Grace Hopper, Jane Fulton Suri e Marie Curie. Ilustração feita pela autora.

A importância das vozes femininas na inovação

Juliana Sayuri Nakatani Chida
Hub de Design TOTVS
5 min readJul 20, 2020

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Quando falamos de inovação o que normalmente vem a sua cabeça? Algo super disruptivo como o projeto SpaceX? Ou a invenção do smartphone? Que tal a invenção da roda?

Todos esses exemplos anteriores são realmente inovações, mas elas estão mais presentes no nosso dia a dia do que imaginamos, propondo mudanças no nosso cotidiano tão bem projetadas que nem percebemos. Seja na forma em que nos relacionamos, como o Tinder, seja na forma como nos movemos, como o Uber, seja na forma como consumimos entretenimento, como o Netflix. Essas mudanças foram tão bem incorporadas que nem conseguimos lembrar direito de como era a nossa vida antes de todas elas.

Fica claro então que diariamente nos deparamos com inovações que mudaram totalmente as nossas relações com as pessoas, o trabalho e as coisas. Consequentemente, quando nos deparamos com um projeto de inovação bem sucedido, pensamos diretamente no tamanho do impacto que isso causou na vida das pessoas, e sendo eu uma designer, fica praticamente impossível não pensar em como foi o processo, quais foram os métodos utilizados e de que forma as necessidades se transformaram nessas soluções. Mas, e se eu te disser que em muitos desses projetos de inovação as mulheres são simplesmente esquecidas? Vou te contar porque isso acontece.

Olhando como um todo, temos um cenário quase sempre dominados homens, especialmente quando se trata de inovação, e isso tem causados alguns efeitos como: desde um cinto de segurança projetado para ser 47% mais seguro para os homens e até mesmo quando pensamos em diagnósticos de ataque cardíaco, em que o senso comum é que o principal sintoma seja dor no peito, diferente das mulheres, que possuem como principal indicativo enjoos e náuseas. Isso se dá pois, em relação a medicina e a inovações que pertencem ao ramo biológico, segundo a pesquisadora Londa Schiebinger, professora de história da ciência na Universidade Stanford: “Até hoje, a maioria das investigações baseou-se em células e tecidos masculinos quando se estuda seres humanos e animais. Os modelos de referência tratam os homens como norma.”

Agora, quando analisamos o cenário da tecnologia e do design, em que historicamente sempre foi também dominado por homens, temos o mesmo resultado: Soluções que perpetuam a desigualdade de gênero e trazem mais benefícios para o sexo masculino em prol do feminino, ou simplesmente esquecem que as mulheres também são usuários. Exemplos disso é a primeira versão do Healthkit da Apple, que tinha como objetivo ser aplicativo de saúde universal, mas que não tinha nenhuma funcionalidade relacionada aos ciclos menstruais. E o caso dos assistentes de voz, como a Siri, o Google now e o S voice, que quando acionados em caso de estupro, assédio sexual e violência doméstica, respondiam apenas com um “Eu não entendo o que você está querendo dizer”. O que parece até uma ironia, já que todas esses assistentes possuem vozes femininas, mas que claramente não é, já que de acordo com algumas pesquisas o uso de vozes femininas é uma maneira de atribuir a sensação de subordinação nas assistentes, ou seja, apenas mais uma solução de cunho sexista fruto de um ambiente composto majoritariamente por homens.

Sendo assim, ao nos depararmos com a área de Design em si, em especial a de experiência do usuário, que possui como proposta projetar as melhores experiências para as pessoas, é importante questionar: Para quais pessoas estamos projetando? E quem está projetando para nós, mulheres?

Portanto, quando penso nas novas tecnologias e inovações, como as citadas no início do texto e até mesmo nas relatadas como problemáticas, e em todo o projeto de design envolvido, vejo como uma oportunidade de propor mudanças atreladas ao que desejamos e girar essa chave a nosso favor, ou seja, criar soluções que não mantenham ou reforcem essa desigualdade. Mas para isso, nós mulheres, devemos estar inseridas nesse meio, seja como base das nossas pesquisas, mas principalmente como parte da equipe responsável por esses projetos.

Em um estudo realizado pela universidade de Stanford, não há apenas uma falta da presença da mulher em pesquisa, mas também uma falta de aceitação perante as suas descobertas, porém segundo o mesmo estudo a relação da inovação e da diversidade é direta, já que ter pessoas que não fazem parte do grupo majoritário (homens, héteros e brancos), trazem novas perspectivas o que resulta em propostas mais inovadoras.

Em suma, se temos mulheres na equipe, temos lugar de fala para aplicarmos a nossa percepção, a nossa realidade, podendo mitigar erros que perpetuam essa disparidade social e que podem ser prejudiciais para o negócio, já que nós mulheres, somos mais de 50% da população (sim, Apple! Parte dos seus usuários menstruam!). Segundo um estudo de 2015 realizado pela consultoria norte-americana Mckinsey, as empresas que possuem maior diversidade de gênero possuem 15% de chance a mais de obterem retorno financeiro, e quando entramos em questões étnico-raciais esse números chegam a 35%.

Porém, do ponto de vista profissional do UX Design, segundo a Pesquisa do panorama UX de 2020, as mulheres ainda são minoria na área. Representam 45% do total de profissionais, possuem uma diferença salarial em relação aos homens de em média R$ 900,00 abaixo e menor representatividade em cargos de liderança.

Há muito ainda para evoluir e muito espaço para conquistar, mas as minhas dicas finais são: contratem mulheres, tenham mulheres como referências, inclua mulheres na sua base de pesquisa, apoie aquelas que estão a sua volta e conscientize os seus colegas sobre a importância desse tema. Nosso papel como designer também é social, e como mulher também é combater a desigualdade de gênero, seja no ambiente profissional, seja desenvolvendo soluções que não nos excluam.

E lembrem-se, já não basta competir de forma injusta com os homens, então não criar o sentimento de competitividade entre mulheres é essencial, pois juntas podemos fazer a diferença!

Para vocês, mulheres, que estão interessadas em adentrar no mundo do design e da inovação, o grupo Ladies that UX , Rede Madi e UX para Minas Pretas são locais seguros que sempre trazem discussões sobre esse assunto e dicas de carreira, além disso venha bater um papo com a gente ;)

Agradeço às minhas colegas designers e amigas de infância que me ajudaram a construir esse texto e estão ajudando a construir um mundo mais equitativo: Gabriela Cavagliero, Evylin Carvalho, Larissa Ferreira, Caroline Klassmann, Amanda Iamauchi e Camilla Kanzawa.

Por fim, algumas dicas além dos artigos presentes nesse texto:

Podcasts: Algoritmo G — Mamilos

Invisible woman — 99% invisible

Livros: Profissões para mulheres e outros artigos feministas — Virginia Wolf

Invisible Women: Exposing Data Bias in a World Designed for Men — Caroline Criado-Perez

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