A importância de pensar empatia e inclusão dentro de UX

UX para Minas Pretas
UXMP
Published in
6 min readJul 15, 2019

Meet up “De quem e pra quem?” discutiu atividades práticas para profissionais de UX e a necessidade de tornar a experiência do usuário mais inclusiva

Por Patrícia Gonçalves

Empatia é um palavra usada com frequência quando falamos de experiência do usuário. Na essência, ela parece de fácil execução, mas na prática não é bem assim que funciona. É aquela história: pra você criar para o outro, é preciso colocar-se no lugar do outro. Por isso, o propósito do UX para Minas Pretas tem sido trazer à tona como democratizar habilidades para todas as esferas de UX e capacitar mulheres negras para o mercado de trabalho.

No último mês, junho de 2019, nós convidamos dois profissionais para bater um papo sobre a necessidade de pensar inclusão e a tal da empatia na construção dos projetos. Mais especificamente para debater: “UX De quem e pra quem?”.

“Se nós não somos considerados usuários e também não estamos projetando para pessoas, então, quem está? Será que os grupos minoritários estão sendo olhados no desenvolvimento das propostas? Estão incluídos nas personas, nas pesquisas, nos testes? É essa a importância que a gente traz, é isso que a gente discute e, é por isso que o UX para Minas Pretas existe”, comentou Karen Santos, idealizadora do UX para Minas Pretas, durante sua explicação sobre a iniciativa no último meet up.

Empatia e inclusão na prática

É interessante pensar que antes de um serviço, objeto, aplicativo, produto ou software, entre outros, ficarem prontos nós passamos por algumas etapas que farão aquela solução ter um desempenho agradável. Veja como funciona:

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É na primeira fase (empatizar/pesquisar) que você pensa e entende pra quem está fazendo aquele recurso. Na maioria das vezes, a pessoa que faz esse processo precisa imaginar, coletar, pesquisar etc. Apesar do entendimento de como uma das suas personas (usuários fictícios) poderia agir ao lidar com aquilo, nós precisamos considerar antes de tudo que somos uma sociedade munida de preconceitos.

Isso quer dizer que não estamos totalmente desconstruídos da influência que o racismo, machismo, homofobia, capacitismo, gordofobia, classicismo, entre outros conceitos, atravessam a nossa mente em uma ação de trabalho corriqueira. Quer uma prova?

Faça o exercício agora de imaginar um “mulher bonita”. Você imaginou uma mulher negra, fora do padrão estético imposto pela sociedade (branca, de cabelos lisos e magra), mãe e periférica, por exemplo? Se não, é disso que nós estamos falando. Há algo tão dentro de nós, forçado pelo mundo preconceituoso, que nos impossibilita pensar simplesmente o que é beleza pra você.

Quando pensei em colocar esse teste rápido me veio à cabeça alguns casos de racismo na emissão de passaportes. Há alguns anos, aqui no Brasil, a Polícia Federal obrigou mulheres negras com o cabelo “black power” a prenderem os seus cabelos. A alegação era que o “sistema” não aceitava aquele “tipo” de cabelo.

Oras, será que é o sistema que não aceitava, ou quem criou o sistema nunca pensou que mulheres negras possuem cabelos grandes e altos? Além disso, que em algum momento elas tirariam fotos para emitir um documento? Não seria essa uma falha de quem projetou aquela “experiência” para usuário e que talvez não conviva, veja, conheça pessoas com essa característica comum?

“Hoje, no Brasil, a gente não tem praticado uma cultura, uma comunicação inclusiva, justamente porque toda a comunicação sempre foi pautada na homogeneização. A gente sempre pensava no público-alvo e por isso acaba inviabilizando um monte de gente: pessoas trans, pessoas negras, pessoas com deficiência e qualquer outro grupo que seja tradicionalmente excluído e invisibilizado” diz Aline Santos, consultora em comunicação e educação inclusiva, que falou sobre o assunto no nosso último workshop, realizado na Sympla.

Aline Santos, comentou sobre o conceito de Desenho Universal, que se desenvolveu entre os profissionais da área de arquitetura na Universidade da Carolina do Norte (EUA), com o objetivo de definir um projeto de produtos e ambientes para ser usado por todos.

