Autismo: a diferença é para ser vivida
Diagnóstico tardio, desinformação e preconceito são os maiores obstáculos para que pessoas com Transtorno do Espectro Autista conquistem uma vida independente e sem discriminação. Conheça as diferentes faces do autismo e os caminhos para equidade social através do depoimento de familiares, especialistas e dos próprios autistas.
Por Jonathan Rosa e Tatiane Kaczmarek
Foram 34 anos se sentindo deslocado e questionando em silêncio por que era tão diferente das outras pessoas da sua idade, por que parecia tão complexo sustentar certos diálogos. Até que em 2019 a esposa de Cristiano de Oliveira passou a desconfiar que o marido poderia ter algum Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Beatriz, que é terapeuta infantil e atua há dez anos auxiliando crianças e jovens autistas, sugeriu que ele buscasse auxílio profissional para tentar descobrir o motivo que o fazia sentir-se tão incomodado com os ruídos no mercado.
Foi assim que o pós-graduado em audiologia clínica, que passou uma vida inteira copiando o comportamento das pessoas para tentar se sentir encaixado, começou a cogitar a possibilidade de realmente ser autista.
Após uma saga de oito meses fazendo pesquisas e consultas com diversos especialistas da área, Cristiano enfim recebeu em 2020 o libertador diagnóstico de autismo. “Quando eu finalmente entendi as minhas características, eu consegui criar adaptações para viver melhor e pude aceitar a minha forma de ser”, desabafou.
Cristiano destacou ainda que a importância de ter o diagnóstico, mesmo que tardiamente, se dá pela sensação de liberdade. Sem essa reposta, afirma, os autistas vivem de forma confusa, sem identificar muito bem seus pensamentos, e isso traz sofrimento, baixa autoestima e é gatilho para muitos casos de depressão. “Parece que você está sempre agindo errado, enquanto o resto do mundo todo está sempre certo”, relata o marido de Beatriz.
Por vezes tachados como desobedientes ou mal-educados, os autistas costumam sofrer uma exclusão progressiva que deixa cada vez mais difícil o convívio em sociedade. Como resultado, muitas famílias tem medo de receber o diagnóstico em suas realidades, medo alimentado pela falta de informação e preconceito de uma sociedade com grande dificuldade de aceitar as diferenças. Seja na escola, no trabalho, nas ruas ou até mesmo dentro dos consultórios médicos, os autistas encaram situações constrangedoras, que podem acabar desencadeando novos problemas.
Geralmente o transtorno é diagnosticado ainda na infância e suas causas são epigenéticas, ou seja, ocorre por influências genéticas e ambientais. Segundo a neuropediatra Adriana Rigue, supervisora no programa de residência médica em neurologia infantil do Hospital Universitário de Santa Maria, toda população possui genes que possibilitam maiores ou menores chances de possuir alguma doença. “Sabemos que diversos genes estão envolvidos no desenvolvimento do espectro autista. Muitas situações, como exposições que acontecem durante o crescimento da criança ou mesmo na própria gestação, podem aumentar a chance dessa expressão”, explica.
Ainda segundo a especialista, existem muitas substâncias presentes na vida moderna que expõem as pessoas a situações facilitadoras da manifestação destes genes, que são algo comum ao corpo. O álcool durante a gestação é uma delas.
A neuropediatra ressalta ainda a importância da busca por informações confiáveis para que não se crie um clima de medo ou pânico caso ocorra um diagnóstico na família. “Alguns anos atrás atribuíram algumas vacinas como causadoras de autismo. Mas não tem nenhuma vacina comprovadamente associada ao espectro do transtorno autista”, afirma Rigue.
Medo do preconceito
Não foi nada fácil para Mariana Aguiar, de 29 anos, finalmente obter uma resposta concreta. A estudante de jornalismo já percebia que a filha tinha um comportamento diferente das outras crianças, mas ninguém sabia ao certo dizer o quê…
Foram meses indo de um lado para o outro em busca de especialistas para entender por que Luiza, de cinco meses, se irritava com facilidade e balançava a cabeça repetidas vezes sem motivo aparente. Com pouco mais de um ano, a menina ainda nem sequer engatinhava, enquanto outras crianças da sua idade já esboçavam os primeiros passos.
Um neuropsicólogo não quis investigar a desconfiança da mãe sobre o possível autismo de sua filha. Ao invés disso o médico sugeriu uma ressonância magnética com a necessidade de anestesia geral, o que não é recomendável para crianças com menos de dois anos, exceto em casos extremos.
