Uma entrevista que mudou meu jeito de conduzir projetos

Felipe Tozzatti
Hub de Design TOTVS
5 min readJul 25, 2018

O design thinking é um processo centrado em pessoas, mas por que ainda assim esquecemos de algumas?

Iniciamos um projeto bem desafiador no nosso laboratório e fomos para rua entrevistar os usuários, como em todo início de projeto. As entrevistas nos ajudam a entender as verdadeiras necessidades e os problemas que as pessoas realmente estão enfrentando.

Por esse motivo precisamos fugir das perguntas óbvias e fazer perguntas abertas que exijam uma resposta mais completa do usuário.

Bom, foi o que fizemos ao longo desse projeto, tendo em vista que entrevistamos mais de 20 pessoas de diversos segmentos.

Depois de passar metade de um dia fazendo entrevistas e analisando o ambiente dos usuários, diretamente no local de trabalho deles, o Sponsor (Pessoa responsável pelas tomadas de decisão) do projeto pediu que eu entrevistasse uma última pessoa, que tinha acabado de chegar e que faria muito sentido em participar do processo e ter a sua percepção do processo ouvida.

Fazenda visitada na cidade de Barreiras na Bahia

Imediatamente fomos até o local e no caminho ele me disse que o rapaz tinha uma pequena deficiência na fala, mas que isso não ofereceria nenhum problema para entendê-lo. Por mim tudo bem, quanto mais informações eu conseguir, melhor!

Chegamos ao local que o entrevistado estava. Como de costume, pedi para o sponsor que nos deixassem sozinhos para que eu pudesse iniciar a entrevistas, sem que houvesse algum tipo de interferência.

Iniciamos a entrevista, expliquei como seria e que estávamos ali apenas para pegar a percepção dele; que não havia certo e nem errado, caso ele não se sentisse a vontade para responder alguma pergunta, não teria problema algum. Então comecei com algumas perguntas de quebra-gelo, como por exemplo, quanto tempo trabalha na empresa?, o que você gosta de estudar? entre outras.

Nesse primeiro momento em que ele falava, percebi que realmente tinha uma deficiência na fala, mas nada aparentava que iríamos ter dificuldades em capturar suas necessidades.

Após essa conversa inicial, comecei fazer algumas perguntas para obter a percepção dele referente ao processo de trabalho com o sistema e ele foi me explicando sem problemas. Em um determinado momento, perguntei como ele imaginava que o sistema poderia, de alguma forma, facilitar o processo de trabalho de dele.

O entrevistado pediu que explicasse a pergunta novamente e expliquei de uma forma mais simples. Nesse momento ele demonstrou uma linguagem corporal diferente ao me responder, segurando e torcendo o crachá enquanto me respondia meio tímido.

Fiquei mais atento com a próxima pergunta e principalmente com a reação dele e continuei a entrevista. Fiz uma outra pergunta e ele não soube responder dessa vez e apresentou uma nova linguagem corporal, segurou o cordão do crachá, torceu novamente e com o braço direito fez gestos repetitivos com as mãos batendo na perna.

Imediatamente me veio uma lembrança de uma amiga que compartilhou enquanto estava em fase de estudo sobre autismo, onde seu filho tinha alguns sinais que poderia ser autista. Ao longo do tempo fui aprendendo mais sobre o tema e acompanhando sempre que ela compartilhava algo novo e o que mais me marcou foram os relatos de crises do autista sobre movimentos repetitivos quando eles estão entrando em uma situação de desconforto.

Rapidamente eu percebi o que estava acontecendo e pedi para que ele me mostrasse onde ele realiza as tarefas diárias, tentando tirar o foco da pergunta e de alguma forma que ele não entrasse em crise.

Fomos para o ambiente que ele faz suas tarefas e por sinal onde ele se sentia realmente à vontade em falar. Pedi que ele me apresentasse o ambiente todo e me mostrasse como ele organizava as coisas.

Em pouco tempo o entrevistado foi parando de fazer os movimentos repetitivos e, em um tom de alegria, começou a me explicar todo o processo, como fazia para organizar todas as coisas e me deixou realizar algumas tarefas. Na verdade, era tudo o que precisava de informação para levar pro projeto.

Como nós podemos observar, perguntar e entender melhor nossos usuários?

  • Mantenha uma conversa aberta com o usuário: Lembre- se que estamos em um processo de investigação e precisamos de respostas mais profundas, então mostre para usuário que você não sabe e tem essa curiosidade em saber. Seja transparente e não esqueça que o usuário é um ser humano.
  • Esteja presente no momento: Quando o usuário fizer alguma pausa por segundos, não pule para próxima pergunta, analise, espere e perceba o momento, porque o silêncio pode te mostrar respostas.
  • Se permita mudar a direção: Vão ocorrer casos como o citado acima, em que precisamos mudar a direção da conversa e propor algo diferente dentro do contexto da pessoa, seja para ajudar o usuário ou até mesmo para capturar novos insights e informações que não conseguiríamos, não fosse a mudança de contexto.
  • Espere o inesperado: Não seja robótico, não se desespere para obter informações. O mais importante durante uma pesquisa com o usuário é entender suas necessidades e capturar o contexto em que ele está inserido. Estas informações podem ser muito mais valiosas do que aquelas que você esperava obter.

O que aprendi com essa experiência?

Em me concentrar no usuário e entender o contexto em que ele está inserido. Seja no ambiente da entrevista ou até mesmo como ele se comporta perante as perguntas.

Entender isso mudou meu processo dali pra frente e impactou nas minhas decisões de tornar a acessibilidade parte do projeto. Não só no uso de uma aplicação, mas desde o momento que vou elaborar um roteiro de entrevista e aplicá-lo com pessoas diferentes, essa mudança me ajudou a entender como iremos propor e testar as experiências funcionais no projeto em todas suas fases.

Muito obrigado pela leitura e espero ter colaborado um pouco para com essa experiência. ;)

Se você já teve alguma experiência parecida, comente ai

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