Encontre ou construa a sua comunidade

Karen Santos
UXMP
Published in
5 min readSep 4, 2020

Dororidade, ubuntu, aquilombamento, entre outros conceitos e vivências que me fizeram criar uma comunidade para mulheres negras, e a importância de você construir a sua ou participar de uma.

Antes de começar, gostaria de mencionar um caso de uma tribo na África, contado pela jornalista e filósofa, Lia Diskin, durante o Festival Mundial da Paz, em Florianópolis (2006).

Uma antropóloga propôs uma brincadeira para um grupo de crianças africanas, ela colocou uma cesta cheia de frutas perto de uma árvore e disse: O primeiro que chegar, ganhará todas as frutas sozinho. Ao sinal todas as crianças correram ao mesmo tempo, mas de mãos dadas em direção a arvore, depois sentaram para desfrutarem juntos da recompensa.

Quando a antropóloga perguntou, pq elas fizeram daquela maneira, ja que um deles poderiam ter ficado com tudo se tivesse ganho o jogo sozinho. E eles responderam: — Ubuntu, como um de nós poderia ficar feliz, se todos os outros estariam tristes?

Quatro conceitos que permeiam a UX para Minas Pretas enquanto comunidade

Comunidade

Entre vários significados, a comunidade pode ser considerada um conjunto de indivíduos, inclusive de nações diferentes, ligado por determinada consciência histórica ou por interesses sociais, culturais, econômicos ou políticos comuns.

Ubuntu

O Ubuntu baseia-se na ideia de que todas as pessoas estão relacionadas e faz parte de uma grande família. Assim como na física quântica, o Ubuntu sustenta que a separação não existe: estamos todos entrelaçados (os átomos), num emaranhado de conexões, infinitas. Quando estamos em sintonia com essa conexão, significa que estamos trazendo abertura e magnanimidade para os outros.

Nelson Mandela fala sobre o UBUNTU

Aquilombamento

“O aquilombamento é uma necessidade histórica, é um chamado, uma reconexão com nossa ancestralidade para atuar no presente, é construir esperança, é construir força, é construir sonho, é construir um futuro melhor!” — Joselicio Junior

Quando essa reconexão acontece a partir da dor, ou melhor, da dororidade

Vilma Piedade, mulher negra, pós-graduada em literatura brasileira e português, — e uma ferrenha lutadora dos direitos das mulheres negras, fala com pulmões plenos e uma força no olhar:

“Dororidade” é a cumplicidade entre mulheres negras, pois existe uma dor que só as mulheres negras reconhecem, por isso, a sororidade não alcança toda a experiência vivida pelas mulheres negras em seu existir histórico.

Vilma Piedade

A dororidade e a dor que só as mulheres negras reconhecem e eu como muitas outras reconheci também, ao migrar para a área de UX, eu não me senti representada, o número de pessoas negras, em especial, mulheres negras, que era e, ainda é, extremamente baixo. Eu não conseguia entender como uma área que tratava da experiência das pessoas poderia ser tão pouco diversa em relação à construção dos produtos e soluções. A pergunta que começou a me seguir desde então foi: Se as pessoas negras não estão nas equipes, nas empresas, e pensando nessas experiências, quem está? Inclusive, falo um pouco disso no texto: "Design Centrado no Usuário, enquanto pessoas negras nunca foram o centro".

A partir dessa dor, de não me enxergar nos lugares, cursos, eventos, empresas, criei a iniciativa UX para Minas Pretas, que hoje ao lado de mulheres incríveis como Aline Santos, Patrícia Gonçalves, Melissa Fonseca, Luciana Miranda, Sueni Jardim, Germana Rosa, Maiara Marinho, Camila Rodrigues, entre outras que nos apoiam na linha de frente, formamos um time, de e para mulheres negras. Assim, promovemos a equidade de mulheres negras no mercado de tecnologia com foco em UX, através de ações de formação, empoderamento, compartilhamento de conhecimento e articulação em rede.

Hoje, temos 1 ano e meio de vida e o nosso trabalho está apenas começando, e vou te dizer, não é nada fácil. Existe um abismo social entre nossa sociedade, que nos atinge em diversas esferas. Atualmente nos fortalecemos através de conexões, autocuidado, ambiente seguro e de afeto, acolhimento, escuta, sociabilidade. Buscamos minimizar esses danos para as mulheres negras da nossa comunidade, é no sentido coletivo, na cria de laços, construção de identidade que nos fortalecemos.

Tendo a dor identificada, mapeada e direcionada, outras como eu automaticamente se conectaram, pois, na dificuldade a gente se entende bem e não tem por que sentirmos isso sozinhas. Pensar enquanto comunidade, é enxergar a importância das alianças e do relacionamento das pessoas, umas com as outras, é saber que eu não terei vencido enquanto os meus semelhantes são diminuídos, oprimidos.

– De Ubuntu, as pessoas devem saber que o mundo não é uma ilha: “Eu sou porque nós somos”.

Lembrar o passado, para entender o presente e construir o futuro

Criar uma comunidade é sobre se organizar, constituir espaços que possamos refletir e agir sobre a nossa realidade. Questionar o que está posto que nos oprime e construir demandas, ações concretas, nos colocar em movimento para mudar o que está ao nosso redor.

É preciso compreender a nossa história, nossas origens, nossa cultura, resgatar nossas memórias, é lembrar o passado, para entender o presente e construir o futuro.

Estar em comunidade é também saber se comunicar, organizar conceitos, construir fundamentos, narrativas e estabelecer diálogo com o conjunto da sociedade. É a batalha das ideias. Além de descolonizar ou hackear o nosso corpo, precisamos descolonizar e hackear as nossas mentes.

Me diga com quem andas e eu te direi se irei contigo!

Está na hora de você, é, você mesmo, unir a sua força com os seus semelhantes, de se conectar e enxergar um propósito em comum, entender quais são as barreiras que você enfrenta, na sua região, na sua área, no seu trabalho etc.

Identifique outras pessoas que passem pelo mesmo e juntos construam formas, pontes, e estruturas para mudar esse cenário.

Em um momento onde muito se fala de experiência dos usuários, onde você se encontra? Qual é a sua experiência em relação ao mundo? O que você já viveu e deseja muito compartilhar? O que você sofreu que outras pessoas sofrem também? E o que você aprendeu nessa trajetória que você possa ensinar?

Nós temos o poder de revolucionar tudo a nossa volta, com pequenas ações, com diferentes perspectivas, nós temos o poder da conexão com as pessoas e isso é tão real. Por que não usarmos disso para melhorar a vida de alguém e consequentemente nos realizamos enquanto pessoas, sociáveis e que sim, precisa do outro para seguir em frente?

Já faz um tempo que eu venho pensando em falar mais sobre a construção de comunidade, algumas pessoas perguntam como fazer, quais são os processos e por onde começar, mas nesse texto eu gostaria de deixar apenas a reflexão inicial e se você pensa que faz sentido e quer saber mais, comente comigo aqui ou nas redes sociais para que eu possa criar mais conteúdo relevante, beleza?

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