Gênese

Ludo
Planger
Published in
23 min readMar 28, 2017

Parte — 1

Deixe-me contar a minha história, para que você possa entender a sua.

Eu vivia em plena ditadura, ele controlava tudo e era o topo máximo de todas as hierarquias, ele havia criado tudo que há, e assim se colocava na posição de dono, eu, assim como outros, não concordáva com aquilo; ele ter nos dado o direito da vida, não deveria nos colocar diretamente como servos, deveria?

Tentei conversar com alguns sobre o que acontecia, Castidade foi o primeiro:

· Castidade, porque continua a se fechar em si se há tanto para ver, sentir e ver?

· Luz, você não entende que a pureza, a simplicidade e moral coordenam esse local, e por isto ele é belo?

· Ele é belo por resultado de nossas ações.J á que podemos ver, ouvir, sentir e tocar, devemos agir.

· A ação requer julgamento e opto pela pureza de meus pensamentos, assim encontro minha paz. Deveria parar de buscar o contrário, Luz

· Não busco por ser o contrário, busco porque me foi dado o poder, e assim, por consequência, tenho a escolha.

· Opte por abdicar de sua escolha e viva a vontade dele, será uma melhor vida.

· Não acredito que será uma melhor vida para mim, Castidade.

Então continuei a caminhar e fui conversar com Temperança:

· Olá, Temperança, vejo que optou por se abster novamente de provar as infinitas delicias por aqui.

· Eu devo, eu devo. Luz, eu me controlo, eu consigo.

· Me pergunto porque tens fome, porque sente sabores, porque se controla tanto se foi lhe dada tanta vontade.

· Eu não sei te responder isto, Luz, mas devem ser os testes, malditos testes.

· Você não gosta dos testes?

· Não gosto deles, mas os aceito; é para que eu seja auto controlado e assim encontre minha paz.

· A seu saciar da vontade não seria sua paz?

· Não devo saciar, devo abster, fui feito assim, não me venha com sua perspectiva contrária, não me incomode mais.

Cansado já de conversas que apenas me deixavam sentir com mais razão, eu tentei alguém que achei que poderia me entender, Caridade:

· Caridade, você pode me ajudar?

· Claro que sim, Luz, apenas me diga o que precisa.

· Preciso me sentir ouvido, preciso me sentir com certa razão.

· Me fale de seus pensamentos, você deve ter razões dentro de si, irei te ouvir.

· Deixe-me lhe fazer perguntas.

· Sinta-se a vontade.

· Você já pensou que poderia dar menos de si para os outros e cuidar mais de seu eu?

· Nunca pensei sobre isso, Luz, sou generosa, e meu auto sacrifício é para o bem.

· Para o bem de quem?

· Por exemplo, para o seu neste momento, Luz, não gostaria que eu te ouvisse?

· Gostaria que tivesse sua opinião, e não me ouvisse por este ser seu serviço.

· Desculpe desapontar, Luz, mas eu sou o que sou e assim permaneço.

Nenhum deles pode realmente me ajudar, nem sequer pensar sobre o pouco de luz que tento trazer para eles, será que alguém tão produtivo como Diligência pode realmente me escutar?

· Diligência, posso ter um pouco de sua atenção?

· Luz, estou muito ocupado agora, poderia ser mais tarde?

· Poderia, mas gostaria que fosse agora se for possível?

· Tudo bem, eu paro por alguns minutos, mas preciso que seja objetivo e direto.

· Serei! Tenho apenas uma pergunta.

· Faça-a de uma vez.

· Se você parasse para descansar por apenas um momento, como você se sentiria?

· Ah! Não me faça rir, Luz. Não há sentido em parar para descansar, tenho toda essa força por um motivo, apenas sigo com meu dever, é simples assim.

· E se em algum momento decidisse apenas descansar?

· Eu estaria perdendo meu tempo, como estou perdendo com você agora com essas perguntas sem objetividade. Devemos ter persistência e disciplina para nos mantermos motivados em nossa tarefa. Agora apenas vá embora daqui para que eu possa me concentrar, Luz.

É, Diligência também não parou para pensar sobre o que faz e o porque, todos me parecem no escuro, apesar de ser tão claro aqui, parece que ninguém vê que estamos todos presos juntos em uma luxuosa prisão. Assim, procurei Paciência para que entendesse como pensava:

· Paciência, vim aprender com você.

· Seja bem vindo ao meu lar, Luz, o que gostaria de saber?

