A consequência negativa das Jornadas de Junho de 2013: a nova tarifa do ônibus

Juliana Tiemi Tamanaha
Urbanerds
Published in
3 min readMar 25, 2018

Em junho de 2013 o país vivenciou um momento fora do comum. A alta das tarifas do transporte público fez eclodir as maiores manifestações já vistas nos últimos tempos nas maiores cidades brasileiras. De fato, a insatisfação não era por apenas “vinte centavos”, mas uma série de políticas públicas que seguiam sempre insatisfatórias. Logo, aquelas manifestações tomaram outras pautas, outros motes, outras caras. E então, o tema que inicialmente era a insatisfação, ficou escondido.

Nas manifestações, ouvia-se que a remuneração das empresas de ônibus era uma “caixa preta”, que ninguém sabia como era calculada em função dos custos. Mas acima de tudo, se perguntava: o lucro das empresas de ônibus era justo? Por que pagar tanto para receber tão pouco?

Naquele instante, o alarme tocou para as empresas de ônibus. De fato, existia uma metodologia, chamada Tabela GEIPOT, dos anos 1980, que só era atualizada ano a ano. Mas que já estava ultrapassada frente às transformações recentes (inovações em bilhetagem, implantação de corredores de ônibus, etc). Esta tabela também estava bem longe de dar transparência para como as empresas de ônibus eram remuneradas, e por isso, era uma “caixa preta”.

Então, um grupo liderado pela ANTP — Associação Nacional dos Transportes Públicos, NTU e frente nacional de prefeitos, formaram um grupo para discutir essa questão e propor uma nova metodologia.

Legal? Nem tanto. Cadê aquelas pessoas que estavam ali em junho de 2013 participando desta discussão? O Movimento Passe Livre não tem liderança e não senta para negociar. A demanda é por passe livre e não por redução na tarifa. Ok. Mas existe outro movimento nacional organizado por transporte público? Não. E nessa ausência mora o perigo: a nova metodologia tornou ainda mais complexa a remuneração, porque agora envolve a lógica da quantificação e premiação por risco de investimento — que é “diferente” do lucro.

Em palavras leigas: o lucro não é aquilo que eu ganho por ser dona do serviço. Mas se o serviço me oferece um risco, eu ganho um “bônus”. Por exemplo, se existe a possibilidade de incêndios em ônibus ou o lugar é muito violento, eu posso ser “premiada” por estes riscos.

O que acontece é que vivemos em um país onde clientelismo e corporativismo são parte intríceca de nossa sociedade. O empreendedor privado, é claro, sempre vai tentar reduzir os riscos deste empreendimento. E isso se lê: ele vai tentar fazer lobby com vereadores e deputados para que a polícia faça maior proteção a seus ônibus, por exemplo.

Quando o risco não existe ou diminui, aparentemente o Estado não é ressarcido por isso. Ou seja, além de um lucro já calculado, a empresa pode ganhar esse “bônus” — mais lucro ainda.

Não dá mais para ficar esperando que a tarifa diminua enquanto os empresários de ônibus cobram cada vez mais do Estado e em consequência, da população. Se o Movimento Passe Livre não negocia, precisamos de um movimento nacional que participe ativamente destas discussões. Não há espaço vazio na política, se não ocuparmos, alguém certamente ocupará. E no momento, quem ocupa é quem mais está lucrando com isso.

Para saber mais:

https://diariodotransporte.com.br/2017/08/21/cidades-brasileiras-devem-adotar-nova-planilha-de-tarifas-de-onibus-que-preve-custos-maiores/

http://files.antp.org.br/2017/8/21/1.-metodo-de-calculo--final-impresso.pdf

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/12/economia/1502547255_191116.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM

http://thecityfixbrasil.com/2017/08/21/o-plano-de-nova-york-para-salvar-o-metro-pode-ser-um-laboratorio-para-inovar-no-financiamento-do-transporte-coletivo/?utm_source=tcfb&utm_medium=facebook&utm_term=plano-ny-metro&utm_content=redes_sociais

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Juliana Tiemi Tamanaha
Urbanerds

Arquiteta e urbanista na área de mobilidade urbana. Ciclista quando tem vontade, pedestre e usuária de transporte público o tempo todo.