Momento freelancer: testando a usabilidade de uma plataforma

Gregório F. Bandeira
Gregório UX Portfolio
8 min readOct 26, 2021

Introdução e cenário

Recentemente, ao segundo semestre de 2021, recebi uma proposta de uma startup para fazer um orçamento de um teste de usabilidade — o meu primeiro de forma profissional! Até então só havia realizado testes em cursos e/ou com conhecidos.

Desta vez era diferente: eu estava prestes a realizar testes de usabilidade com profissionais reais, incluindo diretores de grandes clínicas.

A startup está lançando uma plataforma de recrutamento focado para a área da saúde. Inclusive já possuíam um MVP pronto, e me convocaram para analisar a viabilidade do produto digital pois estavam com receio de precisar refazer a plataforma após o lançamento. A empresa é de Balneário Camboriú e eu me encontrava na cidade de Blumenau, ambas no estado de SC.

(Quantidade de testes de usabilidade recomendados. Fonte: N/N Group)

Além do intuito de analisar a usabilidade, a empresa também queria criar um vínculo com clientes-chave. Assim, a princípio encomendaram 30 testes de usuários mas, seguindo as recomendações da N/N Group, sugeri 5 testes para cada grupo de clientes (sendo um as clínicas e hospitais que recrutam e o outro grupo os profissionais a serem recrutados), realizando mais testes conforme as melhorias forem implantadas. Também focamos em uma subárea da saúde em específico por questões estratégicas.

Além de entregar um número significativo de insights relevantes, a nova quantidade de usuários também tornava o processo mais ágil sem interferir na qualidade, agradando o líder do projeto.

Objetivo

  • Eficácia: se um usuário irá conseguir ou não realizar uma tarefa. Aqui o valor é binário, como apontado por Josias, podendo ser apenas “sim” ou “não”;
  • Eficiência: diz respeito a como as pessoas realizaram uma tarefa: se conseguiram concluí-la.

Com este conteúdo em mente, a meta definida era que todas as pessoas conseguissem concluir as tarefas propostas, e seguindo uma ordem de ações dentro da plataforma. O próximo passo foi a criação das atividades do roteiro.

Elaboração do roteiro

Ficou acordado que a startup ficaria encarregada de recrutar as pessoas para o teste por já serem da área e terem maior facilidade em conseguir um público estratégico. Enquanto estavam selecionando os usuários eu trabalhei em como realizaria as entrevistas. A grande questão era:

Como extrair informações de usabilidade e de comportamento do público de forma não-enviesada e ocupando o mínimo de tempo possível de profissionais importantes?

Eu estava certo que precisava extrair as informações da forma mais imparcial possível, tendo em mente que precisava evitar efeitos como o backfire e o viés de afirmação. Anteriormente a equipe havia me apresentado o MVP, e pude perceber como eles estavam certos — e orgulhosos — com a implantação de algumas ferramentas nas quais acreditavam que seria um grande sucesso com os usuários. O meu objetivo era explicar como os usuários se comportariam frente a essas ferramentas, independente dos resultados.

Em paralelo, tinha contato constante com o CEO onde conversávamos diariamente sobre o recrutamento e o perfil das pessoas selecionadas. Logo no início me foi informado que teria, por exemplo, diretores e diretoras de clínicas respeitadas de Balneário Camboriú no teste. Como criar um teste que não “alugue” por muito tempo pessoas de altos cargos, porém sem prejudicar os resultados?

Comecei realizando uma pesquisa relendo alguns conteúdos de curso que havia estudado e consumindo novos materiais sobre o tema como artigos de pesquisas, ferramentas e metodologias. Também realizei alguns testes com o MVP para entender o que era possível de testar. Estas informações me ajudaram a estruturar um modelo consistindo em 4 etapas para aplicar com os(as) usuários(as):

  1. Tópicos de lembretes no início, para deixar as pessoas que participaram da pesquisa mais confortáveis, e para eu evitar esquecer de alguma informação importante;
  2. Breves perguntas “quebra-gelo” para deixar a pessoa mais à vontade. Tentei direcionar essa etapa para a vida profissional, já que é apontado como um assunto que as pessoas gostam de falar sobre e ao mesmo tempo geraria informações relevantes para o trabalho;
  3. Criação de cenários e atividades, para entender como as pessoas se comportam em relação a plataforma;
  4. Perguntas abertas e de escala para finalizar a conversa obtendo mais algumas informações gerais

Com as perguntas e sessões definidas, imprimi todas as questões em uma folha para servir como um guia enquanto entrevistaria a primeira pessoa. Conversando com o time, criamos alguns cadastros fictícios de perfis e vagas para ajudar na simulação.

(Detalhe dos roteiros impressos com anotações feitas ao longo das conversas)

Como os testes seriam remotos, precisei entender também quais plataformas e ferramentas eu utilizaria — o que gerou mais uma pesquisa. Analisando os recursos, complexidade e conhecimento do público, optei em realizar as entrevistas pelo “GoogleMeet”, fazer as anotações nas folhas e então compilar os resultados no “Miro”. O grupo de usuários “recrutadores” fizeram os testes pelo computador espelhando a tela do navegador, enquanto os usuários “candidatos” compartilharam a tela do celular e utilizaram o aplicativo teste.

Com todos os pontos definidos chegou a hora de testar.

Agendamentos

O levantamento dos contatos estava pronto e era hora de eu começar a enviar mensagem para os usuários e usuárias. O CEO da startup comentou com as pessoas que eu entraria em contato falando brevemente sobre o que se tratava, para não correr o risco de criar possíveis sentimentos negativos em ninguém, como ansiedade ou nervosismo.

Antes dos testes já havia um desafio: a maioria das pessoas possuíam o sistema iOS, necessitando baixar um aplicativo específico para ambiente de testes.

