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Case de UX/UI: Conectando oportunidades de trabalho aos jovens de periferia em busca do primeiro emprego

Nesse texto conto como foi desenvolvido o projeto e como foi experiência no bootcamp de UX Design da Tera.

Mikaela Alencar
Published in
8 min readAug 20, 2020

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Passar pela adolescência e ter que lidar com decisões sobre qual carreira escolher, quais vestibulares prestar, aproveitar os amigos e as novas experiências dessa fase é difícil por si só. Agora, imagine todas essas decisões somadas ao fato de ser preciso procurar pelo primeiro emprego. E se trabalhar é a única forma de obter renda, em que tempo e com qual energia os estudos são conciliados?

Foi esse misto de reflexões que a Tera propôs como estudo de caso para que eu e mais três pessoas desenvolvêssemos, durante um bootcamp de User Expericente Design (UXD) entre Janeiro e Março de 2020.

Apesar da estrutura do case conter várias fases da experiência do usuário, vou contar mais sobre como fizemos a parte de pesquisa e, como agora, 5 meses depois, eu refiz algumas análises e novas descobertas.

Desafio inicial

Como ajudar a conectar oportunidades de trabalho a jovens de periferia em busca do primeiro emprego?

É importante ressaltar que esse desafio foi proposto para dois grupos e era possível desenvolver dois contextos: jovens e empresas. A escolha ocorreu de forma muito natural, eu e meu grupo já conversávamos sobre a perspectiva da pessoa jovem e a outra equipe dialogava sobre a perspectiva da empresa.

Metodologia

Usamos a abordagem de Design Centrado no Usuário (UXD), onde primeiro divergimos do problema e depois convergimos. A imagem abaixo ilustra o Duplo Diamante do processo de Design Thinking.

Double Diamond do processo de Design Thinking retirado do site https://vidadeproduto.com.br/double-diamond/

Descobrir

Nessa etapa, é importante compreender qual o problema temos em mãos e quem são as pessoas relacionadas a ele, a partir disso desenvolvemos o Mapa de Stakeholder.

Mapa de Stakeholder

Em seguida desenvolvemos a Matriz (CSD) Certezas, Suposições e Dúvidas, para que conseguíssemos visualizar o que sabíamos e o que não tínhamos certeza a respeito do tema.

Primeira versão da Matriz CSD

Apesar de não termos a intenção de desenvolver solução para empresas, elaboramos uma Matriz CSD também para entender o contexto de quem contrata pessoas jovens sem experiência de trabalho.

Matriz CSD desenvolvida a partir do contexto da empresa

Levantamos uma quantidade grande de questões, que foram levadas para a Desk Research. Foram dias de pesquisa, algumas discussões sobre o tema e várias alterações na matriz CSD.

Anotações feitas a partir da Desk Research

Algumas certezas foram levadas para suposições, aumentamos a quantidade de dúvidas e iniciamos um board com dúvidas especificas sobre a solução (conselho de uma expert para que o time não esquecesse ou descartasse possíveis boas ideias).

Pequeno board com dúvidas sobre a solução que seria desenvolvida

Por ser um “documento vivo”, a atualização nos ajudou a visualizar os conhecimentos que ganhamos, as dúvidas que só seriam respondidas com pesquisa e a compreender também a amplitude do tema.

Última versão da Matriz CSD

Pensar minimamente para qual direção seguir na resolução de um problema que traz a pessoa jovem moradora de periferia, passa por lugares como racismo estrutural, falta de políticas públicas e educação. São muitas camadas de problemas estruturais presentes há décadas na sociedade. Assim, vimos que não teríamos como resolver os problemas na base e que só a pesquisa nos mostraria quais eram as dores dessas pessoas para conseguir a primeira oportunidade de trabalho.

A partir do pensamento de que o problema é muito mais amplo do que conseguiríamos resolver, decidimos adotar o método qualitativo e fazer entrevistas em profundidade para compreender dores relacionadas a trabalho, estudo e apoio familiar.

Fizemos um planejamento pensando em como recrutar, qual faixa etária e quais perguntas faríamos, além de nos organizar para fazer todas as entrevistas em pares (entrevistador e anotador). Conversamos com alguns jovens que fizemos conexão por intermédio de amigos e aceitaram participar. Cada entrevista durou em média 40 minutos, foram realizadas 7 entrevistas no dia 30/01/2020.

Imagem com 5 dos 7 entrevistados.
Trechos das entrevistas com os jovens

Após a transcrição das entrevistas identificamos estas como as principais dores dessas pessoas:

  • Querem cursar uma faculdade e seguir uma carreira
  • Não têm renda própria
  • Horários de trabalho atrapalham os estudos
  • A distância é um grande obstáculo;
  • Precisam ajudar financeiramente nas contas de casa
  • Precisam pagar pelo próprio estudo

Apesar de ter compreendido algumas questões relacionadas a estudo, trabalho, oportunidades e apoio familiar, adotamos o método quantitativo para saber informações demográficas (gênero, idade, onde reside).

Elaboramos as perguntas e enviamos o formulário em grupos de Facebook sobre vagas de emprego, jovem aprendiz, menor aprendiz, estágio e primeiro emprego. Buscamos entre nossos contatos, pessoas que conhecessem jovens buscando emprego e que tivessem residência afastados de grandes centros. Alcançamos 31 respostas. O formulário ficou disponível entre 04/02/2020 a 20/02/2020 aproximadamente.

