Projetando produtos focados no Ecossistema dos usuários
A qualidade não será mais medida em como as interações são feitas dentro de um produto e sim entre produtos. Microsoft está nos ensinando a projetar melhores experiências baseadas na integração entre produtos e ecossistemas.
Todos os dias eu tenho uma rotina muito parecida. Acordo com o som do meu celular, aquele barulho lindo de sirene do caminhão dos bombeiros e, para ter certeza que vou levantar, configuro 874.351 alarmes, um a cada minuto.
Em seguida vou direto ligar o aquecedor, e enquanto a água está esquentando começo a fazer as tarefas planejadas para aquela manhã. Uma das principais atividades que gosto fazer é sentar em frente à TV e ficar assistindo o noticiário para saber das novidades; às vezes é o único horário em que isto acaba acontecendo. Para que eu consiga assistir, preciso ligar o aparelho de TV, o som, a TV a cabo etc., usando um quantidade imensa de controles, que às vezes perco (ou como gosto de me defender, eles fogem de mim).
Depois do café da manhã, banho tomado e dentes escovados vou em direção ao trabalho. Na maioria das vezes acabo indo de carro pelo conforto e para não chegar (muito) atrasado. Para sair da garagem também é uma luta contra os controles e minha habilidade de esconder as coisas de mim mesmo. Para piorar, ainda preciso de dois: para o portão de dentro e para o de fora.
Chegando ao escritório, também tenho sempre um ritual: o de lutar para não perder o ticket do estacionamento. Assim que emito-o já o coloco direto em meu bolso para não dar chance ao azar — já aconteceu algumas vezes — e acabar perdendo ao longo do dia, criando uma grande chateação e perda de tempo. O mais engraçado é que isso sempre acontece quando você está atrasado para um compromisso.
No meio do dia vou à academia, não para ser saudável, ou no mínimo não só para isso. Tenho que ir — fisicamente — com meu ticket garantir o desconto do estacionamento, pois sem ele a facada é ainda maior.
Indo para casa também tenho uma rotina: desço até o estacionamento, vou até o caixa, pago, coloco o ticket direto em algum lugar seguro, entro no carro, saio e vou em direção à minha casa.
Esse é só um breve resumo da minha rotina que acontece diariamente e quase sempre é a mesma.
Internet of Things: a tecnologia presente em todos os lugares
Costumo analisar com frequência as interações que fazemos de forma automática para refletir como elas estão presentes em nossas vidas e nem as percebemos. Inconscientemente acabamos fazendo diversas ações que não trazemos à luz do nosso consciente mas que nos geram experiências, positivas ou negativas. Pude observar que em diversas delas a tecnologia está presente, de forma orgânica e desorganizada, gerando um sutil desconforto.
Observando o cenário atual e as tendências previstas, esta presença tende a ser exponencial, e cada vez mais fará parte de nossas rotinas. Podemos observar isso com a tendência da IoT, the Internet of Things, um conceito que trata da conectividade entre objetos.
Trazendo essa percepção para um cenário real e usando a minha rotina como exemplo, pude perceber como os sistemas dos produtos tecnológicos poderiam ser mais integrados para facilitarem nossas vidas, solucionando problemas e gerando assim enormes benefícios.
Eu imagino um cenário onde eu acordo e, sabendo disso, meu sistema de aquecimento liga através de uma simples integração com o celular. A TV, conectada a todos os outros aparelhos, simplesmente se liga, com tudo já configurado, podendo transmitir meus programas prediletos do dia anterior que perdi e desejo assistir.
Se o sistema do estacionamento fosse integrado com o da academia e tivesse um relacionamento com o meu celular minha vida seria muito mais agradável: nunca mais precisaria ficar me preocupando com o ticket do estacionamento e não teria de ir até ela só para validar o desconto, chegaria no guichê e simplesmente entraria e sairia. Tudo seria transparente; a lógica e a complexidade estariam "por trás dos panos".
Projetando para uma Realidade Ubíqua
Assisti uma palestra bastante inspiradora de Bill Buxton, um dos mais famosos pesquisadores do Microsoft Research Institute. Ele conseguiu, de forma brilhante, trazer à luz todos os problemas que a tecnologia irá causar em nossas vidas se os produtos e serviços não mudarem seus posicionamentos.
