Democracia e sociedade no mundo hiper conectado

Tulio Malaspina
Instituto Update
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4 min readApr 14, 2016

A conectividade gerada pela internet foi essencial para a criação de uma cultura política de debate e pensamento crítico, que por sua vez são essenciais para adoção de atitudes rebeldes e autonomistas. A nova configuração social — mais conectada, mais empoderada e mais autônoma — é extremamente ativa e não omissa, dificultando o estabelecimento de autoridades morais totalitaristas.

“A demolição da estrutura tradicional de poder (…) está relacionada com mudanças na economia global, na política, na demografia e nos padrões migratórios.” Moisés Naim

A sociedade contra o estado

O Estado, enquanto poder coercitivo separado da sociedade, está fadado à morte. O monopólio da violência, prática que exige certo grau de legitimidade, está cada vez mais escasso nas relações de manutenção do poder. Uma sociedade mais instruída e globalizada tem maior capacidade de desafiar autoritarismos e são capazes de diminuir a eficácia das ações coercitivas por meio da destruição da autoridade moral necessária para garantir objetivos autocráticos. Nesse sentido, para garantir a manutenção do poder, os governos estão sendo forçados a atuar de forma mais simbólica e instrumental, desenvolvendo formas de exercer o controle por meio da manipulação ideológica, imagética e cultural.

“Torturar corpos é menos eficaz que moldar mentalidades” Castells, Manuel

O surgimento de dinâmicas sociais mais interativas e qualificadas não é o único propulsor dessa nova sociedade. Com o amadurecimento das democracias — e da sociedade — e o inevitável aparecimento de suas falhas, as pessoas passam, cada vez mais, a se organizar local e autonomamente, tomando para si a responsabilidade do seu bem estar. A visão patriarcal do Estado provedor já não popula a mente das pessoas. A crença no sistema em perfeito equilíbrio já não passa de teoria que aprendemos na escola. A burocracia e morosidade do Estado não é capaz de atender a velocidade com que a sociedade se movimenta.

A esquerda tradicional sempre depositou seus sonhos e esperanças no Estado, acreditando que essa estrutura, quando ocupada por pessoas ideologicamente à esquerda, seria capaz de garantir os direitos fundamentais para a justiça social. Os últimos anos de história nos mostraram que essa visão — ou crença? — era equivocada. Mesmo as figuras mais expressivas do campo progressista — Chavez, Maduro, Mandela, Lula — foram incapazes de executar um governo que atendesse à complexidade das sociedades modernas e, pior, aceitaram conluios para garantir mais governabilidade, algo inimaginável para muitos dos seus seguidores.

Essa visão “cristã” que deposita a “salvação” numa figura “de bem” demonstra na prática suas incongruências. A esquerda, perdida na manutenção das suas teorias históricas, não percebe o quão arraigado estão ao conservadorismo. O Estado patriarcal deixa de fazer sentido. O rei está nu. As pessoas já não acreditam que uma pessoa possa mudar a situação, tão pouco acreditam que o Estado seja capaz de garantir o bem estar da população.

“E a confiança é o que aglutina a sociedade, o mercado e as instituições. Sem confiança nada funciona. Sem confiança o contrato social se dissolve e as pessoas desaparecem, ao se transformarem em indivíduos defensivos lutando pela sobrevivência.” Castells, Manuel.

O processo emancipatório da sociedade

O fim do imaginário, a distância entre a teoria e a prática e a distância entre o Estado e sociedade se tornam catalizadores de um processo de individualização da sociedade, onde as pessoas, ao não mais confiar no Estado, tomam para si as responsabilidades que outrora designavam e exigiam do governo. Nesse sentido, existe três comportamentos emergentes:

  1. Individualização defensiva — as pessoas, ao desacreditarem do Estado, também desacreditam da sociedade e passam a agir de forma radicalmente egoísta, passando por cima de leis, instituições, pessoas e contratos sociais
  2. Cidadania ativa — as pessoas se organizam autonomamente para criar ou executar algo que acreditam ser necessário para o bem estar próprio e das outras pessoas
  3. Zonas autônomas — grupos de afinidade se organizam para criar espaços momentâneos de auto organização, com regras e dinâmicas próprias, testando novas formas de organização social

Todos os três comportamentos emergentes são formas específicas para a autonomia política e não excluem ou substituem as antigas formas de organização social, como movimentos, ongs e outras formas de sociedade civil organizada. A dignidade das pessoas, antes delegada ao Estado, emerge numa determinação (das pessoas) de optar pelo direito de ser o que é. E a dinâmica dessas sociedades apresenta uma grande insubordinação à totalização, seja ela ideológica, de poder ou cultural.

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Tulio Malaspina
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