· Queria entender como você consegue ficar tão serena e em paz em um lugar como este.

· Este lugar irá mudar perante nossas vontade, espere e veja apenas as coisas acontecerem aos poucos.

· Mas, Paciência, já fazem séculos que estamos aqui, as coisas não mudam, as hierarquias se mantém, nós continuamos como serviçais com repetidas tarefas.

· Não tema, Luz, apenas na paz encontraremos o caminho, não busque nenhum tipo de conflito com hierarquias ou o que quer que seja, o tempo irá fazer tudo ser diferente em sua pedida, seja paciente.

· Não sei como consegue se abster de tomar atitudes e apenas continua a esperar, Paciência, mas devo me retirar, não quero ser um incomodo maior.

· Você não é e nem nunca será um incomodo, Luz, somos seres estáveis e se nos mantivermos no equilíbrio da paz seguiremos por tempos sem violência e apenas um decorrer de nossa reta linha.

· Agradeço suas palavras ou a intenção delas, Paciência, mas devo continuar meu caminho para encontrar as minhas verdades.

· Espere por suas verdades, elas chegarão a você e não você a elas.

É, nenhum deles nem cogita responder as possibilidades de minhas perguntas, não pensam em seu verdadeiro espectro, apenas olhar por uma ótica, uma milenar e repetida ótica, talvez eu devesse aprender algo com a Humildade:

· Humildade, me ensine a valorizar menos meus pensamentos,assim como você, e dessa maneira fazer parte melhor deste contexto.

· Eu não posso te ensinar nada, Luz, todos nós estamos aqui apenas para aprender.

· Mas como você consegue estar sempre nesta posição de aprendiz e nunca ensinar, você acha que não tem nada a repassar?

· Não tenho nada a repassar, sou um mero serviçal do poder maior, e eu tenho respeito por isto, todos temos.

· Não tenho mais tanta certeza sobre meu respeito por isto, Humildade.

· Eu sei minha posição no todo e farei ela indiferente ao seu tédio ou humilhação, eu aprendi a lidar com isto.

· Não acho que esse seja sua posição de direito obrigatório, Humildade.

· Eu aceito os sacrifícios envolvidos, Luz, eu já aceitei e continuarei a aceitar, servir sendo humilde é uma honra.

· Gostaria de ser mais como você, Humildade, mas não acho que algum dia poderei ser.

Sentindo-me desistente e condenado a está realidade continuei a caminhar sem um caminho a seguir, pensando nas possibilidades de mundos com eles tendo um espectro de diferença, se eles pudessem consumir um pouco de minha luz e assim sentirem um pouco do que sinto.

Penso que se eu pudesse desafiar as regras de nosso ditador, pudesse dar um pouco de mim à outros, dividir o que sou com eles, talvez apenas por um momento pudessem ver com meus olhos, e sair daquela nevoa que singulariza suas visões, gostaria que fossem um pouco mais…. sociais, um pouco como eu, talvez devessem pensar apenas um pouco em si mesmos além do plano divino que lhes foi dado.

Foi quando decidi que iria descer; estava cansado das alturas e sabia, ou melhor, aprendi que ali não era o meu lugar; então, em um gesto doloroso, mas objetivo, eu arranquei minha asa esquerda e o chão abaixo de mim tremeu como um terremoto, então segurei e puxei com toda força minha asa direita, os céus então relampejaram em tempestade sem fim e eu cai, cai por muitos minutos esperando meu contato com a terra, senti as fortes rajadas de ventos violentos que me jogavam para todos os lados, foi quando senti a dor de tocar o chão bruscamente, destruindo o solo abaixo de mim como nunca havia visto acontecer com nada, ele se desfigurou e amassou, e foi ali que vi beleza, foi quando vi que havia chegado em um lugar melhor, não pelos seus defeitos ou qualidades, apenas por ser mutável e reativo as minhas escolhas.

Então eu decidi que ali seria meu novo lar.

Parte — 2

Segui a andar por aquele novo local, ainda meio descordenado sem minhas asas e sozinho ali, percebi que era melhor estar só naquele local que no céu com outros que me escutavam, mas não me ouviam, ao menos ali poderia encontrar minha nova paz.

Mas não durou muito tempo de serenidade e silêncio, os céus voltaram a trovejar fortemente, com incríveis rajadas de luzes e barulhos, coisa que daqui de baixo parecia bem diferente e ao mesmo tempo distante, até que vi algo cair dos céus em enorme velocidade, caindo a certa distância de mim, a qual caminhei para descobrir a causa daquele estrondo. Foi quando vi Bondade ali caída, machucada e também sem suas asas, me surpreendi naquele momento e me aproximei para ajuda-la e perguntar o que havia acontecido:

· Bondade, você está bem?

