A explosão “Baker”, parte da Operação Crossroads, um teste de arma nuclear realizado pelos militares dos Estados Unidos no Atol de Biquini, Micronesia, em 25 de julho de 1946.

Um código de ética para designers

Lu Terceiro
UXConf BR
Published in
7 min readAug 26, 2017

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Traduzimos o “A Designer’s Ethics Code” do Mike Monteiro para o PT-BR. As imagens reproduzidas aqui fazem parte do artigo original:

Espalhem a palavra!

Um designer é primeiramente e sobretudo um ser humano.

Antes de ser um designer, você é um ser humano. Como todos os outros seres humanos que estão no planeta, você faz parte de um contrato social. Nós compartilhamos um planeta. Ao escolher ser um designer você está escolhendo impactar as pessoas que entram em contato com o seu trabalho, você pode tanto ajudar quanto ferir com suas ações. O efeito do que você coloca na malha social deve ser sempre uma consideração-chave em seu trabalho.

Todo ser humano neste planeta tem a obrigação de fazer seu melhor para deixá-lo em melhor forma do que encontrou. Designers não podem abrir mão dessa tarefa.

Quando você faz um trabalho que depende de uma necessidade de disparidade econômica ou distinção de classe para obter sucesso, você está falhando em seu papel como cidadão e como designer.

Um designer é responsável pelo trabalho que coloca no mundo.

Design é uma disciplina de ação. Você é responsável por aquilo que coloca no mundo. Aquilo tem seu nome nele. E enquanto é quase impossível predizer como seu trabalho pode ser usado, não deve ser surpresa quando um trabalho que foi feito para ferir alguém cumpre com a sua missão. Não podemos ficar surpresos quando uma arma que projetamos mata alguém. Não podemos ficar surpresas quando um banco de dados feito para catalogar imigrantes faz com que esses imigrantes sejam deportados. Quando nós conscientemente produzimos algo que tem a intenção de ferir, nós abdicamos de nossa responsabilidade. Quando, na ignorância, nós produzimos algo que fere outras pessoas porque não consideramos todas as ramificações do nosso trabalho, nós somos duplamente culpados.

O trabalho que você traz ao mundo é o seu legado. Ele vai sobreviver a você. E ele vai falar por você.

Um designer valoriza o impacto sobre a forma

Nós precisamos temer as consequências de nosso trabalho mais do que amamos nossas ideias brilhantes.

Design não existe no vácuo. A sociedade é o maior sistema que podemos impactar e tudo que fazemos é parte deste sistema, bom e mau. Em última instância, devemos julgar o valor do nosso trabalho baseado neste impacto, mais do que qualquer consideração estética. Um objeto que é feito para machucar pessoas não pode ser considerado bem-projetado, não importa o quanto esteticamente agradável ele seja, porque projetá-lo bem significa que irá fazer mal a outras pessoas. Nada que um regime totalitário desenha é bem projetado porque foi projetado por um regime totalitário.

Uma arma quebrada é melhor projetada que uma arma que funciona.

Non-Violence, Carl Fredrik Reuterswärd, 1985

Um designer deve ao seu contratante não apenas o seu trabalho, mas também o seu aconselhamento.

Quando você é contratado para projetar algo, você é contratado pelo seu conhecimento e experiência. Seu trabalho não é apenas projetar aquela peça mas também avaliar o impacto dela. Seu trabalho é transmitir o impacto desta peça para seu cliente ou empregador. E se o impacto é negativo, é seu trabalho transmitir isto ao seu cliente além de uma maneira, se possível, de eliminar o impacto negativo desta peça. Se for impossível eliminar o impacto negativo do projeto, é sua responsabilidade evitar que este projeto prossiga. Em outras palavras, você não é contratado apenas para cavar um fosso, mas também para avaliar os impactos econômicos, sociológicos e ecológicos deste fosso. Se o fosso falhar nestas verificações, é seu trabalho destruir as pás.

Um designer usa sua experiência e conhecimento a serviço dos outros sem ser um servo. Dizer não é uma habilidade do design. Perguntar por que é uma habilidade do design. Virar os olhos não. Perguntar a nós mesmos porque estamos fazendo algo é uma pergunta infinitamente melhor do que perguntar se nós conseguimos fazer isso.

Um designer aceita críticas.

Nenhum código de ética protege seu trabalho das críticas, seja dos clientes, do público ou outros designers. Em vez disso, você deve encorajar as críticas para que seja possível criar melhores projetos no futuro. Se seu trabalho é tão frágil que não suporta críticas, ele não deveria existir. O momento de chutar os pneus do seu trabalho vem antes dos pneus irem para a estrada. E mantenha-se aberto às críticas que podem vir de qualquer lugar.

O papel da crítica, quando dada apropriadamente, é avaliar e melhorar o projeto. A crítica é uma dádiva. Ela transforma um bom trabalho em algo melhor. E faz com que os maus projetos não saiam da gaveta.

As críticas devem ser pedidas e benvindas em todas as etapas do processo de design. Você não pode consertar um bolo depois que ele foi assado. Mas você pode melhorar as chances do seu projeto ser bem sucedido colhendo críticas o quanto antes, e frequentemente. É sua responsabilidade pedir pelas críticas.

