Acessibilidade digital: muito mais que contrastes e tamanho de fonte

Edilene Mendes
UXMP
Published in
6 min readAug 11, 2020
Três pessoas utilizando o Smartphone utilizando apenas um braço.

Questionar para quem são os produtos que eu projeto é uma constante na minha vida profissional, desde que participei de alguns grupos de estudos na graduação em design voltados à design universal e acessibilidade. Inserir pessoas com perspectivas diversas me ensinou e inspirou bastante a conhecer e seguir na área de UX (Experiência do Usuário). Desde então, tornar esses produtos acessíveis para experiências plurais se tornou meu objetivo principal como designer.

Recentemente participei da segunda turma online do curso de Acessibilidade, promovida Mergo User Experience, maravilhosamente ministrado por Talita Pagani e Marcelo Sales.

Há muito tempo queria fazer esse curso, mas a oportunidade de participar dele e aprender mais sobre acessibilidade surgiu graças a uma parceria da Mergo com UXMP (UX para Minas Pretas): foram disponibilizadas algumas bolsas para minas pretas como eu. Agora, posso contribuir para a iniciativa da UXMP trazendo alguns dos conhecimentos adquiridos no curso através deste artigo.

“Acessibilidade é tudo sobre pessoas”

Iniciamos o curso com essa frase, para desmistificar a ideia de que acessibilidade é apenas para pessoas com deficiência. Há também condições financeiras, educacionais, contextuais, territoriais, entre outras que devem ser consideradas para evitar barreiras entre pessoas e sua atuação na sociedade.

Para a W3C Brasil, organização de padronização da World Wide Web, acessibilidade é “a possibilidade e a condição de alcance, percepção, entendimento e interação para a utilização, participação e a contribuição, em igualdade de oportunidades, com segurança e autonomia.”

Acessibilidade não é só sobre eles, porém quem mais são impactadas e muitas vezes impedidas de atuar em vários contextos, são as PCDs. Segundo o IBGE (2010), 1 em cada 7 pessoas têm alguma deficiência no mundo. Ou seja, aproximadamente existem 1 bilhão de pessoas com deficiência. No Brasil, a proporção é de 1 em cada 4, sendo aproximadamente 50 milhões. Sendo elas com deficiências visuais, auditivas, motoras e de aprendizagem.

Além das Pessoas com Deficiência (PCDs) que têm todo o direito de utilizar e produzir produtos e serviços sem barreiras, existem também outras condições que podem limitar o uso de um produto digital quando o mesmo não está acessível. Por exemplo pessoas idosas, pessoas com internet limitada, com braço imobilizado, pessoas utilizando o celular ao sol ou até mesmo em pé em um ônibus.

Existem três tipos de limitações sensoriais: as definitivas, as temporárias e as situacionais. Confira na imagem a seguir:

Fonte: Microsoft design toolkit

Descrição da imagem: Ilustração vetorial no estilo linha, exibindo uma matriz ilustrando pessoas com limitações sensoriais permanentes, temporárias e situacionais respectivamente da esquerda para direita. Na primeira linha temos limitações de toque, uma pessoa com apenas um braço, uma com braço lesionado com uma faixa cobrindo o braço direito e uma pessoa carregando um bebê no colo. Na segunda linha temos limitações na visão, uma pessoa cega com um cachorro no lado esquerdo,uma bengala e óculos escuros, outra pessoa com óculos e bengala representando uma pessoa com catarata e uma pessoa dirigindo um carro para representar um motorista distraído. Na terceira linha temos limitações na audição, uma pessoa com a cabeça voltada para a lateral esquerda para representar uma pessoa surda, uma pessoa com a cabeça voltada para a lateral direita para presentar alguém com infecção no ouvido e outra pessoa chacoalhando um objeto e com barulho ao redor para representar um garçom trabalhando. Na quarta linha temos limitações de fala, com uma pessoa de frente para representar pessoas não-verbais, outra pessoa de frente para representar alguém com laringite e por último uma pessoa com chapéu, escudo e espada para representar alguém com sotaque forte.

Questione suas práticas

Apesar de todas essas situações nas quais nossos usuários se encontram, estas pessoas estão por aí vivendo suas vidas, comendo, comprando, produzindo, entre outras atividades. Assim, devemos focar em suas habilidades desenvolvidas ao invés de suas deficiências e/ou limitações.

Uma boa prática é se avaliar fazendo algumas perguntas: Meu produto permite às pessoas usar suas habilidades para utilizá-lo? Se ela utiliza o teclado para navegar no site, tem acesso a todas as áreas de maneira equivalente a quem usa o mouse? Quem utiliza o leitor de telas, tem os recursos suficientes para a leitura das informações de forma hierárquica tal qual quem está vendo a interface?