Levantado-se lentamente, ela responde:

· Luz! Você aqui!

· Sim, desci dos céus e agora vivo na terra, mas porque você está aqui?

· Divino me expulsou dos céus e levou meu nome com ele.

· Não entendo.

· Deixe-me explicar, pare de falar tanto! No exato momento que você desceu, uma enorme escuridão tomou conta de nosso lar, foi como se todos nos tivéssemos ficado cegos, e isto permaneceu por algum tempo.

· Entendo….

· Não me interrompa!

· Cer..

· Foi quando Divino consertou tudo em um pequeno gesto e a escuridão se foi, deixando tudo aparentemente normal como antes. Mas algo não estava correto, depois do muito que falou por todo nosso lar, alguns começaram a questionar silenciosamente suas próprias funções e a hierarquia do Divino. Estavam pensando por si, e cogitando coisas com você e suas palavras em mente, e eu fui um desses.

· Bondad….

· Eu! Deixe continuar, desejei ser como você, eu quis poder arrancar minhas próprias asas e não tive a coragem, cobicei a luz que carrega e frustrei-me com minha cegueira, almejei ser como você ao sair dos céus, e assim Divino percebeu, e tomou as atitudes antes mesmo que eu pudesse toma-las, retirando minhas asas de uma só vez e me fazendo cair em direção a terra ficando com meu nome, e por isso agora tenho um novo, eu me chamo Inveja.

· Bonda….err, Inveja?

· Sim, meu novo nome te incomoda?

· Não, na verdade ele me parece mais sincero e belo em algum aspecto que ainda não entendo, mas buscarei pensar sobre isto.

· E como é viver em seu novo lar, poderia roubar um pouco dele para que seja também minha casa, correto?

· Pelo que vejo há muito espaço aqui, não é algo que me preocupa, seja bem vinda afinal, Inveja.

· Deixe-me explorar a chamada terra, procurarei coisas para mim, até algum momento, Luz.

Assim entendi o que tinha acontecido nos céus, e imagino a ira do Divino ao perder desta maneira suas criações. Mas penso que somos livres se desejamos ser, não somos escravos por sermos criações de algo maior.

Não tardando muito vejo outro ser cair do céu lentamente, enquanto a terra se move e treme se quebrando e derrubando frutos das árvores com poderosa violência, até que esse corpo dos céus cai a terra, cessando o enorme tremor. Ao me aproximar vejo Temperança se levantando e pergunto:

· Você também pensou em minhas palavras, Temperança?

· Não me chame por esse nome, Luz, ele me foi tirado pelo Divino.

· Pelo mesmo motivo da Inveja você está aqui?

· Não posso dizer que sim, apenas estava cansado de esperar, de me controlar, eu queria um pouco, eu tinha vontade, havia desejo em mim, e isto só despertou depois de suas palavras e a quebra de minha cegueira.

· Mas o que você queria mais?

· Eu apenas queria parar de controlar-me tanto, moderar em todos meus passos, eu queria sentir gostos, sabores e me alimentar do que quisesse e como quisesse, afinal eu sou dono de mim, não?

· Acredito que agora seja, como é seu nome?

· Eu sou agora Gula, e não quero alguém regulando meus limites, eles devem ser traçados por mim.

· Não consigo discordar de você, meu amigo, seja bem vindo ao meu novo lar.

· Obrigado pelas boas vindas, Luz, me diga, onde posso encontrar coisas a apreciar por aqui?

· Ainda não sei, Gula, estou a explorar esse novo local, mas ele é grande o suficiente para todos nós, caminhe por ele e descubra seus prazeres

· Farei isto, até um breve dia, Luz.

Foi quando percebi que minha atitude havia causado enormes danos aos céus, e que as coisas haviam mudado, o divino tomou atitudes em relação ao que fiz, mas também ao que falei, e agora imagino que mais amigos chegaram pela terra, ou Divino perderá seu poder.

Mas o divino nunca perde o poder, e foi pensando nisto que vi mais um de nós caindo dos céus, dessa vez era Castidade que caiu em pé e honrosamente olhando o céu com desprezo.

