10 vezes que minhas experiências profissionais e pessoais me ajudaram em UX Writing

Patrícia Gonçalves
UXMP
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12 min readApr 1, 2021

Usando as 10 Heurísticas de Nielsen para relacionar algumas trajetórias da vida com UX

Quando decidi que ia largar de vez o mundo da comunicação: jornalismo, marketing e terceiro setor, para migrar pra experiência do usuário (UX) e tecnologia, tomei um susto em pensar: Tá, e agora? Como provo meu valor em uma área totalmente nova?

Em um encontro só de mulheres em UX lembro de duas colegas me lembrarem o seguinte:

"Lembre-se de tudo que você fez até agora, não dá pra desprezar esse conhecimento".

Dito e feito! Comecei a elaborar minha trajetória para começar meus processos de candidatura e promover justamente o valor, primeiro das minhas experiências, para depois começar a construir jornadas para pessoas usuárias de produtos digitais.

"Como eu vim parar aqui, eu só tenho 6 anos"

Toda vez que eu me lanço em uma aventura profissional lembro do meme daquele garoto que chegou em um vídeo — um pouco inadequado pra idade dele — e fez um comentário no mínimo interessante: "Como eu vim parar aqui, meu deus, eu só tenho 6 anos". Fica aqui meu momento humor viral para deixar essa conversa menos profissional, risos (ou não).

Minha experiência, em alguns momentos, pode ser semelhante de muitos colegas jornalistas e publicitários. Me formei lá em 2013, aos 21 anos, em jornalismo, na PUC-Campinas. Depois fiz pós-graduação em Sociopsicologia na FESPSP.

Sempre fiquei muito dividida entre continuar em veículos de comunicação, na redação publicitária, conteúdo para redes sociais, audiovisual, institucional e publieditoriais. Ao mesmo tempo, curtia o mundo das pesquisas acadêmicas, por isso, fiz um teste fazendo essa pós em Sociopsicologia, já que na época, vim pra São Paulo (nasci em Marília e fiz faculdade em Campinas, interior do estado) visando um mestrado. Em outro momento, fiz cursos com bolsas e muitos gratuitos, de audiovisual, gênero,de planejamento estratégico, social media, dublagem e por aí vai…

Fora isso, bem antes, a escola que estudei dos meus 3 até os 15 anos, em Marília, incentivava os alunos no teatro, coral, dança, gincanas esportivas, líder de sala, comissão de formatura, e pasmem, eu sempre fiz tudo (valeu, Colégio Bezerra de Menezes e meus pais que pagaram minha escola a base de bolsas e descontos).

E tá tudo bem navegar por tudo isso quando você tem essa oportunidade!

Na foto, uma mulher negra, careca, com uma camiseta azul, segura uma quadro escrito: você não pode ter medo das possibilidades
"Você não pode viver com medo das possibilidades". O quadro é da artista Sirlanney (@magra_de_ruim no Instagram).

Essas experiências valem justamente para entender o que nós gostamos, conhecer novos assuntos que não estão disponíveis na universidade, fazer novos contatos que não estão no seu dia a dia, entre outros motivos. Sinto que cada uma delas me fez chegar até minha profissão atual e me complementam enquanto ser social.

No dia a dia tudo que você constrói é uma experiência

Nos últimos meses, tenho visto no mercado e estudado um pouco mais, sobre como atuar em UX Writing também é design. Portanto, pensei que podemos partir das 10 Heurísticas de Nielsen para falar sobre experiências. Ai, lá vem mais um texto sobre o consagrado… A gente tem que partir de algum lugar, né meus tesouros?

A ideia é avaliar como essas heurísticas da vida me ajudam diariamente a construir experiências.

Visibilidade do status do sistema

A ideia aqui é manter o usuário informado e dar feedbacks o mais rápido possível do que acontece em um produto. E tem profissional melhor, que aprendeu a contar histórias em múltiplos locais, do que um jornalista? Não tem!

Obviamente que aqui estamos falando do status da interação, mas Nielsen fala justamente sobre "uma comunicação aberta e contínua". Isso é, manter e construir narrativas apontando o melhor caminho e dando assistência através da "educação", além de promover o conforto em realizar uma ação.

Quando UX Writers começam a pensar escrita junto aos seus pares, não há como deixar de lado que estamos contando e apresentando uma história para quem fará aquela ação. Ela precisa ter começo, meio e fim, mas diferente do jornalismo, é necessário que seja possível ir e voltar, alertar, adaptar, oferecer auxílio etc.

Combinação entre o sistema e o mundo real

Essa etapa reúne meu interesse em pesquisa. O assunto que abordei no meu artigo de conclusão de curso da pós-graduação, é sobre o que eu envolvo demais na vida profissional, acadêmica e pessoal: interseccionalidades (estudos de gênero, raça e classe). "Lesbocídio na mídia: a análise do enquadramento dado pelo G1 no caso Luana Barbosa" foi um estudo para promover a alteridade em veículos de comunicação.