(Imagens para explicar como utilizar a plataforma em ambiente de teste no sistema iOS)

Como isso é algo que não faz parte do dia a dia da maioria dos usuários-alvo, tive de criar um pequeno guia didático que enviei ao agendarmos as conversas. Felizmente, todos conseguiram realizar os passos com sucesso.

No meu trabalho passado atendi 60 empresas pequenas e tradicionais, o que me exigiu trabalhar a minha didática. Além disso, desenvolvi habilidades de empatia e comunicação, que foram essenciais na hora de agendar os testes. Um dos motivos para essas habilidades serem importantes é a constante remarcação de horários, algo que lidei bastante no último trabalho e aprendi a “ter jogo de cintura”.

Alguns prospectos não conseguiram participar dos testes, mas em um trabalho junto com o CEO, conseguimos encontrar uma saída com outras pessoas.

Testes

Enquanto ainda terminava de (re)agendar os horários, já estava iniciando alguns testes; e o primeiro serviu como um pequeno protótipo. A cada conversa com usuários, fui percebendo alguns pontos que poderiam melhorar a experiência e os fui testando, fazendo pequenas modificações em palavras ou perguntas.

(Screenshots de alguns dos testes realizados)

Começava as conversas de forma a tentar deixar a pessoa confortável ao mesmo tempo que passava algumas informações gerais para ela entender melhor o porquê de estar ali.

O segundo momento foi com perguntas casuais para criar um vínculo, porém tentando entender como se dava o comportamento dos(as) usuários(as). Então eu partia para as ações.

Ao explicar os cenários, simulava algumas situações desde o “descobrimento” da plataforma por recomendação de alguém conhecido, passando pelo cadastro e depois simulando ações do dia a dia, cadastro de vaga, mudança de urgência da candidatura após um tempo, entre outras atividades previamente definidas.

Por fim, perguntava abertamente por exemplo o que acharam do layout da plataforma e qual nota dariam para a velocidade de desempenho (de 1 a 5). As respostas levavam para outras perguntas para entender melhor o dia a dia do público.

As conversas ocorreram sem grandes problemas — apenas algumas modificações de horários, uma clínica que ficou sem internet entre outras questões pontuais, mas que conseguiram ser resolvidas com resiliência.

Como muitas pessoas possuíam cargos altos e/ou aguardavam pacientes, pois optaram pelo horário comercial, os testes duraram entre 30 e 45min.

Resultados

Com todas os testes finalizados chegou a hora de compilar as informações. Para isso, segui alguns casos de pesquisa que estudei para me inspirar e utilizei a plataforma “Miro” para ler os insights levantados.

Organizei o arquivo da seguinte maneira: dividi em duas linhas horizontais conforme os grupos de usuários (recrutadores e candidatos), e em cada linha criei quadros para as atividades principais que foram analisadas. Por exemplo: o primeiro quadro foi para colocar as informações a respeito da atividade do dia a dia das pessoas usuárias, o segundo em relação ao cadastro e visão geral da plataforma, e assim por diante. Cada usuário(a) recebeu um código em formato de letra para manter o anonimato.

(Compilação das informações dos testes na plataforma “Miro”)

Revisitando as anotações das folhas, transcrevi os resultados de cada atividade para “post-its digitais” dentro da plataforma, nos quais receberam cores diferentes conforme o impacto no projeto:

  • azul foi a cor escolhida para indicar uma ação neutra e/ou que já fosse esperada;
  • verde mostrava atividades em que ocorreram reações positivas dos participantes.
  • Já a cor vermelha demonstrava o oposto: momentos de frustração ou atividades que não conseguiram ser completadas.

Essa organização visual facilitou a leitura das informações, possibilitando encontrar padrões das respostas e analisar atividades que foram concluídas como esperado ou não — ou seja, a eficiência e a eficácia nos testes.

Por exemplo: uma atividade envolvendo edição de perfil só foi concluída por 17% dos participantes, e uma de atualização de vagas teve apenas uma pessoa que percorreu o caminho esperado para chegar à página pretendida.

Os resultados foram condensados em um arquivo no qual apresentei para os membros da startup. Como não conheciam o funcionamento dos testes de usabilidade, preparei uma apresentação um pouco mais detalhada, onde pudemos também conversar sobre desdobramentos dos resultados. Esta atividade guiou os próximos passos e a estratégia da startup. Também debatemos juntos as possibilidades de melhorar a experiência de uso do serviço e qual seria a viabilidade técnica destas mudanças.

Conclusão e aprendizados

Com certeza essa atividade se demonstrou um desafio, por ser o meu primeiro trabalho freelance e sem contar com uma troca de experiência de alguma outra pessoa de UX no projeto. Para converter essa situação, tive que conversar com outros profissionais, pesquisar na internet e alinhar bem as expectativas com a equipe da startup.

Apesar das dificuldades, fiquei feliz com o resultado — principalmente por ter sido apreciado pela equipe. As informações guiarão as mudanças no produto, para então ser lançado oficialmente. Por exemplo: os membros estavam apostando em uma função específica que demonstrou não agregar muito valor ao público a ser atingido.

Com certeza meus próximos testes serão um pouco diferentes, pois aqui já pude ver, conforme progredia nas conversas, algumas mudanças que traziam mais resultados:

  • uma dessas mudanças seria tentar formar um rapport maior com as pessoas usuárias;
  • também procuraria investir mais em ferramentas que ajudassem a ver melhor a expressão das pessoas;
  • se possível, tentaria ter uma pessoa para acompanhar e fazer as anotações.

Mas acredito que isso é um trabalho contínuo de evolução — e mal posso esperar para o próximo!

Obrigado pela leitura!

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