Resistência trans

Belifel
Universus Jornalismo UniRitter
5 min readJun 11, 2021

Movimento LGBTQI+ luta por um país sem transfobia

Rainbow Flag — Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros mobilizam a sociedade nas ruas e nas redes sociais — Crédito: Benson Kua / Wikimedia Commons

Por Lucas Belifel

Um dos movimentos sociais que mais ganhou proeminência nos últimos anos foi o que reúne lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Por meio de muito trabalho, resistência e engajamento, garantiu direitos até então considerados tabus. A pauta LGBTQI+ ganhou força no Brasil a partir da união das frentes de sensibilização nas ruas e do ativismo digital nas redes sociais. Porém ainda há muito preconceito.

Nos últimos quatro anos, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) identificou um ciclo de exclusões e violências responsáveis pelo processo de precarização e vulnerabilidade de pessoas trans no Brasil, que começa na infância, no núcleo familiar e na escola, e se perpetua ao longo da vida.

“Esse ciclo leva as pessoas trans à marginalização e, consequentemente, à morte, seja por falta de acesso a direitos fundamentais, sociais e políticos, ou, ainda, pela omissão do Estado em garantir o bem-estar social dessa população”, alerta Natasha Ferreira, mulher trans, candidata à vereadora de Porto Alegre pelo PSOL nas eleições de 2020.

De acordo com dados da Antra, a estimativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos. Esta média, de acordo com a entidade, vai diminuindo conforme se interseccionam outros marcadores sociais, como raça e classe. “Ser negra, mulher trans ou travesti, periférica ou favelada, do interior, faz esta média cair muito”, alerta a entidade. Das travestis mortas em 2020, 78% eram negras.

Fonte: Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020 — Retirado da p.34 do Dossiê da Antra

“Incentivar e incluir a discussão sobre diversidade nas escolas pode proporcionar um cenário em que as pessoas LGBTQI+ não mais sejam expulsas do ambiente escolar e possam se fortalecer dentro do processo educacional e, consequentemente, consigam a entrada no mercado formal de trabalho”, reforça Natasha.

Natasha Ferreira — créditos: Rafael Serra

Apesar da triste realidade que ainda assombra a vida de muitas transexuais e travestis no Brasil, 30 pessoas trans foram eleitas no país na eleição de 2020, entre elas a vereadora Erika Hilton, de São Paulo, que acabou se tornando a mais votada do país. Pode parecer pouco, mas em um cenário onde a expectativa de vida de transexuais e travestis é de 35 anos, esse pode ser o primeiro passo para um Brasil sem transfobia.

Associação Nacional de Travestis e Transexuais: https://antrabrasil.org .

Ser gay não é doença

Há 30 anos, ser gay não é oficialmente uma doença. Foi só em 1990 que a organização Mundial da Saúde retirou a homessexualidade da lista de distúrbios psiquiátricos de sua Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID), espécie de bíblia utilizada como referência por médicos do mundo afora. Mas foi uma conquista pela metade.

A transexualidade só deixou de ser doença para a OMS em junho de 2018. Ainda hoje, segundo a Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA), ser LGBTQI+ é crime em cerca de 70 países — em alguns, a punição é a pena de morte.

Isso significa que, transexuais passam a ser reconhecidos como pessoas que podem necessitar de cuidados médicos, especialmente durante um processo de transição de gênero (que envolve cirurgias e terapia hormonal) e não mais como pessoas que precisam de tratamento psiquiátrico.

“É um avanço por que de alguma forma a OMS demonstra uma tomada de posição no enfrentamento da transfobia estrutural. Quando temos uma sociedade pautada nas distinções, nas hierarquizações das existências, vemos a medicina como mais uma fonte de alimentação da discriminação, da perpetuação de estigmas ao dizer que somos portadoras, entre aspas, de transtornos mentais, pessoas sem autonomia”, afirma Valéria Barcellos, mulher trans, artista e ativista.

Apesar de reconhecer que a alteração é um progresso importante para o desenvolvimento de políticas públicas, já que o CID determina as diretrizes universais para os atendimentos, Valéria avalia que a atenção direcionada à saúde das pessoas trans ainda está aquém da demanda devido uma tutela direta sobre essa população.

Valéria Barcellos — créditos: Rodrigo Bragaglia

O papel da psicologia no trabalho com a população LGBTQI+

A população LGBTQI+, em todos os seus segmentos, está exposta em diversos locais no mundo. E o Brasil tem sido considerado um dos lugares mais perigosos para ser LGBTQI+. Uma vida de medo, abandono, vulnerabilidade e agressão pode gerar cicatrizes psicológicas profundas.

Diante desse cenário, o papel de profissionais da psicologia é proporcionar acolhimento de qualidade para a população LGBT, tendo um entendimento adequado acerca da forma como a experiência de exposição à violência, preconceito e rejeição pode impactar a saúde mental e trazer uma série de prejuízos.

‘’A psicologia vem produzindo teorias e ferramentas que podem ajudar a melhorar a qualidade de vida da população LGBT e construir uma sociedade com mais respeito e empatia, contrapondo um histórico de patologização e produção de estigma que infelizmente foram estimulados por determinadas correntes da psicologia. A população LGBT pode ser ajudada por psicólogas e psicólogos a se reestruturar cognitiva, comportamental e emocionalmente; ter outras visões de si, do mundo e do futuro; desenvolver estratégias assertivas de enfrentamento às adversidades; e construir uma vida que valha a pena ser vivida,’’ afirma Jiennifer Cereja, psicóloga clínica

Jiennifer Cereja — créditos: arquivo pessoal

É preciso enxergar e entender a diversidade como uma boa qualidade, algo que traz aprendizado, dinamismo, progresso e novas reflexões. Assim como a cor da pele de alguém não reflete suas características pessoais e morais, a orientação sexual e de gênero também não é motivo para preconceito. Também necessário reconhecer as qualidades de uma pessoa por suas ações, sua ética de trabalho, suas atitudes como amigo, irmão, filho, etc. Nesse sentido, o movimento LGBT veio reforçar a necessidade de valorizar a personalidade e as atitudes de uma pessoa, não seu exterior. Justamente por essas razões, esse é um movimento que celebra a diversidade, seja sexual, de gênero, racial e até mesmo etária.

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