Entrevistas com pessoas usuárias: como conduzir e fazer perguntas de forma assertiva

Preparo, realização de pesquisas em profundidade e como fugir de perguntas que não levam para lugar nenhum.

Caio de Mendonça
Hub de Design TOTVS
8 min readJan 13, 2023

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Ilustração de Nate Williams

Durante os processos de design, antes de propor uma solução ou uma nova funcionalidade, precisamos primeiro entender a real necessidade das pessoas usuárias e os desafios durante o processo ou utilização da solução. Uma das formas de fazer isso é por meio da entrevista em profundidade, nesse texto, vou compartilhar alguns aprendizados e o que me ajuda durante esse momento tão importante dos projetos de design.

Preparação para a entrevista em profundidade

Alinhamento e Matriz CSD

Antes de iniciar o recrutamento das pessoas usuárias e de fato realizar o mapeamento das necessidades e dificuldades, precisamos ter o objetivo do projeto claro para conseguir melhor direcionamento das perguntas no momento do bate papo. Para isso, é importante nos dias anteriores ao início do projeto, realizar o entendimento, alinhamento com a pessoa solicitante e retirada de toda e qualquer dúvida, o que garante que todas as pessoas estão na mesma página quanto ao que deve ser explorado durante as semanas de projeto.

ilsutração de três bandeiras azuis
Ilustração de Nate Williams

Além de entender e alinhar o objetivo do projeto com a pessoa solicitante e time, sempre gosto de realizar o preenchimento da Matriz CSD, pois auxilia na clareza e direcionamento das perguntas a serem feitas no momento da pesquisa em profundidade.

A Matriz CSD é o momento de destacar as certezas (o que conseguimos provar com dados), suposições (o que acreditamos ser verdade, mas não conseguimos provar 100%) e dúvidas (o que não sabemos a resposta e queremos validar). Tanto a Matriz CSD e quanto Jornada atual (outra ferramenta muito importante) são grandes apoiadores no momento que antecede a entrevista em profundidade, pois como disse, essas ferramentas direcionam as pessoas designers para o objetivo correto do projeto.

Caso você não tenha tanto conhecimento sobre o assunto do projeto, pode envolver a pessoa solicitante e time do projeto para o preenchimento da Matriz CSD o preenchimento pode ser feito de forma assíncrona, ok?! E tudo bem se a matriz tiver mais dúvidas que certeza — é natural que isso aconteça, nesse momento inicial do projeto queremos descobrir e buscar respostas.

Construção do roteiro

Durante a construção do roteiro, é importante focar em perguntas abertas e fugir de perguntas fechadas e que induzam ou direcionem a pessoas para algum tipo de resposta.

Perguntas fechadas ou que podem induzir as pessoas usuária para alguma resposta, são perguntas que normalmente podem ser respondidas com "Sim" ou "Não" ou limitadas a certa quantidade de resposta — como por exemplo em um formulário. Durante a entrevista em profundidade, queremos entender além do sim ou não, queremos investigar a fundo as necessidades e desafios.

Exemplo de pergunta fechada:

  • "Você achou que essa tela ficou boa?" — a resposta pode ser "sim, achei" ou "não, não achei", respostas limitadas e com pouco insumo

Perguntas abertas, auxiliam a pessoa entrevistada a responder de forma livre e possibilita a pessoa entrevistadora encontrar mais insumos/insights, pois as respostas não estão limitadas. Nas respostas de perguntas abertas, podemos encontrar motivações, comportamentos e preocupações que não mapeamento o que é muito rico para esse momento da pesquisa.

ilustração de lápis azul
Ilustração de Nate Williams

Uma forma de auxiliar na construção de perguntas abertas é utilizar palavras chaves: "como", "o quê”, “quando”, “onde”, “qual” ou “quem”, com essas palavras, a chance das pessoas responderem de forma simples e breve — como no caso de sim ou não, é reduzida e conseguimos coletar mais insights.

Além desses pontos, é importante se atentar na ordem cronológica do roteiro. Se o projeto é sobre um processo ou uma solução, tente construir o roteiro seguindo o passo a passo da pessoas dentro da solução ou serviço, isso garante fluidez no bate papo. Dividir o roteiro em blocos é muito eficaz e ajuda na organização antes e durante o bate papo. Caso você identifique que algum tópico não faz tanto sentido para aquela pessoas, pode pular toda uma sessão ao invés de procurar perguntas sobre o assunto no roteiro.

Exemplo de roteiro em blocos

  • 1.0 Perguntas sobre login
  • 2.0 Perguntas sobre o cadastro do produto
  • 3.0 Perguntas sobre geração de relatórios

Entrevista em profundidade

Inicio do bate papo

Nos primeiros minutos do bate papo (prefiro chamar assim para diminuir a pressão e nervosíssimos da pessoa que está respondendo as perguntas) gosto de estabelecer conexão, puxando algum assunto sobre o dia, clima, trazendo algo descontraído, perguntando algo sobre a pessoa além do objetivo da agenda.

Precisamos entender que as pessoas que serão entrevistadas, muitas vezes podem estar mais nervosas do que as pessoas entrevistadoras, garantir que elas se sintam em um ambiente confortável e seguro, vai fazer com que a coleta de informações seja mais assertiva.

Lembre-se, estamos coletando insumos para melhorar um produto ou serviço e não interrogando uma pessoa, então desenvolver essa conexão é saudável.

Não somos as pessoas donas das respostas

Após estabelecer conexão nos primeiros minutos da conversa, gosto de alinhar o motivo/objetivo da agenda, contando um pouco sobre o projeto e o que estamos fazendo, além disso, gosto de evidenciar que eu não sei sobre o assunto — mesmo que eu saiba e que esse momento não é uma avaliação de seus conhecimentos.