Resumi abaixo a apresentação realizada no Interaction South America 2013, porém aconselho dedicar uma hora do seu dia para escutá-la. Não encontrei o vídeo da apresentação feita em Recife, mas existe uma similar feita no Tech Fest 2013:
http://research.microsoft.com/apps/video/default.aspx?id=188797
O interessante de seu diagnóstico é ver como os produtos e serviços precisam urgentemente mudar suas experiências, caso o contrário seus usuários ficarão saturados e metaforicamente vomitarão a tecnologia de suas vidas.
“The More You Eat The More You Want”
Buxton, de uma forma dramática mas também engraçada, aprofunda sua tese comparando a tecnologia com o famoso biscoito americano Cracker Jacker. O pesquisador comenta que os adocicados eram uma febre e, quanto mais você comia, mais sentia vontade de comer. Literalmente as pessoas comiam até vomitar, dando origem a um ditado popular: “The Cracker Jack`s Effect”.
É neste ditado que Bill Buxton se apoia para exemplificar sua pensamento. Imagine os produtos e serviços que temos hoje. De forma singular, eles estão cada vez mais fluidos e fáceis de usar, dando vontade de consumi-los. Se observarmos um cenário micro, onde só analisamos uma experiência, não teríamos problemas. Porém, quando analisamos não uma mas um conjunto de experiências, e este conjunto não se comunica com um sistema mas vários, a soma de todas essas complexidades — como o Cracker Jack`s Effect — fará com que o que era fácil e “gostoso” se torne complexo e “enjoativo”. O gráfico abaixo exemplifica o conceito:
Bill Buxton define que para alcançarmos um futuro agradável e que a tecnologia não nos leve a um final triste as experiências precisam:
1- Funcionar — o mais básico — , atingir os objetivos que os usuários esperam;
2- Fluir, que sejam agradáveis fazendo com que os usuários se “encantem”;
3- Trabalhar em conjunto, agregando a antigas que já existem. Os sistemas devem se somar.
Build 2015: Microsoft e sua nova Plataforma
A Microsoft apresentou sua nova visão no evento que aconteceu do dia 29 de Abril a 1 de Março. Claramente conseguimos ver o conceito que Buxton apresentou em 2013 onde para um novo sistema ser lançado ele necessariamente precisa agregar valor a outro.
O conceito chamado de Universal Plataform defende que desenvolvedores produzam um código para rodar em todos os dispositivos Windows (PC, Tablets, Celulares, Xbox, HoloLens etc.). Além disso, através do novo Visual Studio, é possivel importar qualquer linguagem de desenvolvimento e simplesmente integrá-la à plataforma Windows.
Além de uma plataforma única de software eles possuem devices como o Xbox, que centraliza hardwares de diversos tipos de fabricantes, mesmo possuindo sistemas fechados. O video game se transformou em um Media Center, onde o usuário conecta e gerencia seu aparelho de TV, som e TV a cabo, através das praticidades da Microsoft: Kinect, aplicativos, dispositivos e até mesmo o site onde é possível manipular os conteúdos remotamente.
Talvez ainda não seja um cenário que o próprio Bill Buxton considere ideal, mas com certeza é um caminho.
Para um futuro saudável
Os produtos e serviços precisam parar de projetar suas experiências como “ilhas dentro de um oceano” e começarem a ter uma maior integração uns com os outros.
Os usuários possuem somente uma vida, e precisam conciliar todas as suas tarefas diárias, prazeres e obrigações. Os produtos e serviços fazem parte de uma rotina juntos, e não separados, e se não trabalharem de forma integrada acabarão naufragando abraçados. Os que se destacarão serão aqueles que se integrarem e se tornarem transparentes, fluidos, não somente em suas experiências mas também contribuindo para criar um ecossistema conjunto.
Não precisamos olhar somente para os exemplos da Microsoft, já existem mais sistemas trabalhando de forma simples porém integrada. Hoje alguns carros já se conectam aos celulares de seus donos, e quando estamos dentro interagimos com uma fusão entre os dois dispositivos, usando sensores, processamentos, redes e interações de ambos.
Não é mais uma questão fluidez e transparência dentro de um produto, mas sim entre produtos.
“In the future, quality of experience will be determined by how products work together, in concert, with the rest of the eco-system, not just by the quality of experience of any product on its own — no matter how good that individual experience will be.” — Bill Buxton
Um agradecimento especial a @brunatv, @felipeluize, @eduardoin e @marceloferranti que tiveram a paciência e carinho de me ajudar revisando o conceito e o texto.