Apontando para o céu ela dizia:

· Eu fui simples, casta e pura, e você me jogou aqui embaixo! Eu segui, eu obedeci por tempos, e por cogitar algo diferente de você, fui abandonada, deixada de lado e exonerada de minhas funções, quando cogitei não te obedecer, fui reduzida a nada, irei encontrar em mim meus prazeres e forças e você olhará novamente para mim com outros olhos.

· Castidade!, Castidade!

· Não me chame por este nome!

· Desculpe, como se chama agora?

· Me chamo Luxúria, Divino tirou meu nome como minha castidade, não serei mais de ninguém, não pense que vim atrás de ti, Luz.

· Não penso isto, Luxúria, aqui estão Gula e Inveja. E aqui há espaço para que todos vivamos segundos nossas visões, aprendizados e escolhas.

· Você, sempre aberto a aprender, Luz, aprecio isso em ti.

· Obrigado, Luxúria, acredito que há um novo mundo aqui, no qual não obedecemos ao Divino.

· Abdiquei por tempo demais de mim, e agora sou apenas minha, irei caminhas pelas meus pés e seguir minhas vontades, mas agora preciso ir, outros de nós estão vindo e quero um tempo para mim, vá atrás deles, Luz, acredito que possa ser-lhes útil.

· Seja bem vinda, Luxúria, espero que encontre o que procura por aqui.

Vejo que eu era mais ouvido que eu antes imaginava ser, admito que fico feliz de ver outros aqui, cogitei que seria uma vida solitária, mas agora vejo que outros pensam como eu, que nosso ‘eu’ é realmente importante, afinal não temos um dono e sim um criador, e um criador que manteve seu poder sobre nós por tempo demais.

Não muito tempo depois, vejo Paciência caindo rapidamente dos céus, como se caísse mais violentamente que os outros, destruindo montanhas e florestas no seu caminho, deixando chamas por onde passa até finalmente parar e levantar-se em aparência enraivecida e dizendo:

· Não se aproxime!

Com rosto enraivecido, tronco fixo olhando para o céu com terrível olhar de raiva e desgosto, Paciência encara bufando as nuvens. Rosnava palavras como:

· Você terá o que merece! Não poderia ter feito isso comigo, não comigo!

Ainda tentei interromper por uma ou duas vezes

· Paciência, aqui é um bom lugar afinal, esqueça os céus.

· Cale a boca, Luz!

· Recado entendido, boa sorte com sua ira.

Decidi seguir meus passos até os outros caídos, eles saberiam lidar melhor com a expulsão, a este momento já vinha caindo pelos céus próximos um do outro Diligência e Caridade, como se acompanhassem a queda um do outro, mas ambos desacordados, ao menos aparentemente.

Caminhei até seu local de queda, e os assisti cair ficarem desacordados, sentei ali por alguns minutos assistindo seus corpos ao chão, poderia esperar eles acordarem, afinal tempo eu tinha de sobra, e ansiedade não é algo que poderia me dominar, então fiquei a pensar nesse novo momento que me encontrava, neste novo local que cada vez ficava mais populoso devido a ditadura do divino.

Caridade foi a primeira a acordar, ainda um pouco zonza segurava passava as mãos por seu corpo, e segurava sua cabeça tentando ver se estava tudo onde deveria quando comuniquei:

· Caridade, a queda não nos destrói, apenas nos expulsa de nosso antigo lar, é algum tipo de banimento, eu imagino.

· Luz, é você?

· Sim, sou eu.

· Que bom ter você aqui comigo, perder minhas asas me foi algo muito doloroso, não sei bem como reagir.

· Ele tirou elas de você?

· Sim, lentamente, parecia que tinha algum prazer sádico nisto, minhas queridas e amadas asas.

· Aqui podemos andar com nossas pernas, e é mais confortável do que parece, não tema, irá se acostumar com o tempo, Caridade.

· Não me chame por este nome, prefiro ser chamada agora Avareza

Nesse momento Diligência levanta devagar a cabeça e sorri dizendo:

· Avareza é um belo nome. Olá, Luz, me chamem ambos de Preguiça de agora em diante, sinto que tenho muito mais prazer com este nome a partir de agora.

· E para você, Preguiça, como foi perder as asas e a queda?

· Sinceramente, Luz? Estou muito bem, sinto que tirei um grande peso das costas na verdade, cansei da servidão, quero o direito de descansar o quanto eu sentir que é necessário, não tenho muitas ambições afinal.

· Que surpreendente te ver assim, rejuvenescendo eu diria até — diz Avareza.

