Hierarquia da informação e conteúdo para apagar incêndios

As FAQs em tempos de coronavírus

Danilo Barra
UX Despegar
8 min readSep 9, 2020

--

Eu não estava preparado. Ouvia notícias de longe, lá da Ásia e da Europa, sobre esse tal de coronavírus , mas jamais pensaria que estaria em meu 5 ° mês seguido de home office e tendo que lavar todas as minhas compras ao chegar em casa. Jamais passou pela minha cabeça um ano tão incomum.

O que fazer quando o mundo parou e você precisa apresentar soluções aos seus usuários?

Se a minha rotina estava abalada, imagine o mundo dos negócios. Bancos planejando pagamentos de benefícios, microempresários migrando em velocidade recorde para o e-commerce, hotéis e linhas aéreas fechando e todos juntos pensando: o que será do amanhã e como assessoraremos nossos usuários?

Trabalhando como Content Strategist na Decolar, agência de turismo online, tive que deixar quase que a totalidade da minha rotina de lado e pensar em soluções urgentes aos nossos usuários, que não tinham ideia do que fazer com suas reservas. Eu me senti como um aprendiz de bombeiro em seu primeiro dia de aula e, antes da aula teórica, já dentro de um caminhão de resgate a caminho do seu primeiro atendimento.

FAQs V1 - Onde começar em meio ao caos?

Nenhuma estratégia de conteúdo sai perfeita em sua versão 1. Em nosso caso, tudo começou nas FAQs (Frequently Asked Questions), a seção de perguntas e respostas. Os países começaram a fechar suas fronteiras e, entre nós, não tínhamos a dimensão que a pandemia tomaria. A métrica que tínhamos era dos acessos às FAQs, um salto de cerca de 350% de visitas em relação à semana anterior.

Portanto, o primeiro passo foi criar uma nova seção exclusiva para informações sobre o contexto coronavírus e comunicar aos usuários quais destinos estavam sendo afetados.

Em seguida, vieram as políticas das companhias aéreas. Conforme surgiam as notícias e as novas políticas de cancelamento das linhas aéreas, começamos por compartilhar com os nossos usuários as 9 políticas mais relevantes.

Mas não era um trabalho escalável. A cada nova atualização, tínhamos que fazer o update nas FAQs e não estávamos falando mais de 9 companhias aéreas. Passamos a dezenas delas.

A versão 1 das nossas FAQs era uma lista de políticas das companhias aéreas, um trabalho infinito…

Pausa em meio ao incêndio. Hora de planejar a estrutura

Parar em meio ao incêndio é inviável. Mas usemos o termo parar em termos metafóricos. Enquanto nutríamos o usuário de informações de fronteiras fechadas, políticas de alteração das companhias aéreas e procedimentos para os cancelamentos, era preciso pensar em como organizar melhor esse conteúdo: a hierarquia da informação.

Mas por quê parar para pensar nisso justo agora? Em termos de UX, não é recomendável dar um jornal inteiro nas mãos do usuário e dizer a ele que busque a informação que lhe corresponda. Sim, o jornal pode estar acessível por completo, mas temos que oferecer a informação que interessa ao usuário, ou seja, precisávamos afunilar esse conteúdo.

Nessa etapa, nosso passo 1 foi entender a situação, ou seja, ouvir o que o usuário anda dizendo. Portanto, fizemos uma análise dos comentários, principalmente em relação à utilidade do conteúdo das FAQs, mas também o que os usuários estavam opinando nas redes sociais e em polls (enquetes) que geramos através do Hotjar.

E, a partir dessas análises, conseguimos entender não só a quantidade de respostas que os usuários pediam, mas como podíamos orientá-los para solucionar os seus problemas.

Passo 2: sempre dar uma resposta apresentando uma solução. Isso detalho um pouquinho abaixo, no próximo intertítulo.

E o passo 3: sempre que possível, incluir um Call to Action (CTA), ou seja, um link que redirecione o usuário ao fluxo correspondente à sua necessidade para que tome sua decisão.