O movimento de alinhar minha falta de conhecimento me garante algumas coisas, que são: 1) a pessoa relembrar que estou ali para aprender com ela a 2) maior liberdade para questionar tudo, como por exemplo termos que podem parecer óbvios, mas podem esconder comportamentos ou motivações e 3) a pessoa entende que não estou avaliando ela ou seu conhecimento.

O silêncio é importante

Quando fiz minhas primeiras entrevistas, tive alguns problemas com o silêncio das pessoas depois de uma pergunta feita. O silêncio me incomodava tanto que repetidas vezes tentava "consertar" minha pergunta, dando mais insumos ou até dicas para a resposta, o que é errado, pois invade o espaço da pessoa, encurta o momento de pensar no dia a dia e elaborar a resposta. Se quebramos esse momento, podemos perder a qualidade da resposta.

ilustração de balões de dialogo com ponto de interrogação e exclamação
Ilustração de Nate Williams

Confie em mim, se a pessoa não tiver entendido sua pergunta, ela vai questionar! "Conserte" a pergunta, caso seja solicitado.

Roteiro é um guia e não uma lei

Como estamos em um bate papo, muitas vezes algumas perguntas do meio do roteiro são respondidas no início da conversa, ou vice-versa, então trate o roteiro como seu guia e não uma lei escrita na pedra que não pode ser alterada, é mais leve que isso.

Pular perguntas, voltar em algo que não ficou tão claro ou fazer uma pergunta que surgiu na hora está liberado e é importante para manter a conversa viva e dinâmica. As pessoas trazem perspectivas novas, pontos que não estavam mapeados e explorar esses pontos é importante e rico para a coleta de informações.

Não tenha medo de buscar por detalhes fazendo outras perguntas, se permita ir além do roteiro e explore o bate papo e o conhecimento da pessoa, mas claro, sempre lembre-se do objetivo inicial do projeto, então caso a conversa esteja indo em uma direção que não agrega tanto para o projeto, não hesite em interromper.

Como normalmente interrompo:

  • "Incrível esse ponto que você comentou agora, mas fiquei com uma dúvida sobre XPTO e queria explorar mais com você" — dessa forma você interrompe de forma gentil e pode voltar para o trilho do roteiro.

Conecte as falas

Durante as entrevistas, a função de transcrever fica na responsabilidade de outras pessoas — ou soluções, mas gosto de ter uma papelzinho do lado para tomar notas de algumas falas que posso usar como links para próximas perguntas.

Fazendo esses links, a pessoa percebe que estou prestando atenção em tudo que ela fala — o que motiva a continuar engajada na conversa e além disso, consigo revalidar informações caso tenha surgido alguma dúvida ou algum ponto não tenha ficado tão claro.

Exemplo de link:

  • "Você comentou no início que tem certa dificuldade com a rotina XPTO gostaria de explorar mais, me conta um pouco mais sobre essa rotina…."

Fora da curva

Nem todas as pessoas são iguais e mesmo sendo algo óbvio, isso fica muito mais evidente durante o momento de entrevistas em profundidade, pois a "receita" que contei, pode não funcionar para todas as pessoas. Algumas pessoas podem ser super tímidas, podem estar mega ansiosas ou podem não estar em um bom dia, o que acaba refletindo em como será o bate papo e nesse momento, nós como designers precisamos ter jogo de cintura para lidar com cada situação.

Cada bate papo é uma caixinha de surpresas e os minutos iniciais do bate papo, quando começamos a estabelecer conexão com a pessoa, são ideais para entender como o bate papo vai seguir — mais uma vez destacando a importância de estabelecer conexão com as pessoas.

ilustração de quadro com uma mulher azul
Ilustração de Nate Williams

Ao estabelecer a conexão inicial, conseguimos identificar como vamos guiar o bate papo, se de forma formal ou mais informal. Também conseguimos identificar se será preciso interromper mais vezes as falas da pessoas — se essa falar muito por exemplo ou se vamos precisar instigar mais as respostas. Para esse segundo ponto, o "por quê", "como" ou "qual sua percepção sobre isso" vão ser muito úteis para tentar explorar mais as respostas.

Estabelecer a conexão nem sempre é fácil, então se você não conseguir uma abertura com a pessoa, está tudo bem, com o roteiro bem estruturado e com as perguntas certas, você vai conseguir mapear necessidade e desafios suficientes, então não se cobre tanto.

Em resumo

Tenha um bom alinhamento da demanda do projeto com as pessoas solicitantes e time, construa um roteiro coeso e bem estruturado, crie conexão com a pessoa usuária, explore detalhes, utilize o roteiro como seu guia não limitador e tente não sair com dúvidas do bate papo.

O momento de entrevista em profundidade, é um momento que nos ajuda a identificar e entender problemas e necessidades por meio das conexões com as pessoas usuárias. Nenhuma entrevista é igual a outra, existem dias e dias, mas esses passos me ajudaram — e ainda ajudam a deixar o momento leve e descontraído para ambas as partes e coletar da forma mais assertiva os insights necessários para o projeto.

Esse texto foi escrito com base dos aprendizados que tive durante os últimos meses guiando entrevistas e o apoio de matérias super legais sobre pesquisa — que vou destacar aqui. Caso queira conversar sobre entrevistas em profundidade, trocar figurinhas de técnicas ou falar sobre qualquer coisa sobre design, me chama para tomar um café :)

Referências:

8 Tips for Conducting UX Interviews — Interaction Design

Five User Interview Mistakes to Avoid (in 5 Minutes)— NN Group

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Caio de Mendonça
Hub de Design TOTVS

Apaixonado por música, perguntas e por facilitar os processos de design para as pessoas. — UX Researcher na TOTVS