Relato da audiência pública da Ciclovia Domingos de Morais

Lucian De Paula
Urbanerds
Published in
9 min readMar 15, 2018

Terça feira, 13 de março, pouco mais de uma centena de munícipes se reuniram no SENAI Anchieta, na Vila Mariana, para discutir junto à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes e à CET a instalação da ciclovia na rua Domingos de Morais, conectando diretamente o metrô Vila Mariana até o metrô Praça da árvore e completando o trecho que faltava para ligar a ciclovia da Vergueiro e a ciclovia da Jabaquara.

Podemos, felizmente, começar pela fala final do secretário Sérgio Avelleda que sintetizou a audiência: tivemos uma contagem de 132 pessoas, aproximadamente, participando da audiência, e foi declarado unânime o desejo favorável à implantação da ciclovia.

A ciclovia será feita em 4 trechos separados, cada um com uma tipologia, o que gerou uma certa confusão entre os presentes, mas que foi aceito — desde que a prefeitura instale todos os segregadores de segurança.

Produção dos profissionais da equipe do nosso Departamento Gráfico sobre a base Google Maps. Eles já foram demitidos. Será substituído por um mapa melhor assim que a CET divulgar a apresentação oficial.

Contando a partir do metrô Vila Mariana e seguindo em direção ao metrô Praça da Árvore, a divisão se dará da seguinte forma:

Trecho 1 (roxo) — Do atual término da ciclovia até a altura da Sena Madureira, onde há o atual semáforo para acessar a rua Maurício Klabin.
Este trecho será feito com ciclovia bidirecional feita sobre o canteiro central.

Trecho 2 (vermelho) — Da Sena Madureira até a rua Pedro de Toledo.
Neste trecho, a ciclovia desce do canteiro central e passa a ocupar a faixa de rolamento mais à esquerda (próxima do canteiro) apenas da pista da Domingos de Morais sentido Praça da Árvore.

Trecho 3 (preto) — Quarteirão do shopping Santa Cruz, entre as ruas Pedro de Toledo e Loefgreen.
Trecho onde estava instalado o canteiro de obras do metrô Linha Lilás, este quarteirão terá a ciclovia elevada feita em concreto sobre o canteiro central, similar à Paulista.

Trecho 4 (azul) — Da rua Loefgreen até o início da ciclovia na Jabaquara.
Neste trecho, a ciclovia novamente desce do canteiro central e passa a ocupar a faixa mais próxima do canteiro central, desta vez da pista da Domingos de Morais sentido Vila Mariana.

Pelos desenhos apresentados pela CET, a ciclovia deve ser bidirecional e com largura de 2,50m em toda a sua nova extensão.

Prazos e agentes

Importante ressaltar o que a Secretaria de Mobilidade falou, mas parece haver muita confusão em volta:

Esta não é uma obra da prefeitura.

Esta intervenção é uma Compensação Viária. O que é isso? Quando um Pólo Gerador de Trânsito é instalado (ou passa por reforma), ele precisa fazer algumas obras para mitigar o impacto que ele causa no trânsito. Geralmente a instalação de semáforos, ampliação de calçada, implementação de ciclofaixa, etc. Similar a uma obra que corta uma árvore e posteriormente realiza a Compensação Ambiental plantando e mantendo algumas dúzias de mudas em uma praça próxima. Na audiência pública fomos informados que o agente por trás desta ciclovia é o Colégio Marista Arquidiocesano.

É do interesse do Polo Gerador realizar a contrapartida devida o mais rápido possível, pois ela é exigência para que ele esteja regular ante a prefeitura. É do seu interesse, mas esta não é uma garantia. Desta forma, a prefeitura não tem controle de quando as obras começam, ela apenas não regulariza o imóvel enquanto a obra não for concluída. As compensações de trânsito tem que ser bem definidas, então o que existe agora é um projeto básico. O cronograma de implantação fica a cargo da agilidade do Polo Gerador de Trânsito.

