Discordaram de você? Isso e ótimo!
Não é raro checar a timeline e notar posts aquecidos por temáticas que explodiram durante a semana. A esses posts se juntam uma porção de comentários e impressões. Uns contra, outros a favor, e novos fatos vão sendo adicionados naquela salada discursiva. É o debate acontecendo.
São discussões eclodindo e se desenvolvendo diante dos nossos olhos. Quer participemos ou não, esses pequenos palcos de debates acontecem livremente e na internet ganham estímulo e espaço cativo. Podemos nos filiar a uma série de questões e expandirmos nossos pensamentos pela exposição a diversos argumentos que sequer poderíamos imaginar. Estamos diante de uma cultura de debate.
Nada mais natural. Discutir, opinar, conversar e papear são funções cotidianas. Um simples bate-papo com um colega durante o intervalo no expediente, uma conversa com um amigo que você encontra na rua, um chat em algum serviço de troca de mensagens. Um velho e bom telefonema. Um email que seja. Nada mais corriqueiro do que expor pensamentos, ouvir outros, ponderar, argumentar. Soa belo e assim o é. Afinal, debater serve para aproximar, mesmo que os contextos de opinião sejam divergentes, já que essa divergência existe para integrar e não segregar. Certo? Em tese.
[caption id=”attachment_1099849" align=”aligncenter” width=”640"]
Tá pouco o debate. Manda mais.[/caption]
Sim, em tese. Se tem uma coisa que a internet promoveu esticando suas raízes sobre a cultura e o cotidiano foi o debate. O diálogo, a voz e a palavra ganham cada vez mais espaço e importância. O espaço digital deu voz e vez a muitos, democratizando a palavra, antes restrita aos veículos de massa e aos formadores de opinião. A ágora grega como espaço de partilha de conhecimentos e embrião de sistemas políticos e cívicos é agora eletrônica, digital. Acessamos a internet e um painel de informações factíveis ou não desfila sobre o nosso olhar e podemos então interagir.
O diálogo, a voz e a palavra ganharam cada vez mais espaço e importância. A palavra foi democratizada.
No entanto, por mais cativante que seja perceber esse fenômeno, na prática a coisa tem se mostrado um pouco diferente. Opinar se tornou um ofício de provar um argumento com vitória. Isto é, discutir algum tema tornou-se uma prática onde alguém tem que sair vencedor. E como ninguém quer ou gosta de ser derrotado, o debate se torna um ringue. Prevalece o fair play? Nem de perto. Lidar com opiniões divergentes é um aparato de guerra e o resultado é um embate de gladiadores na timeline ou perto da gente mesmo.
Temos então discussões acirradas, falas inflamadas, discussões até as últimas consequências e por que? Porque não fomos treinados para debater. Não fomos ensinados que a divergência é fundamental para uma boa discussão e que contrapontos enriquecem as nossas próprias perspectivas sobre as coisas que pensamos. Preferimos o combate a dar o braço a torcer no argumento do outro. Tornamos o discurso uma forma de espetar o outro que diverge, para ferir seu ponto de vista e para sairmos vitoriosos tendo por espólio a manutenção da própria visão de mundo. E o resultado? Polarização a granel. Todos gritamos, ninguém se escuta e a cisão está feita.
Qual a medida? O caso do papel higiênico, então, vem a calhar. Leve seu pensamento até o banheiro e reflita: qual é a forma correta de colocar o papel higiênico? Para cima ou para baixo?
[caption id=”attachment_1099850" align=”aligncenter” width=”640"]
De que lado você está?[/caption]
Segundo uma pesquisa nos EUA, cerca de 60% das pessoas afirmam categoricamente que para cima é a orientação adequada do papel higiênico no banheiro. Isso porque assim é mais fácil achar a ponta para puxar, facilita o rasgo rente ao picote e não te força à não prazerosa experiência de ficar encostando a mão na parede. É, mas 40% juram que o mais apropriado é o contrário, para baixo. Assim, evita-se que as crianças e os pets puxem a ponta e armem aquela algazarra típica, além de que a posição facilita o corte do papel sem rasgões e trabalho extra. Agora vem a sentença: qual é a posição correta? Quem está certo? Melhor, quem está errado?