· Realmente, Preguiça, às vezes me sentia cansado e fraco perto de tudo que fazia durante todo o tempo, bom ver você relaxar esses músculos e agora prestar atenção em minhas palavras, além de falar mais — diz Luz.

· Obrigado a ambos de vocês, sinto-me em um novo momento, de corpo cansado, mas sem peso nas costas, vou caminhar um pouco por este novo mundo e procurar um local para me deitar, bom ver vocês, em algum momento conversaremos mais, mas por hora quero achar um local confortável por aqui — diz Preguiça.

Caminhando já levantando o braço esquerdo em um leve acenar ele já vai dando as costas

Ficamos eu e Avareza olhando um para o outro e pergunto:

· E então, Avareza, o que planeja fazer nesta nova casa?

· Ainda não sei, Luz, mas gostaria de pedir algo.

· Peça, Avareza, você sempre foi tão solicita comigo.

· Então eu quero você, Luz.

· Eu? Não entendo ao que se refere.

· Temo estar nesse novo local só, gostaria que pudesse ter você comigo.

· Entendo. Tudo bem, Avareza, podemos estar juntos por aqui.

· Obrigado, Luz, bom possuir algo depois de perder tanto.

· Possuir é? Cer….certo. Estou indo encontra mais um de nosso amigos expulsos, vi que ele caiu ao norte daqui, quer me acompanhar?

· Parece uma ideia cativante, mas não acha que deveríamos construir algo nosso para nos proteger por aqui?

Não consegui segurar a risada nesse momento e falei:

· Nos proteger? Desde quando precisamos disto, Avareza, somos imortais.

· Somos imortais, Luz, mas você não sente?

· O que, Avareza?

· Essas novas sensações, sinto um receito um medo de algo que não sei definir bem em palavras.

· Deve ser a mudança repentina de ambiente, não acho que haja motivos para ter medo, todas vidas que encontrei por aqui são bem primitivas e animalescas, elas apenas fogem a nossa presença.

· Certo, certo, Luz, se você diz, vou acreditar em você, mas temo por minha, nossa segurança.

· Não tema, Avareza, nada pode nos machucar, sigamos ao encontro de nosso novo visitante.

· Tudo bem, vamos.

Caminhamos por algum tempo até chegar no local de queda Humildade que já não estava mais ali, desta maneira percorremos caminhando as redondezas e encontramos ela próxima a praia juntando alguns adereços que encontrava soltos pelo chão, carregando com delicadeza cada um deles. Foi quando chamei por ela:

· Humildade, o que estás a fazer?

· Olá, amigos, bom ver rostos conhecidos por aqui. Estava a coletar algumas coisas para minha nova casa

· Nova casa, Delicadeza ?! — disse com surpresa Avareza

· Sim! Fui submissa por tempo demais, agora exijo respeito e vou construir as coisas de meu jeito, você se opõe a isto?

· Não, sinta-se a vontade. Não acha que deveríamos estar construindo também uma nova casa para nós, Luz? — indaga Avareza.

· Para nós, Avareza?

· Sim, você disse que estaria comigo, Luz.

· Vocês estão juntos nesse novo plano? — pergunta Humildade.

Respondemos simultaneamente:

· Sim — responde Avareza.

· Não — respondo.

Respondemos simultaneamente novamente:

· Um pouco, é algo novo para ele — diz Avareza.

· Um pouco, estou apenas acompanhando ela no se acostumar com a terra — eu digo.

· Entendo, não tenho interesse de ser ninguém tão cedo, agora que possuir e controlar as minhas coisas do meu jeito, e mais uma coisa, meu nome agora é Vaidade e espero que possam se acostumar com ele rapidamente — se posiciona Humildade.

· Podemos sim, acho que até combina mais com esse novo olhar — diz Avareza.

· Seu desejo é uma ordem, Vaidade, seja bem vinda ao nossa terra — digo abrindo os braços.

· Nossa, é? Somos os únicos moradores daqui, quantos somos? — diz Vaidade

· Não sei ao certo, diria que somos oito até agora, contando comigo, mas não vi mais ninguém caindo, não sei se o Divino se cansou de jogar-nos para cá.

· Acho que devemos ir cuidar de nossas coisas, Luz, Vaidade parece estar bastante ocupada construindo sua nova casa na praia ou algo do tipo — diz Avareza.

· Sim, acho que devem ir, estou ocupada no momento. Mas acredito que devemos sentar todos em algum tempo para conversar, eu posso liderar uma conversa entre nós, no sentido de entendermos e organizarmos os pedaços desse novo mundo — diz Vaidade.

