Entrevista com Roberta Carvalho: como é ser designer fora do Brasil

UX para Minas Pretas
UXMP
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6 min readSep 16, 2019

Por Patrícia Gonçalves

Quando eu comecei a entrar nos grupos de meninas negras de UX/UI (sou jornalista de formação e experiência) percebi que ele tem a mesma carência que a maioria das áreas do mercado: nós, pessoas negras, temos poucas referências de outras mulheres em cargos de destaque, com experiências vastas e outras narrativas que não sejam de dor e sofrimento para contar.

Por isso, eu resolvi que uma das colunas aqui no Medium seria de entrevista, daquelas bem “ping-pong” mesmo. É importante que mulheres negras sejam visibilizadas e reconhecidas no mercado de trabalho.

Conheci a Roberta Carvalho via Instagram, em algum momento postaram o perfil dela e eu comecei a segui-la pelas fotos maravilhosas que ela tem por lá. Além disso, descobri que ela é designer, mora atualmente na Bélgica e é brasileira. Fiquei bem feliz de saber dessa trajetória e percebi que seria interessante contar como foi até chegar em um cargo em outro país.

Pois bem, acho que vocês vão curtir ler mais sobre essa mulher. Ela é a concretização do sonho de diversas mulheres negras, e de outras que não ousaram sonhar uma carreira internacional. Inspirem-se!

1-) Como foi a sua escolha por design como formação/graduação? Por quê?

Eu sempre fui uma pessoa muito visual e desde pequena eu falava que eu seria designer de interiores. Ao mesmo tempo, eu gostava muito de ler revista, era o meu hobby, e os meus pais sempre incentivaram muito isso.

Eu reparava no layout, nos editoriais, etc. Comecei a sonhar em trabalhar com isso. Já na adolescência, no ano em que eu iria me formar, uns professores da faculdade ESPM foram fazer uma palestra na minha escola e eu fiquei sabendo que havia um curso de design gráfico lá. Quando eu vi a grade do curso eu decidi que era aquilo o que eu queria. Prestei o vestibular totalmente focada para esse curso da ESPM.

2-) O seu período de estágio já te levava para o que você faz hoje? Qual dica você dá para quem está começando na área e à procura de estágios?

O meu primeiro estágio foi na Editora Abril trabalhando na Revista Nova, o que para mim foi a realização de um sonho porque eu me formei em design para poder trabalhar com revistas. Foi uma grande escola porque eu trabalhei com profissionais incríveis e a estrutura da Editora Abril era maravilhosa, as principais revistas que eu lia quando criança eram feitas ali.

Minha principal dica é: seja interessada, curiosa e proativa. Vá atrás de oportunidades dentro e fora da sua faculdade. Antes de trabalhar na editora eu trabalhei na empresa júnior dentro da minha faculdade, o que também foi ótimo porque me deu uma boa ideia de como seria o dia-a-dia num escritório, numa empresa. Eu lembro que eu estava sempre em busca de novas oportunidades, isso é o principal pois em algum momento você conseguirá algo.

3-) Como você começou a carreira internacional? Quais são as dicas pra quem deseja trabalhar fora?

Desde pequena eu sempre sonhei em morar fora e em ter uma carreira internacional. Assim que eu me formei na faculdade comecei a estudar possibilidades de sair do país. Dentro da minha faculdade havia um escritório da AIESEC(uma organização global que promove o intercâmbio de trabalho) e um dia fui procurá-los para entender as oportunidades que eles ofereciam. Eles não tinham as oportunidades que eu esperava, mas me disseram que haviam vagas para trabalho na Índia como designer.

Inicialmente eu relutei até que decidir considerar. Em 2 meses estava eu embarcando para uma cidade no norte da Índia chamada Chandigarh, o que foi uma experiência incrível, tanto pessoalmente, como profissionalmente. Fui por um período de 6 meses mas antes mesmo de retornar ao Brasil eu já comecei a planejar a minha segunda viagem, desta vez para a Europa. Também por meio da Aiesec eu consegui uma oportunidade de estágio na Bélgica, onde estou há quase quatro anos.

