Dicas para o seu próximo roteiro de entrevista

Diego Rezende
Hub de Design TOTVS
8 min readDec 11, 2017

Existem muitas dicas por aí de como se fazer roteiros de entrevista para UX. “Não conduza” e “faça perguntas abertas” parecem ser as mais comuns, mas depois de muitos anos nessa área (brinks; não são tantos assim), vi que é possível fazer perguntas que conduzem e são fechadas, porém são feitas de forma que pareçam abertas.

Alguns designers fazem parecer que o tópico está super aberto e descoladex. Saiba que este é só um artifício para esconder uma leve conduzida ao que ele acredita ser melhor para o projeto.

Como o tópico é sensível, darei algumas dicas usando exemplos reais de perguntas que pareciam legais, mas que na verdade estavam conduzindo ou levando o entrevistado a ficar confuso. Assim chegamos na primeira dica.

Não faça perguntas confusas

Talvez seja o erro mais comum: você faz uma pergunta, o participante não entende, você explica de novo, novamente ele não entende, então você reformula a pergunta.

Talvez a questão mais confusa que eu já tenha visto:

“Levando em conta o crescimento da internet das coisas, como você acredita que a aplicação desta tecnologia seria aproveitada na sua loja?”.

Honestamente acho que nem no Roda Viva fariam este tipo de pergunta, ainda mais que nem todas as pessoas conhecem internet das coisas e muito menos conseguem fazer uma conexão entre a tecnologia e suas necessidades.

“Como você vê sua loja daqui a 10 anos? Quais os desafios que você acredita que poderá resolver nesse período?”

Dessa forma ele fala das necessidades, das expectativas e a gente tenta conectar a tecnologia a estas necessidades. O usuário pouco se importa se sua solução é um IOT da NASA with lasers ou se está rodando em HTML 5. Ele quer as coisas funcionando rápido e é isso que precisamos entregar.

Não seja melhor amigo da vida, mas ganhe empatia

Por mais informal que a entrevista seja, e ela deve ser, não tente virar amigo do entrevistado. Tente ganhar a empatia dele em você e na sua pesquisa.

“Oi, meu nome é Diego e vou conduzir o nosso bate-papo. Como é a sua rotina de trabalho?”

Levando em conta as abordagens etnográficas, essa abordagem está bem errada. O participante dificilmente vai ser verdadeiro com você se não rolar uma conexão entre ambos. E, pela minha experiência, para criar essa conexão é preciso dar um pouco de si, mostrar que você não é um robozinho que fará perguntas esperando respostas certas.

“Oi, meu nome é Diego, eu que vou conversar com você hoje. Tudo bem? Como você está? Foi tranquilo chegar aqui?”

Fale de assuntos que a pessoa se identifica e use algo em comum entre vocês.

“Nossa, você mora no Tatuapé? Eu morei na zona leste também, aquela Radial Leste é uma loucura”.

Quanto mais confortável a pessoa estiver, mais verdadeira ela será com você. Faça menos perguntas e converse mais com seu participante. Coloque esse quebra-gelo no seu roteiro e utilize-o.

Não conduza de forma aberta

Talvez esse seja o erro mais complicado de se resolver, mas também o mais comum. Não é raro ver em roteiros perguntas que são abertas, mas que de alguma forma conduz a uma resposta fechada.

“O que você acha de poder customizar o seu próprio dashboard?”

Parece legal, parece aberta. Mas dificilmente a pessoa vai responder “olha, acho uma péssima ideia, eu quero uma solução bem padronizada mesmo.” Uma pergunta desse tipo, por melhor que seja a intenção, é indutória.

Para este tipo de exploração é bom fazer perguntas sobre as tarefas que a pessoa executa.

“Como você utiliza as informações do Dashboard? Quais as informações você utiliza para sua tomada de decisão”

Ainda melhor que isto é exibir o dashboard e pedir para que o usuário realize alguma tarefa.

“Olhando para esta página, como você o utilizaria no seu dia-a-dia? Por quê?”

Dessa forma eliminamos qualquer chance de abstração e conseguimos coletar melhores insights sobre a nossa proposta.

O usuário está mais ciente do problema do que da necessidade

Existe um esforço muito grande em tentar descobrir quais são os problemas do usuário e poucos para entender as necessidades. Nem sempre precisamos resolver problemas, muitas vezes ao tentar solucioná-los as necessidades são esquecidas e, dessa forma, não somos inovadores. Somos apenas eternos bombeiros apagando incêndios.

“Quais são os problemas mais comuns quando você executa um pedido de compra?”

Pergunta aberta — muito boa por sinal — ,mas que nos limita a entender superficialmente os problemas que acontecem.

“Como é seu processo de pedidos de compra? Quais os maiores desafios que você encontra ao executar essa rotina?”

Provavelmente a pessoa falará dos problemas na primeira parte da pergunta, e é nosso dever como designer entender os problemas do processo. Na segunda parte, quando falamos em desafios, podemos entender o que a pessoa precisa fazer e não necessariamente o que a impede de fazer. Esta simples mudança pode fazer toda a diferença no processo de descoberta.