Ninguém, na verdade. Nem certos, nem errados. Você tem a liberdade de escolher como posiciona o papel higiênico no seu banheiro, baseado em sua própria percepção e organização pessoal, escolhendo uma orientação que você ache e escolheu como pertinente. Percebe como essa decisão é pessoal? Observe como ela faz parte das concepções de cada um e como está baseada em impressões, hábitos e formas de se enxergar a realidade muito particulares. Todo posicionamento é motivado por uma série de backgrounds maiores, de tramas mais profundas e questões mais amplas sobre si mesmo, a vida, os outros.
Os pontos de vista de cada envolvem diversos aspectos e são influenciados por vários fatores que tocam desde a maneira como cada um vê o mundo e enxerga a realidade até questões sobre o quão diferente somos e nos ajustamos a cada situação.
A filosofia do papel higiênico é extremamente útil para nos fazer questionar sobre como nos comportamentos numa discussão e até sobre como temos encarado o dia a dia e outro diferente de mim. Se olharmos melhor, cada opinião encabeça uma série de premissas que cada um constrói com um olhar único, portanto, muito rico e que merece ser valorizado. Ao invés de nos degladiarmos e nos portarmos como rivais, o debate deveria ser um ponto de encontro. Um ponto, um contraponto, uma ponderação, várias descobertas, explodindo a cabeça de ambos ao enxergar pormenores de que não se tinha parado para pensar. Debate, afinal, é uma experiência e tanto.
Isso faz pensar em como nós vivemos situações de discussão cotidianas, se compramos brigas ou se efetuamos um diálogo e socializamos aquilo que pensamos, sendo nós mesmo e deixando o outro ser quem ele é, sem dominação nem resistência, mas encontro tão somente. Já reparou como tomamos partido de tudo e agimos no calor de nossos próprios interesses, vendo só o que supostamente nos diz respeito? Sim, nossos diálogos têm sido extremamente egocêntricos. Na conta final somos excelentes em discutir, péssimos para argumentar e para mudar de ideia então? Acabou-se o mundo.
[caption id=”attachment_1099851" align=”aligncenter” width=”640"]
O papel higiênico ensina.[/caption]
Esses tempos em que a internet revoluciona a comunicação e nos dá instrumentos para construir a realidade de um jeito novo deve nos fazer refletir sobre isso. Sendo pessoas reais, gente de carne e osso, suscetíveis ao erro, nós possuímos opiniões e o mais importante, nós podemos mudar de opinião. Por que não? Eu, você, o baile todo temos receios, dilemas, somos imperfeitos, temos defeitos (really?!), erramos (às vezes erramos rude) e assim, podemos mudar de opinião.
O que deve embalar uma cultura do debate que nos é fomentada é esse arranjo de conviviliade, de que a exposição de pontos de vista diferentes constrói e de que uma boa conversa faz todo o sentido (até para lidar com conflitos, veja só). E abandonar pensamentos e começar a enxergar o mundo de outra forma é prontamente natural e saudável. Não nos fundamenta uma cultura do debate que considera proeminente que resiste com um ponto de vista até o fim, mas quem articula, constrói e amplia sua visão junto aos outros, que por vezes entendem de modo diverso tantas coisas.
[caption id=”attachment_1099852" align=”aligncenter” width=”640"]
Pessoas reais debatem, pessoas reais mudam de ideia.[/caption]
Somos convidados a não mais erguer as sobrancelhas quando alguém diverge de nossa opinião, somos chamados a apresentar argumentos e construir oportunidades de diálogo ao invés de abrir espaço para a pancadaria verbal. Olha, e não é nem um escândalo dizer que isso vale para todos os temas, inclusive futebol, política e religião, tão temerários nas rodas de conversa. Vivemos um momento em que a palavra está democratizada, a voz ecoa mais e o conhecimento atinge fronteiras inimagináveis. Ficou fácil saber, descobrir, entender. Ficou fácil também se comunicar. Mas ao invés de criarmos facções de opiniões e nos armarmos de indiretas ácidas, é chegado o momento de fazer pontes. Vamos cortar essa de fazer de debates seções de barraco.
Discordar faz parte da vida. Mudar de ideia também.
Discordar faz parte da vida. É saudável e, veja só, dá mais sentido a ela. Da próxima vez que alguém discordar de você, pense “que ótimo!” Essa experiência pode mudar o seu dia e, quem sabe, sua vida.