Tomadas de decisões

Alex Soares
Hub de Design TOTVS
6 min readAug 26, 2021

O que os estudos de neurociências dizem sobre o assunto e como podemos refletir sobre isso quando lidamos com a experiência do usuário?

Na imagem temos várias nozes em um fundo azul que lembram a anatomia do cérebro humano.
Nozes que lembram cérebros (Fonte: unsplash.com)

Nascemos com um potencial

Tudo que fazemos em nossas vidas são resultados das nossas escolhas, cada tipo de escolha acaba sendo uma ação que influencia uma outra ação até chegarmos nos pontos que interpretamos como presente, onde também terá escolhas que vão impactar no que é entendido como futuro.

Quando lidamos com experiência do usuário, isso é muito relevante, já que até mesmo para ter uma experiência com algo que uma empresa ou organização proporciona, os usuários precisam fazer escolhas.

Em nosso cérebro existem estruturas que possibilitam para que isso aconteça, são chamadas de funções executivas e vão sendo desenvolvidas conforme vamos amadurecendo.

A autora do livro “Uma viagem pelo cérebro: A via rápida para entender neurociência” Carla Tieppo diz que:

“Não nascemos com as habilidades que nos permitem manter o foco, controlar os impulsos e fazer planos, tomar decisões, corrigir a rota. Nascemos, sim, com o potencial para desenvolvê-las. No entanto, isso só ocorre dependendo de nossas experiências desde a primeira infância até o início da vida adulta (sim, o pleno desenvolvimento das funções executivas só se dá na vida adulta!).”

Grupo de habilidades

Os seres humanos quando chegam na fase adulta conseguem usar o repertório que foi adquirido e começam a utilizar essas funções, Tieppo define elas como:

“Um grupo de habilidades que nos ajudam a focar, a planejar, a direcionar e gerenciar vários fluxos de informação ao mesmo tempo, monitorar erros, tomar decisões a partir das informações disponíveis, rever planos, resistir às distrações, evitar ações precipitadas. Conseguir construir os primeiros blocos dessas habilidades é uma das tarefas mais importantes nos primeiros anos de infância, mais do que aprender qualquer conteúdo!"

Essa formação no desenvolvimento humano para nós que lidamos com o comportamento das pessoas é muito importante, já que quando pensamos na interação delas com produtos e serviços temos que entender se o público que queremos atingir conseguiu desenvolver tais habilidades.

Tieppo ainda complementa com mais algumas informações sobre esse tema:

"Estimular essas capacidades rudimentares é fundamental para o desenvolvimento saudável da criança, para a maturação do cérebro e para aprendizagem. Por definição, as chamadas funções executivas são aquelas que permitem que o indivíduo se engaje em comportamentos orientados e objetivos, em ações com alto grau de autonomia, orientadas para metas específicas. É nesse contexto que vamos encontrar as funções que mais se aproximam da intencionalidade que conhecemos como o livre arbítrio”.

O córtex pré-frontal e as funções executivas

Para organizar tudo isso que vimos até agora e a gente consiga tomar as decisões e fazer nossas escolhas, temos o córtex pré-frontal, que não é onde fica todas as funções executivas, porém é a região que coordena a execução dessas funções.

Imagem que mostra a anatomia do cérebro, com o córtex pré-frontal logo no início mapeado com a cor amarela e o suco central na parte superior.
Região do córtex pré-frontal (Fonte: Neurociências: Desvendando o sistema nervoso)

A primeira função que podemos colocar em evidência é a atenção seletiva e sustentada. Nessa função é quando selecionamos aquilo que terá o nosso foco, sendo que teremos que classificar o que de fato vai valer a pena naquele momento e trará benefícios a curto e médio prazo.

É através da atenção que vai acontecer o aprendizado e irá alimentar o nosso repertório de conhecimento e colaborar para a condição das informações permanecerem na memória. Cada vez mais é um desafio utilizarmos esse recurso, por conta da internet temos uma vasta gama de informações e a atenção sobre uma determinada atividade tornar-se algo muito superficial.

O controle inibitório é a segunda função que recebe destaque, que é quando filtramos nossas ações, seja resistir a impulsos ou tentações, analisar uma situação antes de agir ou evitar algo que possa nos distrair. As nossas interações sociais dependem muito dessa função, influenciando até mesmo nos nossos objetivos futuros, sejam eles profissionais ou pessoais.