Antes disso, uma médica pediatra havia tratado a possibilidade do transtorno com desdenho. Mas após muita dedicação de Mariana, e oito sessões de avaliação com uma psicopedagoga, Luiza foi diagnosticada autista, aos dois anos e três meses de idade.
Foi assim também com a consultora de vendas Fabiula da Silva Roque, 23 anos, que descobriu o autismo em sua filha Lavínia com um ano e meio. Fabiula percebeu que a filha não balbuciava nenhuma palavra, não olhava as pessoas nos olhos e não respondia quando a chamavam pelo nome. Sinais que fizeram a comerciante procurar ajuda médica. Depois de uma série de exames neurológicos foi confirmado o transtorno.
“Eu entrei em desespero na época porque achei que ia ser difícil para mim e para ela”, contou Fabiula. Hoje, com cinco anos de idade, Lavínia é considerada uma autista não verbal, pois ainda não fala, mas, segundo a mãe, é uma menina muito inteligente e ativa. “As crianças autistas são demais. A cada dia que passa, elas ensinam a gente cada vez mais”, relatou.
Tanto Mariana quanto Fabiula sentiram uma grande pressão ao receberem o diagnóstico de autismo de suas filhas, mas esse medo não é decorrente unicamente do fato de ter uma criança com o transtorno dentro de casa. Grande parte do receio das mães e familiares de autistas é com o modo como seus filhos serão tratados pelos outros. Por apresentarem alterações neurológicas, é comum algum grau de comprometimento na interação social e na comunicação. Além de estereotipias, que são os movimentos repetitivos (comumente mencionados como Stim entre a comunidade do autismo).
Mariana largou trabalho e o curso de Jornalismo para se dedicar completamente à filha, tendo voltado a rotina somente em 2021. Ela revela que, apesar de Luiza sempre poder contar com ela e com toda família, o que realmente à preocupa é como a sociedade irá receber sua menina. “As pessoas são cruéis, ainda existe muito preconceito em todos os lugares, então quando eu penso sobre isso eu realmente fico triste”.
Confira abaixo o importante depoimento da Neuropediatra Adriana Rigue explicando o momento correto da intervenção e a importância de uma abordagem sem rótulos.
Os vários tons do espectro
Muito embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) estime que 1% da população mundial esteja no espectro autista, o que deixaria o Brasil com cerca de 2 milhões de pessoas com TEA, é bastante provável que esse número seja bem maior. Isso porque, além dos estudos sobre a quantidade de autistas ainda serem muito inexpressivos, a quantidade de diagnósticos pode variar muito de um local para o outro.
Segundo o neuropediatra Cristiano Freire, com quase 20 anos de experiência lidando com autistas, cada diagnóstico é único, com comportamentos diferentes e intensidades que variam. “O autismo é singular, cada um é cada um, nunca tem um caso de autismo igual ao outro”, afirmou o médico.
Ainda de acordo com Freire, que escreve sobre o transtorno em em seu blog pessoal, assim como o próprio nome sugere, o transtorno do espectro autista é mesmo um espectro. Portanto os graus de intensidade transitam entre os casos ditos leves, com comprometimentos sutis na socialização, até os mais delicados, com ausência total de contato interpessoal e comprometimentos mentais e físicos mais significativos.
Algumas características como déficits na socialização, dificuldades na comunicação, comportamentos restritivos e repetitivos são percebidos nas crianças durante a etapa de desenvolvimento infantil. “O exemplo clássico é quando a criança usa um brinquedo com uma função equivocada, como ao invés de fazer o carrinho andar, vira ele de ponta cabeça e gira as rodas”, explica o neuropediatra Cristiano Freire.
As características do autismo, ressalta Freire, iniciam antes dos três anos de idade, portanto ninguém se torna autista na idade adulta. O que acontece é que as vezes os sinais iniciais são muito sutis, principalmente em autistas de grau leve, o que leva ao diagnóstico somente com a pessoa já adulta, ou no pior dos casos, nunca ocorre.
O neuropediatra disse ainda que geralmente um adolescente ou adulto com TEA leve é aquele considerado o estranho da turma, já que apesar de falar e interagir com os outros, pode ter grande dificuldade de interpretar figuras de linguem e talvez demostre não se importar muito com os outros.
