado!

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Marcos Oliveira
Universo de Partículas

Agora faço divulgação científica em: www.universodeparticulas.com.br. Uso esse espaço para desabafos e reflexões