Eu queria um spoiler
Na tensão sócio-política que vivemos hoje, ninguém se safa.
Nos deram a alternativa de escolher entre duas narrativas.
De um lado, é a que nunca antes na história desse país estivemos tão fodidos. E que essa situação tem culpado claro. É esse governo aí. Essa quadrilha. E que sem eles, tudo vai ser diferente. Vamos recobrar a moral, acabar a corrupção, e abrir espaço para um Brasil melhor.
De outro, a que nunca antes na história desse país tivemos tantos avanços. E que essa situação tem dono. É esse governo aqui. Esses salvadores. E que sem eles, tudo vai ser diferente. Vamos retroceder em direitos, aumentar a desigualdade, e abrir espaço para o terrível Brasil de antes.
Eu não compro nenhuma das duas. E ao mesmo tempo, compro as duas.
É inegável o avanço atingido no Brasil sob comando do PT (se vc se pergunta “que avanços?”, já escolheu uma narrativa). E é inegável que o PT o fez com base num esquema perverso (se vc se pergunta “Que perversão?” também já escolheu). É inegável que esse esquema também foi e é utilizado por todos os grupos que disputam o poder no Brasil. E é inegável que esses outros grupos também geraram avanços para o país.
Acima de tudo, é inegável que a disputa colocada agora não é sobre nada além de quem vai ter o poder máximo em nosso país. Independente de quem vencer, não vamos acabar com a corrupção, e não vamos deixar de ter retrocessos (seja na economia, no social, nos direitos humanos e especialmente no ambiental).
Mas mesmo tendo essa certeza, a incerteza predomina. O que seria menos ruim? Que vençam os corruptos contra a corrupção, ou os justos contra a justiça?
Eu queria um spoiler. Um bem certeiro, que arruina a série, mas te deixa menos ansioso. Queria saber quem morre, quem ganha, quem ressurge. Queria saber quais relações sobrevivem e quais definham. Acho que queria ser um mero telespectador, sem opinião, sem ação possível que mude o rumo da trama.
E vejo que de alguma forma, eu sou. Todos nós que não nos sentimos convocados por uma dessas duas narrativas somos. Meros telespectadores, assistindo o Brasil adoecer como um parente pelo qual temos muito amor, incapazes de fazer algo a não ser deixá-lo partir.
Mas isso é momentâneo, pois a convocação para nós é silenciosa. Ela não tem interlocutor, a não ser o medo do futuro. a preocupação com o que nos aguarda. Quem não comprou nenhuma das duas narrativas precisa se preservar agora, se reconhecer, e ter paciência pq caberá a nós juntar os farelos que sobrarão desse presente bélico.