“Alguns podem demostrar falta de flexibilidade social, e falarem literalmente tudo o que passa pela sua cabeça, sem se importar com as regras sociais”, destacou o médico. Geralmente um adulto com autismo irá buscar os serviços de saúde pela primeira vez por outros motivos, que podem surgir em decorrência das dificuldades de socialização do transtorno.
Segundo Cristiano de Oliveira, citado na abertura dessa reportagem, que também é diretor do documentário ‘Stimados Autistas’, que trata especificamente sobre diagnóstico tardio, cerca de 46% dos adultos que recebem o diagnóstico de TEA relatam primeiro sintomas de ansiedade ou depressão. Confira o filme abaixo.
De acordo com estudo publicado na Revista Lancet Psychiatry, envolvendo adultos com a então Síndrome de Asperger (que se tornou parte do espectro em 2013, no DSM-5, sendo considerada o lado mais leve do autismo), mostrou que 66% dos participantes confessaram pensar em suicídio e que 35% já tentaram cometer o ato em algum momento.
A média entre as pessoas com TEA que detinham comportamento suicida na época, estava entre 10% e 50%, segundo as pesquisadoras Magali Segers e Jennine Rawana, mas dados preliminares apontam que hoje esse número pode estar ainda maior.
Para Cristiano de Oliveira, essa estatística é tão elevada porque os autistas crescem sem saber quem realmente são. E já que não recebem o diagnóstico, sofrem muito passando por tudo sozinhos, sem ter o suporte adequado, sem encontrar seu lugar no mundo e tomando medicamentos equivocadamente.
Por outro lado, os autistas que já têm o diagnóstico, por mais que se compreendam um pouco melhor, não enxergam essa aceitação por parte da sociedade. “Não inclui os autistas, e eles se sentem estranhos como se não devessem existir, e podem acabar escolhendo esse caminho [suicídio]”, comenta o audiologista.
Na opinião do cineasta gaúcho Leandro Pandolf, que dirigiu o curta metragem animado “Boy in the woods”, disponível no You Tube, que retrata o processo de aceitação de um pai com o filho autista, o caminho para inclusão passa pela empatia e pelo carinho. “Nós estamos em um momento de intolerância em todos os aspectos, onde as pessoas têm grande dificuldade de aceitar o diferente”, diz o animador.
Já Cristiano de Oliveira acredita que a falta de conhecimento sobre o espectro é o maior motivo para as pessoas serem preconceituosas. “É uma ignorância cultural. Não é a ação de uma ou outra pessoa que vai mudar tudo, isso tem que vir da sociedade como um todo”, relata.
Melhoria ou exclusão?
No dia 30 de setembro de 2020, o decreto nº 10.502, que institui uma nova política de inclusão escolar para alunos com necessidades especiais foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro.
A intenção do documento é que estados e municípios garantam a educação especializada para alunos com deficiências, transtornos de desenvolvimento (incluindo autistas) e superdotação, com o suporte logístico e financeiro da União.
Mas o decreto está gerando discussões dentro da comunidade autista. Por mais que nenhuma ação efetiva tenha partido do que foi definido no projeto até o momento, entidades e pais estão receosos sobre os possíveis impactos de um projeto de tamanha grandeza. Gerando diferentes pontos de vista sobre o assunto, com opiniões contrárias e favoráveis.
Em grupos e páginas defensoras dos direitos dos autistas na internet, a linha de pensamento mais comum é de que o decreto representa um passo atrás de tudo que vem sendo conquistado até então.
Os perfis dão ênfase as partes do decreto que dizem respeito à criação de turmas e escolas especializadas. As pessoas e veículos de imprensa que se posicionaram contra essas medidas alegam que elas excluem o autista da socialização em sociedade, que é essencial para o desenvolvimento de pessoas no espectro.
Para Hugo Ênio Braz, cofundador da associação Luz Azul de Santa Cruz do Sul, moderador da rede Gaúcha Pró-Autismo e avô de um adolescente autista de 15 anos, esse assunto é mais complexo do que parece. Segundo ele, o decreto deveria ter sido desenvolvido com a participação dos principais interessados, pois salas e colégios exclusivos para autistas trarão mais desvantagens do que vantagens.
Ênio acredita que esse movimento pode gerar o risco de não investimento na qualificação das escolas regulares. Ele aponta que apesar de escassa, existe uma certa qualificação dos professores nos colégios para receber crianças autistas. “Mesmo ainda tendo muito o que melhorar, de certa forma funciona”, destaca.
Ainda na visão de Braz, no momento em que se cria a possibilidade de escolas especiais, os colégios regulares podem se sentir desobrigados a demandarem energia para os alunos autistas, usando como subterfúgio o fato de que eles podem ser encaminhados para uma escola especial.