Como é possível ter empatia por uma realidade desconhecida por nós? O próprio Don Norman, pioneiro do design centrado no humano, desconfia da busca obsessiva pela empatia desconectada dos problemas reais das pessoas.

“Você precisa criar coisas ajustáveis ​​e variáveis, mas, mesmo assim, se você excluir os cinco ou dez por cento principais, ainda poderá excluir um milhão de pessoas. Portanto, é realmente importante que abordemos as reais necessidades e habilidades das pessoas. Não podemos entrar na cabeça e na mente de milhões de pessoas e, além disso, não precisamos: simplesmente precisamos entender o que as pessoas estão tentando fazer e depois tornar isso possível.” Don Norman

A antropologia, por meio do conceito de alteridade, nos ensina que a diferença é percebida por meio do encontro com o outro. E para sair dessa cilada da empatia seletiva ou da invisibilidade conveniente, o convite é buscar diferentes grupos sociais para fazer parte do seu processo de pesquisa, da testagem das soluções criadas e melhor ainda, na composição das equipes de profissionais.

Como incluir pessoas negras pode mudar o processo de UX

Refletir sobre ações afirmativas para compor o quadro de funcionários de uma empresa significa considerar a necessidade desse profissional ocupando posições decisivas. Seja exercendo habilidades do dia a dia, em tarefas simples ou na conclusão de algum projeto.

Quando falamos de decisão em UX existe uma etapa bem importante e que enfatiza a necessidade da participação de pessoas diversas nos processos. Os testes são períodos que necessitam de atenção, ou seja, caso você tenha errado lá na pesquisa e empatia, essa pode ser a chance de disponibilizar ao usuário um recurso menos preconceituoso.

Na hora de testar, por exemplo, um sistema de emissão de passaportes, se o indivíduo que projetou o software tivesse chamado o maior número de homens e mulheres com cabelos diferentes para tirar a foto documental poderia evitar o constrangimento em um procedimento simples. Para a consultora, isso só é possível quando o nosso olhar é plural, voltado para as minorias como conceito, mas maioria — para quem deseja expandir o seu olhar para a realidade — quando saímos às ruas.

“Quando nós pensamos uma solução para mais pessoas, considerando essas diferentes características, conseguimos mais gente dentro desse grupo. Todas aquelas pessoas que tradicionalmente ficam de fora começam a repartir esse bolo. Uma comunicação mais inclusiva, mais acessível, parte da representação e da representatividade fugindo das estigmatizações. Isso significa que a gente consegue criar uma narrativa que reflita a vida como ela é: diversa, complexa e colorida”, reforça Aline Santos.

Esse não é um olhar apenas técnico. O designer e especialista em inovação Filipe Nzongo conta como ter outras pessoas negras em um programa abriu a mente dos demais colegas durante uma metodologia usada para UX, além das habilidades dos profissionais dos demais integrantes.

“Estava envolvido em um projeto onde eu e mais um colega éramos negros e outros designers eram brancos. Acredito que a nossa maturidade no design fez o projeto andar, sem querer excluir os demais colegas, mas o conhecimento profundo do assunto e das técnicas de design acabou fazendo uma grande diferença”.

Filipe Nzongo, durante o workshop, comentou sobre dicas simples para ampliar os olhares na hora de criar.

Para ele, o design vai além do conceito, das habilidades que aprendemos nos cursos práticos, workshops, faculdades e universidades. É preciso conviver, estudar, observar e planejar para o maior número de pessoas possíveis.

“É necessário ter um time diverso para considerar vários perfis de usuários e como eles se comportam. E a gente sabe que quando a gente projeta um serviço, esse serviço precisa se adequar e abrigar perfis diferentes. Quanto mais a gente alberga, melhor ainda será o nosso produto, que conseguirá atender tantos pessoas negras, brancas, grupo LGBTQ, quanto pessoas com deficiência. O design não pode excluir ninguém, ele tem que ser inclusivo, e não exclusivo”, finaliza.

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