Ele nem sempre vai dar o exemplo correto

É muito comum perguntar para o usuário o que ele quer que o produto tenha ou o que ele sente falta. E isso é uma armadilha! quem precisa descobrir as features dos produtos somos nós. Nem sempre o que o usuário quer é o que o usuário precisa.

Nós como designers temos a melhor das intenções e não é raro perguntarmos coisas do tipo

“Qual ferramenta te ajudaria a realizar o processo de vendas mais facilmente?”

Uma vez eu fiz essa pergunta e a resposta foi “Whatsapp.”

Porque, novamente, estamos apenas na superfície do processo. Quando a pessoa responde “whatsapp”, a necessidade dela é receber uma resposta em tempo real.

Quem tem que propor ferramentas para o processo ou para a interface é o designer. Neste cenário, uma pergunta mais adequada seria

“Como o seu processo de vendas poderia ser otimizado?”

E ainda melhor:

“Você poderia desenhar aqui pra mim qual seria o processo ideal de vendas para você?”.

Dessa forma conseguimos ver onde estão os problemas do processo e uma forma de resolve-los em vez de contorná-los.

Mais porquês

Por mais que essa seja praticamente uma lei em entrevistas com o usuário, dificilmente vemos isso em roteiros reais. Os porquês ficam todos a cargo da condução e podem ser esquecidos, principalmente, quando outra pessoa irá aplicar o roteiro que você escreveu.

“Como você recebe seus pedidos de compra?”

É uma pergunta ótima, mas a pessoa pode responder por e-mail e pronto, ficamos com essa informação como verdade absoluta.

“Como você recebe seus pedidos de compra? Por quê?”

É exatamente a mesma pergunta, mas agora exploraremos o motivo de que seja feito de uma determinada forma.

Pergunte sobre o processo

É muito comum vermos perguntas apenas sobre um determinada tarefa e pouca exploração sobre o processo de ponta a ponta, o que gera gaps.

“Por que você decidiu comprar o produto X?”.

A pergunta é aberta, mas é uma pergunta de final de processo de compra. Neste caso, seria legal explorar o processo de compra como um todo.

“Quando percebeu que precisava do produto X? Como foi para encontrar esse produto? Quais características levou em conta na hora de comprar?”

Outro tipo de questionamento que funciona muito bem é perguntar sobre histórias e fatos de situações passadas, exemplo:

Lembra da última compra que você fez? Como foi realizar esta compra? Como avalia essa experiência? Por quê?

Dessa forma conseguimos ter uma visão maior do processo e entender toda a jornada para realizar uma determinada aquisição de um produto ou serviço.

Não faça perguntas especulativas

Não faça perguntas baseadas em imaginação ou suposição, faça perguntas focadas no contexto.

“Como você acha que a inteligência artificial pode melhorar seu desempenho?”

Contexto é tudo, essa pergunta foi feita para um analista de expedição de supermercado que mal tem acesso a computador. Como ele poderia especular sobre algo que não faz parte da realidade dele?

Não tente validar suas hipóteses

Existem alguns textos por aí na rede que falam sobre viés de confirmação. Nosso dever como designer é tentar ser o mais neutro possível e descobrir as necessidades do usuário. Evite fazer perguntas para validar o que você acredita.

“Como você avalia o preço da mensalidade da faculdade? Acha que o valor pode influenciar na sua decisão?”

Sim, provavelmente a resposta é sim. Porque com esta pergunta o designer, provavelmente, quer mostrar uma correlação entre valor do produto e sua adesão e talvez essa não seja a melhor forma de perguntar.

“Quanto do seu orçamento é destinado para a sua mensalidade? Como é o impacto disso na sua vida? Por que escolheu esta faculdade em vez da outra?”

O ideal não é saber se a pessoa acha alguma coisa cara ou barata, mas sim entender o valor disso na vida dela. Todo mundo sabe que uma Ferrari é cara e todo mundo acha ela cara, mas isso é exatamente o motivo para ela se tornar um objeto cobiçado.

Não acabe do nada

Muitas entrevistas acabam como filmes iranianos, do nada. É feita uma última pergunta sobre o assunto e, de repente, o entrevistador agradece ao participante sem fazer nenhum fechamento.

“Bom, encerramos aqui. Obrigado por sua participação. Tchau tchau”.

Dê a oportunidade para o participante encerrar o assunto.

“Obrigado Fulano, tem mais alguma coisa que você gostaria de falar? Algum ponto que não conversamos e que você queira falar?”.

Neste momento você também pode falar sobre pontos que ficaram de dúvidas ou tópicos que saiam do tema da pesquisa.

“Antes você comentou que tinha problemas com o SAC, quais são estes problemas? Como você faz quando tem problemas?”.

A atividade de roteirização é uma técnica como qualquer outra, acredito que a melhor forma de ter um bom roteiro é validar com seus pares e ir parafraseando as suas perguntas até que elas estejam completamente neutras.

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