E com isso se perderia todo trabalho de inclusão escolar e vivência social, que é benéfico tanto para incluir o autista, quanto para instruir as outras crianças sobre como lidar e respeitar as pessoas no espectro. “A gente tem que agir com inclusão, se a separação começar na escola, quando o autista for adulto ele pode vir a enfrentar sérios problemas de inclusão social”, alerta Braz.
Vale ressaltar que, na prática, a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, como é chamada, não institui nenhuma diretriz de obrigatoriedade da participação dos estados e municípios. Como o próprio texto diz no capítulo IX, artigo 13, “a adesão é voluntária”. Porém, os governantes que quiserem submeter projetos dentro das normas do decreto, podem contar com “apoio técnico e financeiro” da União para viabilizar a iniciativa.
O neuropediatra Cristiano Freire entende que o ideal é que cada caso seja avaliado individualmente, mas que na maioria das vezes os autistas têm sim condições de frequentar a escola regular. O médico concorda que colocar autistas junto com não autistas dentro de uma sala de aula serve de crescimento tanto para os autistas, quanto para os pais. Além de educar as crianças.
“Ter um colega autista na infância torna a aceitação do diferente muito mais tranquila na vida adulta, tanto para respeitar quanto para entender caso ocorra algum caso na sua família”, destaca Freire. Segundo o médico, quanto mais próximo do habitual crianças autistas puderem frequentar as atividades escolares melhor. Porém, destaca que para autistas extremamente severos, o assunto é mais complicado e deve ser avaliado conforme a situação.
O jornalista Francisco Paiva Jr., editor-chefe da Revista Autismo, publicação da qual é cofundador, também acredita que o melhor caminho a seguir deveria ser o meio termo. Para ele, toda e qualquer pessoa tem que ter o direito de ser incluída, mas nem sempre exercer o direito que se tem é algo positivo.
“Não se pode tirar o direito da pessoa com autismo de estar em uma inclusão escolar, mas também é necessário dar opções para os que preferem outro caminho”, defende Paiva Jr. Na visão do jornalista, que também é pai de um autista, nem sempre a pessoa com autismo estar no ensino regular é benéfico para ela, então o bom seria uma questão de escolha, optando de acordo com a demanda de cada família.
Para Ênio Braz, todo o processo para lidar com as diferenças e fazer com que elas sejam respeitas é muito difícil e trabalhosa, mas que precisa ser feito. Segundo ele os autistas são muito subestimados, e isso pode estar criando um outro problema. “Eu quando estudei nunca tive um colega com deficiência, e hoje nós temos, mesmo longe do ideal”, descreveu Hugo.
Cristiano de Oliveira, que descobriu o autismo depois de adulto, concorda com essa afirmação, e acredita que separar as pessoas com deficiência e colocá-los em escolas especiais não ajuda, mas simplesmente as excluiu porque elas estão trazendo um “problema”.
De acordo com ele, o correto seria aprender a conviver com as pessoas que tem deficiências, e a lidar com elas, independente de diagnóstico. “Todos devem ser respeitados, independentemente de ter ou não autismo. Precisamos apenas de respeito, então não dá para simplesmente isolar as pessoas em um canto”, afirma.
Para ele, as crianças crescem em um ambiente que trata os deficientes como se elas fossem monstros. “Quando eu era criança conheci uma pessoa com deficiência mental, e eu tinha medo dela, só por ela ser diferente. E ninguém me explicou que ela era uma pessoa como qualquer outra e que não ia me fazer mal algum”, conta o audiologista. Segundo ele, a partir do momento que as pessoas entendem como as coisas são, elas perdem o medo, e tirando os autistas de perto das outras crianças, pode enfraquecer esse processo.
Impacto da pandemia
A pandemia de Covid-19 alterou a vida de toda a sociedade, mas os autistas sentiram a mudança de maneira ainda mais brusca e dolorosa. As pessoas dentro do espectro necessitam da rotina para sentirem-se seguras e para que consigam se organizar.
Por isso o isolamento social trouxe para elas consequências negativas, principalmente para os que possuem diagnóstico grave. “Quebras de rotinas muitas vezes vão desorganizá-los, gerando um sofrimento. Nas crianças que ainda não tem a questão da maturidade muito bem desenvolvida pode levar a situações como agressividade”, destaca a neuropediatra Adriana Rigue.