Minha dica principal é ter muita persistência, flexibilidade e visão de futuro, pensar a longo prazo. Esteja aberto às oportunidades e encare as adversidades, os “NÃO’s”, como algo positivo.

4-) Sobre a sua experiência com UX/UI. Houve alguma adaptação diferente para migrar de área? Qual dica e como consumir conteúdos sobre o assunto?

Minha experiência com UX/UI começou no meu estágio na Índia onde trabalhei numa I.T. company que desenvolvia especialmente app’s e sites para clientes nos Estados Unidos e Canadá. Lá eu trabalhava com um time de developers, gerente de projetos e outros profissionais, etc. Eu aprendi fazendo, testando, perguntando pros colegas. Lá comecei a enveredar pra parte mais digital do Design e menos o impresso. Naquela época, em 2014, ainda não existia Adobe XD, InVision, Slack, Basecamp e outras ferramentas hoje essenciais no trabalho do UX Designer. Não era um processo tão ágil como é hoje, em que tudo é integrado.

Algo que é interessante hoje em dia é a quantidade de cursos online sobre UX e UI. Há uma infinidade deles, SkillShare, Coursera, Lynda.com, Udemy e claro, muito conteúdo gratuito no YouTube. É a forma mais fácil de se manter atualizada. Para referências eu gosto bastante do Dribble.

5-) Hoje você trabalha muito com designer e na área de marketing. Qual foi o caminho para ir pra esse segmento de mercado?

Por ter me formado na ESPM, que é uma escola totalmente voltada para o marketing e negócios, acabei indo mais para esse lado. Isso fez uma boa diferença no meu currículo porque me deu um entendimento melhor de negócios e não apenas na parte criativa. Durante o período em que morei no Brasil trabalhei muito com marketing de moda, tanto em agência como em marca.

6-) Qual a principal diferença de trabalhar na Bélgica e no Brasil? Você encontrou dificuldades no idioma, trabalho, cultura, etc.?

Trabalhar em uma outra língua é sempre um desafio, mas acho que na Índia foi ainda mais difícil do que na Bélgica porque o inglês dos indianos tem mais sotaque, é mais complicado de entender.

No entanto, tive outras dificuldades. O ambiente em que trabalho hoje na Bélgica é bem diversificado, há pessoas de todas as nacionalidades o que exige uma flexibilidade maior para lidar com pessoas de diferentes culturas, o famoso jogo de cintura. Isso vale não só no trabalho, como fora dele também, mas acho incrível porque me deu uma compreensão bem maior sobre o outro, sobre a forma de pensar em outras culturas. Acho que me tornei uma pessoa mais empática por tentar entender algo sob o olhar do outro, não só o meu.

Europeus são em geral um pouco mais metódicos em relação ao trabalho o que me trouxe com o tempo uma organização bem melhor em relação às minhas tarefas e até a forma de pensar, hoje em dia eu trabalho de forma mais organizada, com processos mais estabelecidos, mas no começo senti muito a diferença porque estava acostumada com o ritmo (muitas vezes imprevisível) de agência no Brasil.

7-) Deixe algumas dicas para mulheres negras que estão começando e para quem já está no mercado!

Nunca se sinta diminuída por ser uma minoria no seu ambiente de trabalho, seja você negra, mulher, periférica etc. Seja boa no que você faz, se esforce ao máximo, mostre o seu trabalho e a sua competência e crie a sua confiança baseada nisso. Às vezes por sermos as únicas num determinado ambiente nos sentimos tímidas mas aprendi a contornar essa situação e usar isso como motivação pra seguir.

A dificuldade maior é que ainda somos uma minoria no ambiente corporativo, nos altos cargos e nas grandes corporações. Pra mim esse é o maior exemplo de preconceito. Eu sempre fui bem recebida nos escritórios por onde passei mas sempre fui praticamente a única negra e esse pra mim é o maior exemplo de preconceito, é algo velado mas ao mesmo tempo, está escancarado. Sinto que está mudando mas ainda temos um longo percurso a seguir.

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