Por fim, o último passo surge com base nessa aproximação ao usuário. Aqui, entendemos as necessidades e, finalmente, pudemos pensar na hierarquia das perguntas, na personalização da informações e no storytelling de acordo com o interesse/necessidade do usuário.

Assim, criamos 3 categorias dentro do fluxo de conteúdo para o coronavírus:

  • Informações sobre o que fazer com sua viagem: onde passamos a orientar aos usuários o que deveriam fazer de acordo com o momento da sua viagem (pré-viagem, pós-viagem ou passageiro em destino).
  • Informações sobre voos e políticas de companhias aéreas: aqui reunimos as orientações específicas das companhias áreas e o que fazer para manter a passagem em aberto para usá-la futuramente.
  • Informações sobre hospedagens e outros produtos: por fim, nessa segmentação, organizamos as perguntas e respostas de todos produtos não-aéreos e segundo a legislação vigente em cada país. Por exemplo: as FAQs do Brasil incluem odas as variáveis segundo os decretos locais, e assim sucessivamente para os demais países em que a Decolar opera.
Finalmente, informações hierarquizadas e segmentadas por temas segundo a necessidade dos usuários

Em resumo, um conjunto de ações definiu essa hierarquia de informação:

  • Benchmark externo das companhias aéreas e agências de viagem
  • Análise de métricas de heatmaps e recordings no Hotjar
  • Análise de comentários de utilidade das FAQs e também das nossas redes sociais
  • Análises de pesquisas com usuários
  • Prova de conteúdo com usuários
  • Pedidos de stakeholders

Até aqui tudo bem. Mas como as FAQs solucionam os problemas?

Pois bem! Imagine o seguinte cenário: explodiu uma bomba. A partir dessa bomba, a primeira atitude das pessoas envolvidas é ligar para alguém para entender o que estava acontecendo e o que acontecerá a partir de agora.

Resultado: um call center congestionado. Centenas de atendentes trabalhando a 200% e, mesmo assim, impossível dar conta de tanta gente precisando de respostas. Além disso, a cada hora surgiam novas informações: decretos, publicações legais, novas políticas de alteração e cancelamento, falência de companhias aéreas, suspensões de voos, restrições em fronteiras por países. Cada dia se complicava mais…

Além de responder todas essas dúvidas, o segundo propósito de uma FAQ deve ser apresentar soluções. De nada adianta uma fonte com boa leitura, hierarquia e segmentação de informação, design gráfico e outras estratégias se o conteúdo não leva o seu usuário à solução que ele busca.

Lembra da análise de comentários que nos ajudou a definir a hierarquia da informação? Pois é, ela também foi fundamental para separar casuísticas. É como organizar uma fila, por exemplo:

  • Quem quer cancelar? Fluxo 1.
  • Quem quer alterar? Fluxo 2
  • Quem prefere deixar a passagem em aberto? Fluxo 3
  • Quem está no destino e precisa de ajuda imediata? Fluxo 4

… e assim por diante, com um passo a passo se possível. E, novamente, CTA (Call to Action) em todos os fluxos possíveis.

Outro ponto importante é usar as FAQs para conversar também com aquele usuário que possui uma reserva ainda sem solução, informando a ele que aguarde que informaremos em breve o que deverá fazer.*

*Sim, há informações nas FAQs que não contam com CTAs. São casuísticas de status, baseada na Heurística de Status de Nielsen. É muito relevante que você não deixe seu usuário sem respostas, nem o abandone no meio de uma tempestade. Ainda que a resposta seja: “aguarde que a sua solicitação está sendo analisada e há atrasos devido ao contexto atual”, é importante que o usuário se encontre entre as situações e não fique sem respostas.

Com fluxos bem mapeados, CTAs e mensagens de contenção, seu usuário encontrará o que ele precisa para não ser obrigado a usar o telefone para tirar dúvidas com sua empresa.