Fazendo uma ligação, a ideia era entender como a linguagem simples e a falta de abordagem do assunto na mídia faz com que pouco se conheça sobre morte de mulheres pela orientação sexual ou amar outra garota, já que o termo lesbocídio sequer é conhecido pela imprensa, quiçá pelo grande público.

"Certifique-se de que os usuários possam entender o significado sem ter que procurar a definição de uma palavra. Nunca presuma que sua compreensão de palavras ou conceitos corresponderá aos de seus usuários.

A pesquisa do usuário o ajudará a descobrir a terminologia familiar de seus usuários, bem como seus modelos mentais em torno de conceitos importantes", diz Nielsen.

Se a gente não entende outras narrativas, só reproduzimos o que está dentro do nosso mundo, levamos ao nosso usuário vieses inconscientes. Essa ação dentro de UX promove, inclusive, o "perigo de uma única história" (conceito de Chimamanda Adichie) na hora de desenvolver um MVP (Minimum Viable Product, ou, em português, Produto Minimamente Viável), por exemplo.

Supor que a partir do seu olhar, da sua vivência, aquela palavra e o seu significado estão fáceis, acessíveis e interpretáveis nunca é o melhor caminho.

Descrição: no vídeo, uma mulher negra, está com um lenço na cabeça, também conhecido como turbante na cultura africana. Ela está com uma blusa bege e na legenda tem seu nome Chimamanda Ngozi Adichie: o perigo de uma única história.

Controle e liberdade do usuário

Em 2014, depois de ter terminado a graduação, tudo que eu mais queria era morar na capital do estado de São Paulo. E deu certo! Cheguei aqui em julho para trabalhar com o "SAC 2.0" em uma empresa chinesa. Ou seja, tal evolução daquele SAC muito conhecido por telefone para o atendimento online, quando o cliente "tem voz ativa e passa a exigir interação". Era mais uma das minhas aventuras comunicacionais: trabalhar com o atendimento ao cliente via redes sociais!

Por lá, o grande problema era que os usuários tratavam o produto como um vírus, faziam a instalação por engano, não conheciam a marca, entre outros. Nosso objetivo era convencer quem estava do outro lado da tela, através das conversas mais abertas, que existiam alguns benefícios. Ao mesmo tempo dar a opção para desinstalar nossa extensão, por exemplo.

"Os usuários costumam realizar ações por engano. Eles precisam de uma “saída de emergência” claramente marcada para deixar a ação indesejada sem ter que passar por um processo extenso", confirma Nielsen.

Em UX, essa heurística ressalta como a pessoa usuária pode realizar ações erroneamente e, nesse momento, a ação indesejada precisa ser clara e detectável para ser decidido o que fazer, sem pressão e frustração.

Consistência e padrões

O mercado de branded content revolucionou o que chamamos também de publieditoriais. Um está relacionado ao outro mas o conceito parte da introdução da marca em conteúdos que já seriam lidos pelo público com um pouco de branding — a cara da marca.

Quando eu estava em um determinado veículo de comunicação, minha meta era unir a consistência das marcas, ao estilo do site e ao texto (que teria apelo em cada editoria). Confira abaixo uma das matérias realizadas:

Um ponto interessante é que muitas marcas nos procuravam justamente pela maneira de falar com o leitor (consistência interna), ao mesmo tempo, nós precisávamos captar a consistência externa (como o setor de produtos de beleza, veículos do assunto e a própria marca, se portavam na mídia).

"A Lei de Jakob afirma que as pessoas passam a maior parte do tempo usando produtos digitais diferentes dos seus . As experiências dos usuários com esses outros produtos definem suas expectativas", ressalta Nielsen.

Nesse caso, uma observação e que aí sim, é totalmente sobre experiência do usuário, diz respeito ao modo como estimulamos a aprendizagem unindo essas duas consistências. Acontece muito em UX Writing quando definimos o tom e voz do produto, sem deixar o usuário perdido sobre termos do mercado de finanças, por exemplo.

Prevenção de erros

Algo que eu sentia ao trabalhar com a produção de textos e marcas era que não havia planejamento estratégico para cumprir etapas, prevenir e prever erros das campanhas que muitas vezes iam além do texto.

Bom, aí toca minha cara de pau bater lá na porta da Miami School pedindo um desconto ou bolsa para dar um passo na minha carreira com o Bootcamp de Planejamento Estratégico. Eu ligava toda semana, até conseguir algo e aprender um pouco mais sobre isso no curso. Consegui!