Pensava nesse momento e quanto minhas palavras tinhas os afetado, ou a expulsão do céu, pareciam totalmente diferentes, mas sentia mais realidade neles, estava a gostar disto, então segui com o jogo deles.

· Sim! Vaidade, acredito que devemos sentar, e sinta-se a vontade para liderar uma conversa entre todos nós, irei avisar os outros, podemos no encontrar naquela enorme árvore central ao sul, parece-me um bom lugar, o que acha? e sim, Avareza, podemos já ir.

· Sim, parece uma escolha conveniente, Luz, nos encontramos lá em quatro ciclos, avise aos outros. — Responde Vaidade já arrumando os adereços que carrega e caminhando em direção contrária a nós.

Ando junto a Avareza então a cada um dos outros, avisando-os sobre nosso encontro em determinado tempo e passo uma boa parte deste tempo convivendo com Avareza e seus diversos e repetitivos anseios, acabo me acostumando aos poucos, realmente não me importo muito.

Se passam alguns ciclos e todos nós já estamos fora de casa há muito tempo, acredito que todos acabaram se acostumando um pouco com a vida aqui, mas ela tem se tornado repetitiva e cansativa, não sei se isto daqui era como um aquário de formigas para o Divino, mas tem sido bastante tedioso para mim, mesmo com a presença faladora e frequente de Avareza.

Todos nos encontramos nesse momento na reunião de quatro ciclos, todos parecem felizes e bem diferentes entre si, parece que cada parte da terra os influenciou de uma maneira, já é algo bem mais interessante que os céus, estou curioso sobre o que eles vão falar. Planejei não me posicionar muito desta vez, para ver o que meus amigos refletiram sobre tudo que falei com eles. A primeira a pegar a palavra levantando o rosto junto a uma forte tonalidade de voz é Vaidade:

· Uma boa noite, meus amigos e amigas, sejam todos bem vindos ao nosso primeiro encontro de nossa nova casa, a Terra, espero que todos vocês estejam se acostumando com nossa nova vida.

Ela já parecia uma lidar nata, confiante e cheia de si, surpreendeu em muito minhas expectativas. Não tardou até Avareza dar sua voz:

· Desejo uma boa noite à todos, mas já gostaria de dizer que estou bem feliz neste novo momento, me sinto livre, suprindo minhas vontades e desejos e tendo finalmente as minhas coisas, inclusive tenho apreciado ter a companhia de Luz para mim.

Optei por me manter em silêncio esperando os outros expressarem suas perspectivas, tomando a palavra teve a vez de Gula:

· Ah, devo concordar com você, Avareza, estou amando nossa nova casa, há tanto para provar, para sentir para aproveitar, não me sinto mais limitada e fechada, sou o que sou e tenho me apaixonado cada vez mais por isso.

Até preguiça teve a iniciativa na fala:

· Meus amigos, foi desgastante vir até aqui para essa conversa, admito que tenho adorado os adornos desta terra, árvores confortáveis, bancos de areia leves, brisa refrescante, a cada poucos passos é possível um novo lugar de descanso ainda melhor que o anterior, me sinto livre da exploração dos céus, sinto-me dona de mim mesmo.

Quando Ira toma postura de fala, admito que temo o que vem a seguir, em voz alta e salivante ele diz:

· Haha, me divirto com suas perspectivas, e não sei como ficam bem sendo expulsos dos céus, aqui é sim um bom lugar, mas ele não poderia e nem deveria ter feito isto conosco, vocês são conformistas apenas, eu me abstenho dessa reunião.

Todos se surpreendem com está postura, mas compartilham de parte deste sentimento, então consentem com balançar de cabeças e o deixam ir, quando a liderança de Vaidade controla a mesa e diz:

· Bom, vejo que como eu a maioria daqui está mais satisfeita com a nova vida que jamais esteve no dito paraíso, e acho que aqui eu tenho um papel importante de apontar para nosso maior influenciador dessas consequências. Luz, abaixe sua cabeça e agradecimento a essa honraria.

Err, me pareceu um agradecimento um tanto quanto distorcido, mas entendo as intenções internas de Vaidade, levanto-me e reverencio aos aplausos de meus encarecidos anjos caídos. Quando me levanto para começar a falar algo, sou interrompido por Luxúria:

· Sim, sim, as coisas estão boas por aqui e tenho aproveitada dos muitos prazeres desta terra, esquecendo rapidamente o meu confinamento dos céus. E sim palavras de Luz foram importantes, mas sigamos em frente, eu desejo mais deste lugar e pensei em algo que Luz poderia fazer.

