#TheDevConf 2017 — Trilha Acessibilidade: Acessibilidade para cidadania — uma avaliação de usabilidade e acessibilidade da urna eletrônica

Relato da palestra de Talita Pagani e Mauro Pichiliani na Trilha Acessibilidade do The Developer’s Conference São Paulo.

Talita Pagani
Utilizza
4 min readAug 8, 2017

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Vista do fundo da sala mostrando a plateia assistindo à palestra, a intérprete Kátia do lado esquerdo do painel à frente da sala e Talita e Mauro à direita. Crédito da foto: The Developer’s Conference.

Este post faz parte da série de relatos sobre as palestras da Trilha Acessibilidade do TDC-SP 2017.

Na penúltima palestra do dia, eu e o Mauro palestramos novamente sobre um projeto que desenvolvemos juntos em 2015 envolvendo uma inspeção de usabilidade e acessibilidade da urna eletrônica brasileira. Os resultados deste trabalho foram publicados como artigo na conferência Human-Computer Interaction International (HCII), em inglês.

A urna eletrônica pode ser considerado o sistema computacional mais utilizado no Brasil em termos de números absolutos de usuários. Ela foi implantada em 1996, ou seja, há duas décadas, porém, poucas mudanças significativas de interface e usabilidade ocorreram durante este período. De 2004 a 2014, a urna eletrônica permaneceu com a mesma interface.

Nas eleições de 2014, 115 milhões de pessoas efetivamente votaram. Imagine um mesmo sistema utilizado somente uma vez a cada dois anos por pessoas de 18 a 70 anos e com diferentes níveis de letramento, nível de escolaridade, habilidade com tecnologia e deficiências. Cerca de 7 milhões de eleitores são analfabetos e 17 milhões de eleitores não possuem educação formal. É uma heterogeneidade ampla de usuários e é instrumento de cidadania, por isso, o design inclusivo é requisito para que a urna possa ser bem utilizada pelos cidadãos.

Embora a urna eletrônica brasileira tenha apresentado melhorias com o passar dos anos (teclas em Braille, opção para plugar fones de ouvido, sessão especial para pessoas com deficiência), o último estudo de usabilidade realizado antes do nosso trabalho apontou que o dispositivo possuía baixa ergonomia, falta de feedback visual e dificuldade de entender correção e confirmação de voto.

Por isso, nosso trabalho teve o objetivo de avaliar a usabilidade e a acessibilidade da interface do usuário das urnas eletrônicas utilizadas nas eleições brasileiras de 2014. A avaliação foi baseada no método de inspeção e avaliação heurística, que inclui várias observações do elemento apresentado aos eleitores durante a interação com o sistema. Como não tínhamos acesso à urna, foi utilizado o simulador oficial disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Das observações, encontramos muitos aspectos que não cumprem as melhores práticas e recomendações atuais para uma experiência de uso inclusiva. Propusemos várias modificações para os elementos de interface do usuário que podem produzir uma melhor experiência de usuário levando em conta os aspectos críticos de segurança, privacidade e confidencialidade encontrados no sistema.

Com base nas heurísticas utilizadas, foram identificados os seguintes problemas:

  • Não apresenta instruções para pessoas que não possuem conhecimento sobre o uso de computadores;
  • Não possui orientações reforçadas para facilitar o uso por usuários não familiarizados com o sistema;
  • Não há uma delimitação clara do processo de votação, fazendo com que seja confuso se localizar no processo;
  • Não há controles de feedback global e local;
  • Não há opções para revisar os votos;
  • As caixas para a digitação dos números possuem uma borda muito fina e um cursor muito discreto, o que pode atrapalhar o foco e a atenção de alguns eleitores;
  • A tela se localiza muito longe da cabeça e dos olhos dos eleitores;
  • Não há explicações para voto de legenda;
  • O uso de cores está sendo usado como a única forma de associar as informações de confirmar e corrigir o voto;
  • A opção de áudio está disponível somente para pessoas com deficiência visual, mas não para pessoas analfabetas;
  • As imagens possuem baixa resolução;
  • Não há ícones para os partidos, em caso de votos de legenda;
  • Há poucos recursos para pessoas com deficiências auditivas;
  • O botão “Corrige” apaga toda a tela e não apenas o últimos número digitado.

Após analisar estas informações, foram propostos redesign para diversas telas da urna, incluindo um indicador das etapas de votação, colocando a foto dos candidatos do lado esquerdo da tela (atualmente é no canto superior direito) para que fique ao lado do número e do nome, inclusão de instruções de votação, explicação para voto de legenda, melhoria na mensagem para confirmar ou corrigir o voto, inserindo o nome dos botões, e uma tela final para conferir e confirmar todos os votos.

Layout anterior da tela de votação tanto para deputado estadual quanto para deputado federal. Número, nome e partido aparecem à esquerda, enquanto a foto aparece no canto superior direito. Não há instruções que quais etapas de voto vieram antes e quais serão as próximas. Fonte: Simulador do Tribunal Superior Eleitoral.
Novo layout para as telas de deputado federal e estadual: à esquerda, há a foto em destaque do candidato e, do lado direito da foto, há o número, nome e partido. Na parte superior, há a mensagem revisada para as teclas de confirma e corrige e, ao final, uma barra de progresso da votação, mostrando que já foi votado para deputado estadual e que ainda haverá a etapa para senador, governador e presidente.

A intenção destas modificações é reduzir a confusão dos eleitores, diminuir o número de erros e fazer com que os eleitores entendam melhor o processo de suas escolhas.

Durante o momento das perguntas, queríamos saber as experiências que os membros da plateia que possuem deficiência já enfrentaram no processo de votação. Nossos palestrantes surdos apontaram que felizmente nunca tiveram problemas, por eles serem alfabetizados em português também. O Leonardo, co-coordenador da trilha e cego, comentou um fato curioso que desconhecíamos: as instruções por fone de ouvido somente repetem as teclas digitadas, não dizem o que está sendo exibido na tela, portanto, têm pouca utilidade para a pessoa com deficiência visual. Fica o desafio para futuras investigações.

Slides da palestra Acessibilidade para cidadania — uma avaliação de usabilidade e acessibilidade da urna eletrônica.

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Talita Pagani
Utilizza

Consultora de Acessibilidade na Utilizza | Neurodivergente | Mestre em Acessibilidade Web | GAIA — Autismo