A habilidade e conhecimento que adquiri me fez até participar com mais criticidade das reuniões com clientes e prevenir cuidosamente erros no "pacote" que vendíamos, pensando no modelo mental dos nossos usuários e relacionando com dados de BI (Business Intelligence, em português, inteligência para negócios).

"Existem dois tipos de erros: deslizes e erros . Deslizes são erros inconscientes causados ​​por desatenção. Erros são erros conscientes baseados em uma incompatibilidade entre o modelo mental do usuário e o design", confirma Nielsen.

Desta maneira, nós criamos algumas restrições de tipos de conteúdo e padronizamos muito mais o modelo de venda e produção, já que no passado o aceite era quase “podemos escrever qualquer coisa”. Eu não sou pasteleira gente, produzir texto rápidos era lá com o pessoal de "hard news", parte que eu também trabalhei e odiei (como chamamos no jornalismo a produção de textos variados diariamente e muitas vezes com assuntos "quentes" do dia).

Reconhecer ao invés de lembrar

Uma das premissas para quem deseja trabalhar com marketing e publicidade é a identidade do público-alvo com aquele produto e, sendo analista de rede sociais (social media), aprendi lições valiosas.

Em 2015, atendia uma grande marca esportiva e uma empresa alimentícia referência em chás, confeitos, gelatinas, bolos etc.

No caso da esportiva, o desafio era traduzir para o público brasileiro diversas frentes que iam muito bem no exterior e com personagens (esportistas) não-brasileiros. Também precisávamos transformar o que vinha de direcionamento em espanhol para a linguagem e jeitinho brasileiro pra que os produtos fossem reconhecidos com associações aos esportes fortes por aqui ou o jeito que os atletas falavam, jogavam e tudo mais. Na época, eu também escrevia no Twitter sobre os jogos do campeonato brasileiro, por exemplo.

"Os humanos têm memórias de curto prazo limitadas . As interfaces que promovem o reconhecimento reduzem a quantidade de esforço cognitivo exigido dos usuários", reforça Nielsen.

Já na alimentícia, a ideia era encurtar a memória do cliente quando ele pensava em uma das categorias, a de confeitos, como a melhor. Como havia um “slogan” muito forte, eu e a diretora de arte começamos a produzir conteúdos fotográficos lá na agência mesmo. Nossa intenção era o reconhecimento de cada produto por meio das imagens formadas: desenhos, situações do dia a dia, brinquedos, entre outros, que eram feitos com o formato dos bolos, confeitos, gelatinas etc.

Flexibilidade e Eficiência

Oferecer alternativas também é sobre quanto você conhece seus usuários, já que a intenção é criar "processos flexíveis que podem ser executados de diferentes maneiras, para que as pessoas possam escolher o método que funciona para elas", segundo Nielsen.

Quando eu me candidatei para ser ledora para pessoas cegas e de baixa visão, em concursos públicos, não imaginei o quanto eu precisaria criar alternativas na hora de executar essa função. Cada um dos meus concurseiros possuía um perfil, um ritmo de leitura, formato de fazer e responder questões. Eu e outras ledoras nos revessávamos de acordo com o pedido deles para ler às provas, criávamos diversas "personalizações" e oferecíamos a melhor experiência para executar uma resposta.

Essa habilidade também me ensinou e fez valorizar muito a importância da acessibilidade, apesar de antes mesmo disso, tratar do tema em outros momentos e ter uma mãe pedagoga com especialização em pessoas com deficiência. Lembrando que ser acessível também é abranger pessoas com dedos grandes, óculos, autistas, idosos, pessoas não-binárias, analfabetas etc.

Essas foram algumas matérias que eu realizei já falando sobre acessibilidade.

No caso das interfaces, a ideia é justamente pensar "em encurtar caminhos”, como diz Aline Santos, para o usuário. Atalhos, preenchimento automático de dados, uma frase detalhando quais dados ele precisa inserir, indicar em quais lugares ele pode encontrar ajuda etc.

Estética e Design minimalista

Voltando aos momentos que eu trabalhava com redes sociais, aliás, não só em agências mas também como freela. Meu mundo ideal era propor aos meus pares (que sempre foram designers) a garantia que o conteúdo e o design visual fossem focados no essencial. Além disso, nós ainda associávamos o texto as legendas naquela época.

"As interfaces não devem conter informações irrelevantes ou raramente necessárias. Cada unidade extra de informação em uma interface compete com as unidades relevantes de informação e diminui sua visibilidade relativa", de acordo com Nielsen.

Em 2016, um outro momento de loucura educacional, fiz um curso gratuito chamado Observatório.Doc, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). Por lá, também ampliei minhas perspectivas sobre produção de documentários (área que eu sempre gostei muito na universidade, momento em que produzi dois documentários, inclusive fui premiada com um deles) e sobre a questão estética no audiovisual. Me permiti aprender sobre enquadramentos, perspectivas e outros elementos dessa área que me auxiliam até hoje.

