Wagner Brenner
updateordie
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3 min readJul 25, 2024

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Precisamos do Tédio Todo mundo sente tédio. Sentir tédio é normal. Gostar dele, não. Pessoas, em geral, não gostam do tédio. Mentes criativas detestam. É por isso que boa parte do fosfato gasto nos últimos anos pelos mais brilhantes empreendedores, artistas, cineastas e criativos em geral foi empregada tentando acabar com o tédio. Inútil. O tédio é um paradoxo. Quanto mais tentamos acabar com o tédio, mais entediante fica a vida. Veja você as novas gerações. Os caras têm um arsenal para destruir o tédio nunca antes visto na história deste planeta. E nem por isso é uma geração menos entediada. Muito pelo contrário. Deveríamos aceitar o tédio. Respeitar o tédio. Reverenciá-lo, de certa forma. Ele é a figura oculta por trás de muita coisa boa. Precisamos sentir tédio, nem que seja de vez em quando. Se a necessidade é a mãe da invenção, o tédio é o pai da necessidade. Você lê a biografia do Winston Churchill e pensa que ele fez tudo o que fez porque queria ser eternizado como o maior estadista de todos, um grande líder em uma época de guerra, etc. Nada disso. Ele era um sujeito entediado. E o que ele queria com tudo o que realizou era acabar com o tédio. O resto foi efeito colateral. Tanto que suas últimas palavras, antes de entrar em coma, foram: “Estou entediado com tudo isso”. Voltando para os dias de hoje. O que mudou nos últimos 10 anos não foi o tédio em si. Foi a nossa intolerância ao tédio. Hoje em dia está na moda ser intolerante ao tédio e ao glúten. É chique. Rende posts com muitos likes no Facebook. A aula começou a ficar chata? WhatsApp. O livro não engrenou na segunda página? Netflix. O namoro não é exatamente aquela maravilha? Nutella. A minha geração, não. Esta sim sabe lidar com o tédio. Fomos treinados em um campo de provas extremamente rigoroso. Canal com desenho animado só existia até a hora do almoço. À tarde só nos restava o tédio. Não tinha essa mamata de canal com desenho 24 horas por dia. Videogame era o Telejogo. Só depois veio o Atari. Hoje é cult, mas eu lhe garanto: era um tédio só. Para ver alguma coisa mais picante, tinha que esperar até sexta-feira, dia do programa Sala Especial. Já pensou? Pois é, um tédio só. Aliás, esperar é algo em que minha geração foi treinada. Esperar o disco ser lançado. Esperar o gibi novo chegar às bancas. Esperar na fila do orelhão para ligar para os parentes no verão. E esperar sem um smartphone nas mãos, meu amigo, é tarefa para profissionais. Não é um tédio para principiantes. O lado bom disso? Quanto maior a espera, quanto maior o tédio, quanto mais tempo você convive com ele, maiores as chances de você fazer coisas grandes, criativas, diferentes. Não é o tamanho da ambição que o move para grandes feitos. É o tamanho do tédio. Então é isso. Minha dica aos mais novos é que convidem o tédio para passar algumas semanas com você, deem conforto ao tédio, deixem ele se aproximar e ficar íntimo. Aí, quando ele estiver se sentindo em casa, todo pimpão, você lhe dá um tremendo pé na bunda e mostra quem é que manda. Só não vá fazer isso pelo WhatsApp. O tédio não respeita as novas tecnologias. Muito menos os amadores. [su_divider top=”no” size=”1"] Ilustração: Eduardo Medeiros Eduardo Medeiros é ilustrador, mas já foi um modelo de renome internacional, chegando a ser exclusivo de algumas agências incluindo a ford models. Cansado de se destacar pela sua ofensiva beleza, resolveu voltar a sua terra natal e se dedicar a sua verdadeira paixão: o balé contemporâneo e a dança de salão. No meio de uma vida conturbada encontra tempo para sua HQ online “SOPA DE SALSICHA”. {link} Post publicado originalmente em https://www.updateordie.com

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