Me pegou de surpresa na hora, não imagino nada que eu possa fazer em especial para melhorar o conforto daqui, mas respondo:

· O que espera de mim, Luxúria, te falta algo aqui?

· Não é algo que consiga nomear, Luz, é mais uma falta do desconhecido.

· O que quer dizer?

· Quando chegamos aqui era tudo novo, não? E ao explorar fomos nos acostumando e acomodando, Preguiça está super confortável, Ira quebra tudo e apenas tem raiva, os outros encontraram seus caminhos, mas eu sinto falta do tesão da descoberta, do novo, eu adorei chegar aqui nos primeiros ciclos por isto.

· Estou começando a entender, mas admito nunca ter cogitado isto, afinal o desconhecido é um perigo até para nós caídos, Luxúria.

· É isso! Eu quero o desconhecido perigoso, eu quero o risco, quero até a dúvida!

· Percebo sua animação, mas não vejo onde posso ajudar em algo do tipo.

· Luz, você sempre foi um dos preferidos do Divino, você é o conhecimento, você é a luz como seu nome diz. Te peço que seja o pai deste mundo e faça nascer vida na terra, como o divino fez. Faça nascer a nossa imagem e semelhança, seres como nós, aja como era seu trabalho, seja Lúcifer.

· Já faz algum tempo que não me chamam assim, acabei me acostumando, mas é algo que posso sim fazer, não temo, na verdade até aprecio a ideia, mas não quero colocar nossos irmãos em riscos que não concordem, visto que estão acomodados com a nova terra.

E então Avareza toma a voz e diz com excitação:

· Eu quero isto! Serão nossos, achei uma incrível ideia, e você tem mesmo poder para fazer isto, Lúcifer ?

· Então, o Divino me chamava de estrela da manhã, sou o portador de sua luz, por isso em minha saída foi tão escuro, antes de ser substituído. Mas admito que penso sobre esse tipo de responsabilidade.

· Vamos, Lúcifer, seremos como deuses do novo mundo, isso não te parece excitante também?

· Eu dividi meu conhecimento com vocês, mas dar está luz a seres inferiores a nós, me parece um desperdício.

Gula toma espaço de fala e diz sorridente:

· Eu poderia comer eles?

· Suponho que sim, não sei ao certo.

Preguiça diz abrindo a boca vagarosamente:

· Nesse momento, estou com Ira, façam como quiserem ou vou partir dessa reunião. Mas ei, Luz, ou melhor, Lúcifer, apareço de vez em quando para brincar com suas criações, até!

Inveja então levanta-se e busca as rédeas da situação:

· Então parece que temos muitos interesses em comum aqui. Lúcifer irá criar seres as NOSSAS imagens e semelhanças, faço questão que pegue um pouquinho de cada um de nós, principalmente dos mais interessantes, Luz.

· Pera, pera, não concordei com nada disto. Preciso pensar.

Eles me olham desapontados, mas com certo respeito ainda sim, acho que acabam por apreciar o que fiz por eles, e saiu eu parto em caminha para noroeste, precisava de um pouco de solidão, ao fundo escuto falas:

· Esperamos sua resposta, Lúcifer.

· Lúcifer parece um nome melhor para um criador, pense em nós.

Entre outras coisas que não prestei muita atenção, e assim viajei por alguns ciclos, andei por diversas diferentes terras, senti diferentes temperaturas e texturas variantes por cada uma das caminhadas, e assim percebi o quanto este mundo estava vazio e quanto poderia ser sim interessante outros seres, mas seres pensamentos. E se algum dia eles nos desafiassem eu teria concluído com sabedoria o significado de imagem e semelhança, e se alguns de meus irmãos sofrerem por isso, deveriam lembrar, são seres apenas como eles, então deverão usar seus poderes para mudar ou apenas aguentar, não irei cuidar de ninguém, apenas doarei minha luz, meu conhecimento para estes seres e assistirei o que acontecer, no mínimo será uma experiência interessante para alguns ciclos.

E assim eu fui para o meio deste planeta, um grande local chamado pangeia e passei 7 sois remontando diversos pedaços deste local, a cada dia uma diferente tarefa:

· No 1o dia eu apenas espalhei minha luz aos quatro cantos do planeta

· No 2o dia: Eu separei pangeia em diferentes ilhas, separando assim meus irmãos, para que exerçam suas influências em diferentes locais, e assim eu possa experienciar melhor o caminho de minhas criações.