Detalhe de uma das perguntas segmentadas, com informações destacadas, warnings e submenus

Apague incêndios com mapas de calor

Parece uma piada infâme, mas não é. Uma ferramenta fundamental para monitorar como o usuário interage com as novas informações e mudanças de estrutura é o mapa de calor, popularmente conhecido como heatmaps.

Nas FAQs, tão logo fazíamos uma nova alteração, criávamos um heatmap para acompanhar os cliques e interações. Com isso, comprovávamos se o usuário estava lendo o novo conteúdo e se interagia com os CTAs.

Use e abuse dessa ferramenta que te dará dados rápidos e valiosos.

Por fim, métricas que comprovam a eficiência das FAQs com conteúdo hierarquizado

Ler comentários pode ser desanimador. Isso porque é cultural que reclamações sejam públicas, elogios sejam privados. Quando somos bem-atendidos e temos nosso problema solucionado, nos damos por satisfeitos e fim da história. Eu mesmo recebi 4 e-mails nesta semana para avaliar produtos que comprei online. Todos produtos chegaram antes do prazo previsto, sem problemas, nada a criticar. Pois bem, avaliei apenas um deles (positivamente, inclusive).

Dito isso, acrescento um dado: menos de 5% dos comentários em nossas FAQs são positivos. Isso porque a lógica das nossas FAQs é ter a seguinte pergunta ao final de tudo: ‘A informação foi útil?’ Quando o usuário responde que sim, agradecemos e fim. Mas quando vota que não, abrimos uma caixa de diálogo para que relate o motivo, o que torna os comentários negativos mais recorrentes.

Então, como medir a eficácia do conteúdo das FAQs se apenas comentários não servem de parâmetro? Lembre-se do objetivo original: “As FAQs existem para que o usuário seja autônomo, ou seja, que encontrem soluções para as suas dúvidas. Isso é redução de custos. Quanto mais soluções em conteúdo, menos… ligações no call center!

Então, definimos as seguintes métricas:

  • Comparativo de acessos desde o início do contexto atual (segmentado por pergunta)
  • Quantidade de acessos únicos

… e, principalmente:

  • Quantidade de ligações pós-visita às FAQs

Notar a partir daquele momento que metaforicamente eu nomeei como a explosão da bomba, ou que observamos foi que 54% das pessoas ligavam ao call center após acessar as FAQs , chegando a um pico de 75% .

Atualizações, atualizações de perguntas e hierarquização das informações, podemos baixar esse percentual para 26%, nosso menor índice. Falando em média , reduzimos esse rebote para 35% . :)

Enfim, o que aprendemos durante o incêndio

Mais do que gerar informação, é preciso:

  • Ter muito cuidado com o excesso de informação .
  • Segmentar as informações por produto e de acordo com as dúvidas dos usuários.
  • Evite respostas subjetivas. Seja claro, inclusive se exigir que não está dando conta de apagar o incêndio.
  • Planeje e estruture uma hierarquia da informação . Para isso, por mais que o incêndio esteja 'queimando a pele', leia os comentários dos seus usuários constantemente.
  • E que todas as suas interações selecionadas alinhadas com métricas , para que você possa avaliar o sucesso das atualizações.

Por fim, considere como FAQs como uma grande aliada, não apenas sua, da sua empresa e do seu produto, mas principalmente do seu usuário. Não importa se o momento é de contingência (um coronavírus caótico que te obriga a soluções repensar), para o usuário uma situação sem solução é sua própria emergência.

Você é apaixonado por viagens, desafios profissionais e compartilhamento de experiências? Então junte-se à nossa equipe de UX e ajude outras pessoas, assim como você, a terem a melhor experiência de viagem com a Decolar. Acesse www.despegar.com/sumate

--

--

Danilo Barra
UX Despegar

Jornalista por formação e UX Content Strategist. Apaixonado por livros e as palavras que os compõem. Criador de conteúdo desde a origem dos blogs.