Um designer se esforça para conhecer seu público.

Design é uma solução intencional de um problema, levando em conta um conjunto de restrições. Saber se você está resolvendo apropriadamente os problemas, você precisa conhecer as pessoas que estão tendo esses problemas. E se você é parte de um time, seu time deve se esforçar para refletir estas pessoas. Quanto mais um time consegue refletir a audiência que está procurando atender, mais satisfatoriamente ele consegue resolver os problemas dessa audiência. O time pode abordar um problema por diferentes pontos de vista, de diferentes backgrounds, de diferentes conjuntos de necessidades e experiências. Um time com um único ponto de vista nunca vai entender as restrições que precisam ser abordadas no design tão bem quanto um time com múltiplos pontos de vista.

E sobre empatia? Empatia é uma palavra bonita para exclusão. Se você quer saber como as mulheres usariam algo que você está projetando, tenha uma mulher no time que está trabalhando.

Um designer não acredita em casos extremos.

Quando você decide para quem está desenhando, você está fazendo uma declaração implícita sobre para quem você não está projetando. Por anos nós nos referimos às pessoas que não eram cruciais ao sucesso do nosso produto como “casos extremos” (ou casos de ponta). Nós estávamos marginalizando pessoas. E estávamos tomando uma decisão de que haviam pessoas no mundo cujos problemas não valiam a pena serem resolvidos.

O Facebook hoje afirma que tem dois bilhões de usuários. Um por cento de dois bilhões de pessoas, que muitos produtos considerariam casos extremos, significa vinte milhões de pessoas. Estas são as pessoas nas margens.

“Quando você chama algo de um caso extremo, você está apenas definindo os limites do que você se preocupa.” — Eric Meyer

Estas são as pessoas trans que acabam sem alternativa em projetos que pedem os “nomes reais”. Estas são as mães solteiras que ficam sem alternativa em permissões onde “ambos os pais devem assinar”. Estes são os imigrantes idosos que aparecem para votar e não possuem cédulas em suas línguas nativas.

Eles não são casos extremos. Eles são seres humanos, e nós devemos a eles nosso melhor.

Um designer é parte de uma comunidade de profissionais

Você é parte de uma comunidade de profissionais e a maneira como você faz seu trabalho e a maneira como você lida profissionalmente afeta a todos nesta comunidade. Assim como a maré alta afeta todos os barcos, sujar a piscina afeta todos os nadadores. Se você for desonesto com um cliente ou empregador, o designer atrás de você pagará o preço. Se você trabalha de graça, será esperado isso do designer atrás de você. Se você não conseguir evitar de fazer um trabalho ruim, o designer atrás de você terá que trabalhar duas vezes mais para consertar isso.

Enquanto um designer tem uma obrigação ética de garantir seu sustento com o melhor de suas habilidades e oportunidades, fazer isso às custas de outros que compartilham o ofício é um desserviço a todos nós. Nunca jogue outro designer embaixo do ônibus para seu próprio benefício. Isso inclui o redesenho público do trabalho de outra pessoa, trabalho especulativo (o trabalho gratuito feito para concorrências, por exemplo), trabalho não-solicitado e plágio.

Um designer deve buscar construir a comunidade, não dividi-la.

Um designer acolhe bem um mercado de trabalho diversificado e competitivo.

Ao longo de toda a sua carreira, um designer busca aprender. Isso significa confrontar o que eles não sabem. Isso significa ouvir as experiências de outros. Isso significa acolher e encorajar pessoas que possuem históricos diversos, culturas diversas. Isso significa dar espaço à mesa para pessoas que a sociedade historicamente manteve à parte. Nós devemos dar espaço para vozes tradicionalmente marginalizadas serem ouvidas em nossa profissão. Diversidade conduz a melhores resultados e soluções. Diversidade conduz a um design melhor.

“Você nunca está errado quando você trabalha com alguém mais inteligente que você” — Tibor Kalman

Um designer mantém seu ego sob controle, sabe quando calar a boca e ouvir, é ciente de seus próprios vieses e agradece quando toma ciência deles, e luta para abrir espaço para aqueles que são silenciados.

Um designer dedica tempo para a auto-reflexão.

Ninguém acorda um dia planejando jogar sua ética pela janela. Isso acontece devagar, um escorregão de cada vez. É uma série de pequenas decisões que podem parecer inofensivo no momento, e antes que você perceba você estará desenhando filtros para a loja online de armas do Walmart.

Tire um tempo para a auto-reflexão a cada poucos meses. Valide as decisões que você fez recentemente. Você se mantém fiel a quem você é? Ou você está lentamente movendo seus parâmetros éticos alguns poucos metros por vez, a cada aumento ou ganhos em stock options?

Você desviou o curso? Corrija isto. O seu local de trabalho é um inferno antiético? Mude de emprego.

Seu trabalho é uma opção. Por favor, faça-o direito.

Quem é Mike Monteiro?

Mike Monteiro é Diretor de Design na Mule Design e autor de Design Is a Job e You’re My Favorite Client.

Colaboraram nessa tradução: Lu Terceiro, Thiago Esser, Diogo Cosentino, Vania Teofilo de Oliveira.

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