Regulação emocional seria nossa terceira função, que é muito relacionada a inteligência emocional que está cada vez mais em evidência na sociedade, tratando-se de como vamos gerenciar nossas emoções, tendo características como autocontrole, autoconfiança, saber lidar com ansiedade, agressividade e impulsividade. É claro que todas as nossas tomadas de decisões vão ter relação com nossas questões emocionais, porém temos que entender se elas não estão sendo feitas por conta de uma falta de controle, já que sabemos que isso pode trazer prejuízos futuramente.

A memória operacional

A memória operacional (memória de trabalho) é uma das funções que mais está ganhando importância nos últimos anos, sendo correlacionada a nossa inteligência. Segundo Tieppo, ela define que a memória de trabalho:

“É a capacidade de manter e gerenciar informações em nossas mentes durante curtos períodos de tempo, o que nos permite, por exemplo, lembrar um número de telefone a tempo de discá-lo, recordar o início do texto do parágrafo quando estamos no final dele, fazer um problema de matemática com várias etapas, revezar em atividades de grupo, retomar o exercício depois de ter ido tomar lanche ou de responder uma pergunta de alguém. A memória de trabalho é, portanto, a capacidade que temos de mantermos ativados simultaneamente diferentes circuitos responsáveis por informações diferentes.”

Na figura abaixo podemos ver as regiões ativadas no cérebro que correspondem a duas tarefas de memória de trabalho.

Imagem que mostra um teste de memória, onde em um primeiro momento mostra um grupo de fotos com faces de famosos e em seguida apenas uma foto e a pessoa participante relata se essa foto fazia parte do grupo anterior ou não. Em seguida temos a reação das funções no cérebro que mudam quando a pessoa participante percebe que a foto não fazia parte do grupo anterior.
Atividade encefálica humana em duas tarefas de memória de trabalho (Fonte: Neurociências: Desvendando o sistema nervoso)

Temos ainda mais três funções que merecem ser mencionadas, embora ainda tenham outras. A metacognição é uma delas, que tem como conceito pensar em como pensamos, onde nos permite ter a habilidade de analisar nossos próprios pensamentos e avaliar se eles estão corretos pela nossa própria percepção.

Depois temos a flexibilidade cognitiva, que contempla a nossa capacidade de alterar a rota, onde entendemos os nossos obstáculos e estudamos se devemos mudar os nossos planos para outros caminhos que façam mais sentido naquele momento.

Por fim, mas não menos importante, temos o planejamento. É quando nós conseguimos compreender o tempo que temos para realizar determinadas tarefas e como vamos executá-las, entendendo como vamos gerenciá-las e quais as prioridades de entrega.

Conceitos da psicologia da carga cognitiva

Todos esses estudos dos quais falamos até agora sobre córtex pré-frontal e funções executivas impactam diretamente em como as pessoas interagem com produtos e serviços, trazendo para o conceitos de psicologia de carga cognitiva e design, o autor do livro “Leis da Psicologia Aplicadas a UX: Usando psicologia para projetar produtos e serviços melhores” Jon Yablonski traz uma reflexão sobre isso dizendo que:

“Ao interagir com um produto ou serviço digital, um usuário precisa primeiro aprender como ele funciona e, então, determinar como encontrar informações que está procurando. Compreender como usar a navegação (ou às vezes até encontrá-la), processar o layout da página, interagir com os elementos da interface do usuário e inserir informações nos formulários exige recursos mentais. Enquanto esse processo de aprendizado está acontecendo, o usuário também deve manter o foco no que pretendia fazer em primeiro lugar. Dependendo da facilidade de uso de uma interface, o último item pode ser um grande desafio. A quantidade de recursos mentais necessários para entender e interagir com uma interface é conhecida como carga cognitiva”.

Podemos identificar facilmente aqui o uso da memória de trabalho em conjunto com outras funções executivas, sendo que compreender como o cérebro funciona nesse sentido é de extrema importância quando estamos projetando experiências, já que até mesmo a evolução do uso dessas funções vai determinar como as pessoas vão interagir com o que vamos proporcionar para elas.

As neurociências ainda podem abrir várias possibilidades para entendermos ainda mais sobre o comportamento das pessoas, está em nossas mãos aproveitar essas oportunidades e explorar os estudos que essas disciplinas oferecem para agregarmos em nossas atividades como designers.

Referências

  • Uma viagem pelo cérebro: A via rápida para entender neurociência | Carla Tieppo
  • Neurociências: Desvendando o sistema nervoso | Barry W. Connors, Michael A. Paradiso e Mark F. Bear
  • Psicologia aplicada a UX Design | Jon Yablonski

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