Desde a aprovação da lei 16.738/2017, nenhuma ciclovia pode ser implementada — nem retirada — sem antes passar por uma audiência pública. Foi isso que nós fomos fazer lá no dia 13 de março. O trâmite geral é:

  • Polo Gerador de Trânsito ativa a necessidade de medida mitigadora ✔
  • Negociações propõe a instalação da ciclovia da Domingos como Compensação Viária ✔
  • Por ser uma nova ciclovia, é necessária uma audiência pública sobre o assunto ✔
  • A ciclovia é aprovada na audiência ✔
  • O Polo Gerador desenvolve o projeto e apresenta à CET para aprovação
  • O Polo Gerador realiza a obra e implementa a ciclovia
  • Todos pedalam em comemoração e sem medo de serem atropelados naquele trecho nem de entrar para a estatística paulistana de 3 mortes e 10 mutilamentos por dia causadas por colisão de trânsito

A prefeitura, por não ser responsável pela obra, não pôde então anunciar uma data para início da operação e prazo de implantação. Porém o secretário anunciou como algo que deve ocorrer “nas próximas semanas”. É condizente com o tempo para a finalização e aprovação do projeto, e é tranquilizador ouvir a unidade de tempo “semanas” ao invés de “alguns meses”, “no 2º semestre” ou “ainda este ano”.

Apontamentos

A apresentação da prefeitura para a ciclovia começou com uma justificativa de demanda onde foram apresentados 3 slides. O primeiro foi um mapa de acidentes (georreferenciado a partir de dados da CET). O segundo foi uma tabela relacionando vários pedidos de implantação de ciclovia feitos pelo SP156, que é a plataforma oficial da prefeitura para comunicação com a prefeitura, podendo registrar pedidos pelo site, pelo aplicativo, pelo telefone 156 ou pessoalmente na prefeitura. O terceiro slide foi um mapa de calor de um aplicativo popular de treino de bicicletas, que mostrava que a Domingos de Morais era continuamente utilizada mesmo nos trechos sem ciclovia.

Página do SP156 onde você pode solicitar a implantação de novas ciclovias.

O terceiro slide provocou um certo alvoroço entre os ciclistas que concluíram que a prefeitura estaria baseando planejamento cicloviário no mapa do aplicativo. Muito cuidado. Considere aquilo apenas uma imagem bônus para reforçar o ponto. Mas a prefeitura não usou, não usa e nem pode usar um aplicativo particular como base de dados para pautar seu planejamento. Ela precisa de uma base de dados oficial, pública, ou uma contagem feita pela CET, mas o poder público não pode adotar um aplicativo privado (em detrimento de outros aplicativos, inclusive) e nomeá-lo como referência. Até porquê, se o fizesse, isso daria margem para dizer que não existem ciclistas na periferia, só porque lá não aparece nada no mapa de calor. Todos sabemos que é o contrário: a periferia é onde mais existem ciclistas na cidade, só que eles também são os que menos utilizam smartphone, aplicativo de treino, 4G e pacote de dados ilimitado. O que a prefeitura pode usar, deve usar e, de fato, usa, é o SP156, uma das vias de comunicação oficiais entre munícipes e poder público. Portanto, se você está lendo o texto, vá lá no SP156 e registre os pedidos de implantação de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas que tanto faltam nesta cidade.

Os munícipes deixaram claro que, apesar do desvio original pela Madre Cabrini e Cel. Lisboa (visível em verde na imagem no topo) ter ocorrido devido ao canteiro de obras do metrô, as ciclovias NÃO são redundantes. O trecho pela Domingos de Morais é uma conexão de eixo, ligando diretamente o corredor Norte-Sul, para quem precisa atravessar a cidade. A ciclofaixa da Cel. Lisboa cumpre a função de proteger e distribuir as bicicletas pela Vila Clementino, sendo inclusive a forma mais segura e próxima de se acessar tanto a Universidade Federal de São Paulo, quanto o Hospital São Paulo. A instalação da ciclovia da Domingos de Morais de forma alguma pode ser utilizada com argumento para a remoção da ciclofaixa da Cel. Lisboa. O secretário Sérgio Avelleda respondeu que a ciclofaixa da Cel. Lisboa não estava em discussão e que nem poderia ser removida sem antes uma audiência pública específica para abordar este tema.