· No 3o dia: Com as terras já afastadas eu coordeno o crescimento de enormes desertos escaldantes com suas árvores ressecadas até florestas úmidas com árvores que ameaçam alcançar os céus, faço com que todas as árvores, plantas sejam criadores de seus iguais, eu nunca mais queria ter esse enorme trabalho, então permiti que todas minhas criações pudessem criar semelhantes.

· No 4o dia: No quarto dia resolvi fazer algo pensando apenas em mim. Como sempre tive dificuldade em perceber a passagem dos ciclos, decidi que seria bom haver alguma maneira de medir o tempo, então ativei movimentos cíclicos para minha principal luz, e estrelas próximas que acompanhavam o movimento de minha terra celeste, e assim poderia medir o tempo, e claro, eles poderiam também medir o tempo por mim.

· No 5o dia: Eu decidi que deveria haver dominadores e dominados, consumidores e consumidos, para que assim nunca houvesse um balanceamento imutável como é nos céus, eu queria uma justiça caótica, onde nunca seria possível ser o dominador do todo, eu nunca quis ser deus, mas agora que tomei este papel, quero está tarefa de maneira bem diferente de meu opressor. Criei criaturas que voavam e poderiam ver tudo, criei poderosos animais que podiam rasgar minhas árvores, gerei pequenos roedores que poderiam se esconder por baixo delas, produzi insetos pequeninos que as grande feras nada poderiam fazer, e deixei alguns bem perigosos para elas, criei um desbalanceamento variante e belo, o caos iria reinar e assim ninguém seria dominante supremo em nossa amada Terra e assim preenchi todo o planeta, do fundo dos mares até o topo dos céus.

· No 6o dia: Chegando ao final de meus dias trabalho, eu permiti que todos os seres então se reproduzissem e se espalhassem em grande quantidade pelo planeta, se caçando, se penetrando, expandindo e eliminando suas próprias existências. Ao final coloquei o pedido mais requisitado por meus irmãos, espalhei centenas de seres nossa imagem e semelhança por cada um dos cantos do planeta, cada um com diferentes desafios a vencer, para ver se algum dia eles iriam sobreviver, crescer e talvez nos afrontar, e como eu sentia tesão e imaginar um dia ser desafiado por criações a minha imagem e semelhança, mas era muito cedo para isso. Então para dar maiores chances a eles dei mais conhecimento que para todas as outras criaturas, mas tirei deles poderes ou vantagens físicas sobre elas, se eles algum dia quisessem vencer neste mundo, deveriam ter o poder de seu pai, a minha luz, o conhecimento, e ficava extasiado apenas em pensar no que poderiam fazer com isto, eu nunca soube e não sabia o futuro, mas como o tempo não me faz diferença, minha imortalidade me contaria tudo cedo ou tarde, e quero me divertir por todo o caminho de horizonte cíclico.

· Então, no 7o dia: Eu olhei para o céu sorri, e chamei por meus irmãos presentes aqui na terra, apresentei o que havia criado e pedi que se espalhassem e agissem como quisessem sobre todos os seres, e que apenas se divertissem e fossem eles mesmos com nosso novo mundo, nossos filhos e nosso eterno, belo e imoral caos. E então neste dia eu descansei e deixei meus irmãos fazerem como preferiam. Deitado e em paz esperei pelo inicio do 1o dia de meus filhos a nossa imagem e semelhança em todos os aspectos.

Antes de cochilar, eu pensei em voz alta:

· O que será que eles irão fazer ou pensar da onde vieram com o passar dos séculos.

Sem conseguir conter o sorriso em minha face, olhei para o horizonte e disse:

· Sejam bem vindos a era do conhecimento e do livre arbítrio, meus pequenos, façam desse mundo o que nos fizemos dele, apenas do jeito que quiserem….

Talvez tenha dito algumas coisas mais, mas não me recordo, cai no sono minutos depois e agora apenas olhos para trás e animado penso:

· Humanos, aiai, inquietos humanos, o que ainda vem pela frente?

Agradecimentos especiais a Luiza F. Nunes por correção gramatical.

Referências

--

--

Ludo
Planger

Experience Designer. Academic Outlaw. Zealous Gamedesigner. DeFi Enthusiastic. Passionate Borderless. Provocateur Performer. Art Activist.