Esses questionamentos servem de base para iniciar o processo de aplicar a cultura de acessibilidade na empresa que você atua. Sendo uma prática que traz vários benefícios, tanto para os usuários que irão poder utilizar seus produtos e serviços em diferentes contextos, sem barreiras. Quanto para a equipe que garante que seu produto e serviços promovam uma boa experiência, alcance cada vez mais pessoas e aperfeiçoar suas práticas profissionais. E com certeza a mais beneficiada é a empresa, que vai ter produtos e serviços de qualidade, com muito mais clientes, irá conquistar uma boa reputação e ainda não leva um processo (risos nervosos) por seguir a Lei Brasileira de Inclusão.

A LBI (Lei Brasileira de Inclusão) diz que “É obrigatório que páginas web mantidas por empresas com sede ou representação comercial no Brasil sejam acessíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidades adotadas internacionalmente.”

Além de estar na interface, a acessibilidade tem que estar no planejamento, nos códigos, no marketing, na contratação de profissionais e no próprio ambiente de trabalho. A acessibilidade não é uma função exclusiva de determinadas áreas, como design. Toda a empresa precisa se comprometer e se empenhar para construir, gerir e aprimorar práticas de acessibilidade.

“Acessibilidade não é uma feature”

Partindo desse pressuposto, acessibilidade não será implementada de um dia para o outro, e nem em uma sprint. Uma dica muito boa que Marcelo e Talita trouxeram foi iniciar com um grupo de estudos multidisciplinar, para pesquisar, trocar conhecimentos e guiar este caminho.

E se você não sabe por onde começar, calma aí que existem dois guias para nos ajudar nesse processo: A WCAG e o GAIA.

A WCAG (Web Content Accessibility Guidelines) é a sua bíblia da acessibilidade, aqui encontramos um conjunto de diretrizes e recomendações para desenvolver produtos digitais com foco em acessibilidade construída pela W3C. Ela está distribuída em quatro princípios: perceptível, operável, compreensível e robusto. Além disso, também está dividida em 3 níveis de criticidade (A, AA e AAA), sendo A e AA imprescindíveis para o cumprimento da LBI.

Para facilitar o entendimento, Marcelo Sales organizou essa guia em formato de cards, iniciativa chamada de Acessibilidade Toolkit, para utilizar a WCAG através do site, como um check list, e também com pode imprimir e deixar do seu lado para consultá-la sempre.

Uma foto de papéis rabiscados acima de uma mesa preta, 2 cards da acessibilidade toolkit soltos acima, também rabiscados.
Fonte: Acessibilidade toolkit

Para complementar a WCAG, também temos o GAIA (Guia de Acessibilidade de interfaces para Autismo), que é um conjunto aberto e colaborativo de recomendações de acessibilidade web focado nas características do autismo, mas que abrange deficiências cognitivas ou neuronais, abordando desde a escrita de conteúdo até recursos programáveis. Esse conjunto foi desenvolvido por Talita Pagani em sua dissertação de mestrado no ano de 2016, construído primeiramente em formato de site e que recentemente se tornou um livro.

Seguindo essas recomendações eu tenho um produto acessível? Bom, pergunte aos seus usuários. Traga pessoas com deficiência para o processo de criação. Nenhuma solução chegará a atender todas as questões, pois além de não conseguir mapear todos os cenários existentes que um ser humano tem dificuldades, existem questões de preferências pessoais que inclusive mudam com tempo. Mas seguindo essas recomendações, é um ótimo passo.

Recomendações importantes

Algumas recomendações trazidas no curso que podem facilitar a vida de muitas pessoas:

  • Represente graficamente informações de diferentes formas, com cores, textos e formas. Ex: botão com ícone, rótulo e cor;
  • Aplique contrastes fortes, mas também evitar os extremos de luz, por exemplo fundo branco e texto preto. Devido a pessoas com sensibilidade sensorial na visão;
  • Evite funcionalidades que exija exclusivamente habilidades motoras. Ex: chacoalhar, virar o dispositivo;
  • Procure diferenciar links e botões, assim como deixar seus rótulos compreensíveis independente do conteúdo ao redor. Ex: Evitar links e botões rotulados com “clique aqui”;
  • Utilize linguagem simples, evite jargões, metáforas, abreviações e acrônimos. Caso necessário, forneça a explicação do termo;
  • Tenha clareza nas informações, forneça meios alternativos para compreensão do seu conteúdo, às vezes fornecer explicações mais longas é essencial para o usuário entender seu produto;
  • Cuidado ao usar ferramentas que automatizam tarefas, além do bom senso, o contexto também deve ser considerado;
  • Leia, discuta e aplique a WCAG e o GAIA;
  • Consuma o conteúdo de pessoas diversas;
  • Compartilhe seus conhecimentos!

--

--