A população também deixou claro que não bastam apenas ciclovias, mas toda a infraestrutura cicloviária deve ser fornecida. Foram pedidos a instalação de mais paraciclos no bairro, um bicicletário 24h nos mesmos moldes da Praça dos Arcos ou do Largo da Batata, a expansão do sistema de compartilhamento de bicicletas para atender também a Vila Mariana e ciclovias que atendam não apenas o movimento pendular centro-periferia, mas o movimento inter-regional. Não há hoje nenhuma rota segura próxima que conecte a Vila Mariana a Moema (cruzando a 23 de maio) ou com o Ipiranga (chegando até a Ricardo Jafet). A secretaria da mobilidade reforçou que na licitação de concessão dos terminais de ônibus todos deverão oferecer bicicletário (e na região há o terminal Santa Cruz, dentro do shopping), que estão em constante conversa com o metrô para oferecer bicicletário nas estações (apesar de que a atual diretoria e operação do metrô se manifestaram que nenhuma estação nova de metrô teria bicicletário, apenas paraciclos externos, e tem desativado os bicicletários já existentes nas estações de metrô como na Vila Madalena) e sobre o sistema de compartilhamento de bicicletas informou que esta semana deverá inaugurar uma nova estação de compartilhamento de bicicletas em Cidade Tiradentes.

Absoluto destaque para o ponto alto da audiência pública, que foi a inscrição da fala do Rafael, um menino de aproximadamente 9 anos. Rafael questionou o secretário de por quê fazer a ciclofaixa bidirecional ocupando uma faixa de rolamento da pista de um único sentido (trechos 2 e 4), o que colocaria metade dos ciclistas no contra-fluxo, algo que ele entendia como perigoso. A resposta do secretário foi explicando pela geometria da via, que dadas as dimensões das faixas de rolamento e da ciclofaixa era possível fazer dessa maneira mas não uma faixa unidirecional em cada pista em cada sentido (como é na própria avenida Jabaquara, ou na Vergueiro) pois o resultado seria a “perda” de duas faixas de rolamento, não de apenas uma. Avelleda também ressaltou que apesar de não ser a situação ideal, seriam instalados segregadores viários(tachões), mas que a cidade nunca teve nenhum caso de atropelamento de ciclista nas vias do centro que adotam este modelo. Muito além do conteúdo da ótima pergunta, é motivo de orgulho e felicidade — para a cidade inteira — ter uma criança tão nova participando de uma audiência pública, entendendo que está inserida na sua cidade, que tem voz, que merece ser ouvida e que merece uma resposta.

Apesar de não ter sido dito na audiência pública, quem passa hoje pela Domingos de Morais geralmente reclama que ela está muito escura. Desde que o canteiro de obras do metrô foi removido, saíram as luzes da obra, mas não foi instalada iluminação pública no canteiro central. Esta deveria ser uma preocupação a ser considerada junto da implantação da ciclovia. Deveria ser reclamação registrada no SP156.

Presentes no início da audiência pública estavam uma série de comerciantes e membros de associações comerciárias que aparentemente foram se manifestar contrários à ciclovia com medo de ter suas lojas prejudicadas. Houve uma séria desinformação correndo em mídia social, com vídeos falsos dizendo que a ciclovia seria no trecho da Domingos de Morais entre Ana Rosa e Vila Mariana (e portanto paralela e redundante à ciclofaixa já presente na Vergueiro nesse mesmo trecho), que iria passar na porta do comércio e remover vagas de estacionamento. A apresentação da CET, no entanto, não deixou dúvidas, explicou que a ciclovia seria implantada inteiramente em canteiro central, que não haveria nenhuma alteração de acesso aos lotes nem alteração de estacionamento e reforçou que o trecho seria apenas o complemento faltante entre Vila Mariana e Praça da Árvore. Contentes com essa informação, a maior parte dos comerciantes desistiu de se manifestar contrariamente e muitos foram embora após o esclarecimento, satisfeitos.

Para os que ficaram, a reunião contou com distribuição do Manual Bicicleta e Comércio, parte de uma campanha do Ciclocidade para informar que a bicicleta faz bem ao comércio, trazendo dados e fontes, exemplos de implantação em outras partes do mundo, suas consequências e os benefícios da bicicleta para a economia de bairro.

As participações foram tantas que, inclusive, cabe um agradecimento a todos os envolvidos na organização da audiência. Programada para ocorrer das 18:00 às 20:00, se prolongou até 21:30 com total paciência do secretário, do prefeito regional, do gabinete, da equipe da CET e do SENAI em seu papel de anfitrião do evento.

Esta sendo uma síntese dos acontecimentos, aos interessados no assunto fica a informação de que 19 de março haverá a audiência pública para implantação da ciclovia da Rua Bresser.
Já foi no SP156 deixar registrado seu desejo por uma ciclovia na rua Bresser?

--

--

Lucian De Paula
Urbanerds

Urbanista, fã da mobilidade ativa e não-fã do status quo burro.