A teoria da mudança que nunca muda

Tulio Malaspina
Instituto Update
Published in
4 min readApr 7, 2016

Durante os últimos meses, o debate sobre a inovação no 3º setor tem sido alimentado por diversas discussões sobre modelos de gestão e organização, alguns novos, outros nem tanto, mas principalmente pela grande contribuição que as startups estão dando nesse sentido. A sensação é que precisamos encontrar um modelo organizacional que consiga superar a rigidez das atuais ONGs, mas ainda existe muita dificuldade em entender o que exatamente estamos buscando.

Com a grande enxurrada de conceitos, teorias e métodos que estão surgindo a cada dia a dispersão se torna o principal desafio das organizações, que recorrem a todos os tipos de “soluções mágicas” - Business Model Generation, Lean Startup, Holocracy, Design Thinking, Dragon Dreamin, Constelação - para tentar melhorar sua forma de planejar e executar suas ações, tentando fugir das tradicionais PESTLA, SWOT, GANTT.

Porém, antes de sair aplicando novas ferramentas, é preciso olhar para algo mais essencial, que está na raiz do 3º setor e que, no meu ponto de vista, é a principal causa da sua rigidez: O modelo de sustentabilidade financeira.

O modelo atual de sustentabilidade financeira de uma organização latino americana é, grosso modo, garantido por meio de editais ou investimentos sociais feitos por fundações internacionais e algumas poucas nacionais. Essas fundações exigem que as organizações escrevam projetos de um, dois, três ou até 5 anos (quem consegue planejar 5 anos no cenário atual?), descrevendo o contexto, teoria da mudança, objetivos, atividades, cronograma e resultados esperados.

Most nonprofits establish their model early on and then feel too entrenched to ever change it — even if it’s unsustainable. It’s important to test various approaches until you find the most effective way to make a difference. Sometimes this means you pivot a few times until something really sticks.
Ryan Seashore, CEO da CodeNow

É um modelo que se baseia numa única teoria da mudança e, apesar de existir uma possível maleabilidade nas ações que compõe essa hipótese, investem muito tempo e dinheiro na comprovação de que ela é capaz de impactar a realidade. Caso esteja equivocada — e acredito que muitas estão — dificilmente a organização vai escrever em seu relatório:

Erramos a teoria da mudança e não tivemos sucesso no nosso projeto, precisamos de mais financiamento para testar uma segunda teoria da mudança

Na prática, a organização dá uma maquiada no relatório e a fundação, quando lê o relatório, faz vista grossa para os equívocos. No fim, tudo continua como está, inclusive a equivocada teoria da mudança cunhada em pedra. Consigo citar uma boa quantidade de projetos sociais que continuam a executar seu dia a dia mesmo sabendo que a teoria da mudança estava equivocada. Imagino que você também.

A grande diferença que devemos observar ao olhar para as startups são dois pontos que vão de encontro com a realidade das ONG’s:

1. Fazer algo que as pessoas realmente precisem

Essa premissa adotada pelos empreendedores do setor privado também pode e deve ser levada para o 3º setor. Os projetos sociais devem atender a uma demanda real da população e evitar que se tornem necessários por si só. Grandes organizações sociais tendem a buscar recursos pelo simples fato de que sua estrutura organizacional é robusta demais para deixar de existir. Não faça um projeto para manter sua organização viva. Faça algo que tenha impacto na vida das pessoas. Que elas realmente queiram.

2. Levantar hipóteses e colocá-las à prova com o menor custo possível

O modelo de organização de projetos do setor social tem muito medo de errar e por esse motivo desenvolvem teorias e planejamentos infinitos como uma forma de mitigar qualquer dúvida ou questão sobre o verdadeiro impacto que esse projeto terá sobre a vida das pessoas.

Testar hipóteses, colocá-las à prova, errar. Testar uma nova hipótese e continuar a investigação sobre qual ação de fato terá o maior resultado positivo na realidade é o verdadeiro desafio para as organizações que buscam inovar na sua forma de atuar.

Para fazer uma horta na sua casa é preciso começar estudando os possíveis locais para entender como funciona umidade, incidência solar, qualidade da terra etc. Depois de formular uma hipótese, você deve colocá-la à prova com o menor custo possível, ou seja, decidido o local e as plantas, é melhor fazer um pequeno testes para validar se essas plantas realmente vão se adaptar ao local. Grandes chances de você não acertar na primeira. Com o aprendizado dessa primeira hipótese você testa uma nova, agora com mais evidências de que aquelas plantas não vão crescer naquele lugar. Talvez suas plantas cresçam já na segunda hipótese, mas ainda não é hora de gastar muito dinheiro. Espere até o final do ciclo. Caso você tenha dado sorte, terá de lidar com algumas pragas específicas, que gostam especialmente daquele lugar e daquelas plantas. E terá que colher esse aprendizado para tentar melhorar a produção da sua hortinha antes de investir no local certo, com a planta certa, com o adubo certo.

--

--

Tulio Malaspina
Instituto Update

Campanhas + mobilização + ativismo + política | Malabarista de soluções na @sustentalab + Colaborador na @Eativismo + Mágico no @update_politics