Para a psicopedagoga Tânia Inácio, 50 anos, que trabalha na Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) em Guaíba (RS), a falta da rotina e do atendimento presencial tem deixado marcas profundas. “Infelizmente regrediram. Principalmente os casos mais graves de autismo. Estamos conversando lá na Apae, quando normalizar, teremos que começar do zero com eles”, diz a psicopedagoga.
Tânia e a equipe técnica auxiliam as famílias por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, enviando atividades e informativos para os pais com o objetivo de minimizar os efeitos do isolamento prolongado. “Eu tento me colocar no lugar da família, porque um autista grave não dorme, tem alguns que ficam correndo o tempo todo, não querem comer. Imagina o estresse em casa”, relata a psicopedagoga.
A balconista Melinda Barbosa, 31 anos, conta que não tem sido fácil lidar com o filho. “Ele voltou a ficar agressivo comigo e com a vó nesse último mês”, relata. Quanto às atividades propostas pela Apae para fazer em casa, Melinda tenta, mas às vezes Murilo que tem apenas oito anos não está de acordo.
Para Mailin Soares, 31 anos, a maior dificuldade é conciliar as tarefas escolares com as da casa. “Sem poder sair e mantendo ele em casa é difícil. Uma criança hiperativa, cheia de energia presa é bem complicado de lidar”, relata. Sobre a rotina com seu filho Lorenzo, de oito anos, Mailin relata que tenta manter, mas nem todos os dias são iguais.
O neuropediatra Cristiano Freire relatou que, durante o isolamento social, recebeu pacientes que melhoraram e outros que pioraram. Mas, na média, o saldo foi negativo, isso porque muitas terapias foram suprimidas em função da pandemia, o que em idade precoce pode fazer muita falta.
Paiva Jr., que tem boa parte de sua equipe na Revista Autismo formada por autistas, corrobora a visão de Freire. Segundo ele, algumas pessoas regrediram, mas outros até melhoraram. Algumas terapias que estão sendo feitas on-line surtiram um efeito muito melhor em alguns autista pelo fato de estar sendo em casa, e os psicólogos treinarem os pais, e isso foi fluindo melhor, relata o jornalista.
Diagnóstico social
No Brasil, existem legislações específicas voltadas para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Como a Lei Berenice Piana, de 2012 (12.764/2012), que garante acesso a diagnóstico e tratamento pelo SUS, educação, trabalho e serviços que proporcionem a igualdade de oportunidades. E o Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015 (13.146/2015), que aumenta a proteção aos autistas.
Mas como é possível verificar, na prática, ainda falta muita coisa a se fazer. “Ainda tem gente que acredita que o diagnóstico de autismo é algum tipo de condenação a uma vida sem oportunidades, e esse tipo de desinformação alimenta o preconceito”, relata Cristiano de Oliveira.
Especialmente em adultos, as consequências desse desconhecimento causam barreiras que atrapalham a transição para a maturidade e alcance da independência. Isso fica visível na dificuldade de inclusão no mercado de trabalho.
Uma pesquisa feita pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, mostra que 53% dos jovens autistas que fazem 18 anos ficam desempregados, contra 26% dos que não têm o transtorno. Para o jornalista especializado no tema Paiva Jr., “olhar para os potenciais destas pessoas é importante para elas sejam vistas como seres humanos”.
Cristiano de Oliveira reforça que após o diagnóstico, os tratamentos servem para tratar as comorbidades e ajudar naquilo que faz mal. E não para retirar as características, para que a pessoa deixe de ser autista ou parecer não ser autista.
Segundo ele, é uma questão de aceitação, já que alguém que está balançando o próprio corpo ou movendo as mãos repetidamente não faz mal para ninguém. “É como uma energia que flui do seu corpo e quer escapar pelas pontas dos dedos”, relata.
Dar o diagnóstico para uma família é ruim, é algo que os pais não gostam de ouvir, relata o neuropediatra Cristiano Freire. Que prossegue alertando a importância do diagnóstico precoce para poder ajudar os filhos o quanto antes. “Eu espero que, com mais informações, a nova geração de autistas tenha uma melhor evolução, bem mais satisfatória, e derrube muitos destes mitos”, esclarece o médico.
Contudo ainda existe a necessidade de preparar a sociedade. Afinal, de nada adianta só exigir que os familiares e pessoas como Cristiano se adaptem aos padrões sociais, se a qualquer momento eles ainda podem ser vítimas de bullying. A diferença é para ser vivida, com respeito!