Principais índices encontrados na pesquisa qualitativa

Cada uma das pessoas do time tentou contato com a empresa que trabalhava e com algumas outras, na tentativa de realizar entrevistas e entender quais eram as dificuldades para contratação de pessoas sem experiência, porém o retorno foi baixo, alcançando somente 1 resposta e por esse motivo, decidimos não usar as respostas.

Com a consolidação das pesquisas e tudo que já havíamos lido, ouvido e visto iniciamos a construção da jornada do usuário (humor, tempo gasto nas atividades, local, recursos e oportunidades) e a construção das personas.

Esboço inicial da jornada feita em conjunto
Mapa de jornada da pessoa jovem | Pontos negativos da jornada grifados em vermelho, pontos positivos grifados em azul e oportunidades grifados na cor roxa.

Foram feitas três personas:

Personas

Definir

Nesse momento entendemos que a principal dor para esses jovens, era conciliar uma oferta de trabalho com os estudos. Os principais pontos que definimos como abordagem para a solução foram:

  • Oportunidade de trabalho
  • Vagas em dias e horários alternativos
  • Exclusivo para pessoas que não residem próximo a grandes centros, proporcionando menos concorrência na disputa das vagas
  • Currículo circulando dentro da comunidade
  • Solução focada em Soft Skills
  • Limite de horas de trabalho
  • Mentoria de carreira
  • Trabalho perto de casa

Reformulação do problema

Como ajudar jovens de periferia a conseguir renda sem parar os estudos?

Benchmark

Fizemos buscas por plataformas ou iniciativas que tem como objetivo a empregabilidade do jovem no mercado e das opções encontradas, a maioria não esta adaptada para atender jovens que estão saindo do ensino médio e/ou fazendo pré-vestibular, por exemplo. Além de não atender essa população, os 23% de pessoas que estão fora das escolas e universidades também não podem usar.

  • CIEE
  • Nube
  • Vagas.com
  • Infojobs

Desenvolver

Nessa etapa usamos duas técnicas, Crazy 8’s e Dot Voting, para testar algumas ideias e alguns fluxos de navegação da solução. Foi possível visualizar tudo que idealizamos durante e o processo e analisar o que era funcional e o que não era.

Alguns exemplos da técnica Crazy 8’s feita diversas vezes

Os testes de fluxo foram feitos durante um dia todo, para aprimorarmos todas as ideias que já havíamos esboçado em um software. E nessa etapa, recuperamos algumas ideias que havíamos inserido em um board específico sobre a solução final, que cito no início do texto.

Entregar

Toda a parte visual foi desenvolvida pelos dois designers talentosíssimos que tive o prazer de trabalhar junto durante esse bootcamp: João Brito e Thiago Yuti. Abaixo esta o resultado da criação:

Alguns exemplos dos protótipos desenvolvidos | Foco em soft skills
Alguns exemplos dos protótipos desenvolvidos como solução | Exclusivo para pessoas que não residem em grandes centros (concorrência menor)
Alguns exemplos dos protótipos desenvolvidos como solução | Match de perfil entre candidato e vaga mesmo sem ter experiência de trabalho, focando nas habilidades e preferências

Não foi possível desenvolver a etapa de testes de usabilidade, por tempo e agenda de compromissos profissionais.

Refatoração e aprendizados gerais

O termo refatoração é muito usado entre desenvolvedores de sistemas e alguns dos benefícios em aplicá-la após a finalização da tarefa são melhorar leiturabilidade, escalabilidade e performance.

Entre a finalização do bootcamp e o dia da publicação desse case, estudei bastante, fiz cursos, estou sendo mentorada, conversei com pesquisadores atuantes no mercado e em comunidades, participei de processos seletivo e com toda essa bagagem hoje, guiaria esse projeto de uma forma diferente.

Como eu faria hoje (refatoração):

• Desk Research em uma estrutura de board, com referências e principais insights e aprendizado sobre cada leitura.

• Planejamento da pesquisa de forma a não escolher somente o método e as questões. Iniciaria definindo quais objetivos gerais e específicos que gostaríamos de atingir, quais grupos de pessoas gostaríamos de entrevistar, plano de recrutamento, teste das questões, de que forma faríamos a análise e síntese de dados, e de que forma faríamos a entrega dessas informações dentro do projeto.

• Além da análise mais detalhada, a elaboração de um questionário com ramificação para pessoas que estudam e não estudam, facilitando no momento de traçar os perfis.

• Aplicação de teste de usabilidade.

Contexto Covid: A apresentação foi no dia 04/03, algumas semanas antes do início da pandemia. A distância entre a solução apresentada e a realidade desses jovens durante a quarentena é muito grande, sendo necessário uma reformulação da solução para o atual cenário.

Foram 8 semanas de muitos desafios, muitos aprendizados e trocas. Além do time excelente que somou na construção do estudo de caso (João Brito, Thiago Yuti e João Alcântara), conheci muitas histórias e ouvi sobre experiências que ajudaram a construir pensamento mais crítico, observador e atitude mais solucionadora.

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