O documentário RAIZ foi feito em equipe e concluído em 2016. Descrição: No vídeo, uma mulher negra, de bolsa e jaqueta preta e com cabelos crespos está parada subindo em uma escada rolante e ao lado, na outra escada, um homem de mochila, jaqueta preta, também está subindo.

Auxiliar usuários a reconhecer, diagnosticar e recuperar erros

Ao me deparar com um conflito interno: academia x mercado tradicional, minha vontade sempre foi unir meus conhecimentos em marketing com os pessoais estudando movimentos psicossociais. Lá vai a Patrícia, em 2019, se arriscar no terceiro setor, em uma ONG de direitos humanos. Na organização, eu tratava de assuntos sensíveis como sistema prisional, migração e acesso à justiça.

A questão é que atuando com marketing estratégico era necessário transformar temas tratados com extrema competência por profissionais que chegavam até a ONU (Organização das Nações Unidas) para defender direitos em doações. Minha necessidade era traduzir em uma linguagem mais simples, para diferentes tipos de público e ainda ensiná-los como fazer uma doação na plataforma, uma tarefa complexa, pois muitos doadores não tinha contato com o digital e preferiam a modalidade telefônica.

"As mensagens de erro devem ser expressas em linguagem simples (sem códigos de erro), indicar precisamente o problema e sugerir uma solução de forma construtiva", enfatiza Nielsen.

Quando nos deparamos com isso em UX Writing, podemos transformar assuntos jurídicos, tecnológicos ou erros do sistema, em uma escrita mais leve, sem jargões, termos técnicos, imposições e oferecer uma solução que atenda o maior número de pessoas.

Na verdade, todos os momentos da minha trajetória até aqui, falar de forma clara e simples sempre foi minha praia, até mesmo quando fui radialista e precisava passar informações sobre o trânsito aos meus ouvintes, ou divulgar como ele poderia encontrar um serviço do município.

Ajuda e Documentação

Novamente na prática, trabalhando com SAC 2.0, entendi bastante sobre documentação. Além da empresa de tecnologia que executei a maior parte desse trabalho. também repeti o mesmo em agências. Desta maneira, o propósito era apresentar aos clientes melhorias em outras plataformas diminuindo a abertura de tickets (geralmente plataformas para redes sociais e/ou atendimento chamam assim a abertura de chamados para comunicação com o usuário ou cliente) do nosso lado.

Para Nielsen, "É melhor se o sistema não precisar de nenhuma explicação adicional. No entanto, pode ser necessário fornecer documentação para ajudar os usuários a entender como concluir suas tarefas".

Lembro que uma das marcas atendidas fazia sistemas de pagamento para pequenos e médios empresários, só que havia pouca informação no site tratando da assistência técnica física e remota dos equipamentos e orientações sobre instalações. E lá vem problema no contact rate (Indicador de negócio e Termômetro da experiência do Cliente), nossas redes sociais viraram literalmente um SAC. Nós sugerimos então que houvesse uma revisão da arquitetura de informação, além da documentação, que deveria ficar mais dectectável para o cliente encontrar telefones, PDFs, entre outras opções que gerassem autonomia para gerir seu negócio.

Atualmente, como UXW, sou guardiã dessa documentação de ajuda nas minhas squads. Meu papel é: entender onde posso colocar algo contextualizado, evitar a abertura de chamados no relacionamento, ao mesmo tempo estar ciente do que vem de lá e promover junto ao Product Designer formatos possíveis de apoio aos usuários.

Espero que eu tenha ajudado a mostrar um pouco sobre como nossas vivências e trajetórias profissionais e pessoais nos completam em áreas diferentes, no fim, tudo que somos influencia alguma área da nossa vida. Lembre aos recrutadores sobre isso e posteriormente ao seus gestores na hora de solicitar uma promoção.

Quero agradecer uma ex-colega de trabalho, Diéssica Ribeiro, que indiretamente me despertou a vontade de fazer esse texto ao deixar uma recomendação no meu LinkedIn.

No texto, uma menina diz que Patrícia faz o melhor uso de vivências anterior para produtos digitais. Ao lado do texto, há uma foto de uma garota branca, de cabelos castanhos e blusa preta.

Valorize e conte sua trajetória sempre que puder, nada foi por acaso! 🤙🏾

"Escapei da morte, agora sei pra onde eu vou. Sei que não foi sorte, eu sempre quis ‘tá onde eu ‘tô".(Emicida)

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Patrícia Gonçalves
UXMP
Writer for

comunicadora, content designer e poetisa quando fico canceriana demais 🏳️‍🌈