Meu vértice em UX e psicologia, a empatia

Melo
UXMP
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4 min readAug 5, 2020

Considere o que você já ouviu sobre empatia por aí, mas não se deixe capturar por isso. “Capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa” é uma definição um tanto rasa para um conceito tão profundo.

Hug Illustration by artist Kelly Colchin

Meus amigos designers de experiência incluem a empatia como uma etapa do processo de construção de um produto ou serviço. Nesta etapa, que é essencial, o time pretende entender melhor seu consumidor final (acá, persona) para então — se colocando neste lugar de necessidade de uma solução específica — criar essa chave digital, um aplicativo, um site, um serviço, a integração entre consumidores e prestadores de serviço, entre muitas outras opções viáveis.

Já aqui do outro lado, com meus amigos psicólogos, a persona talvez compartilharia um lugar muito parecido com o paciente no consultório de psicoterapia. Nesse cenário a empatia é também uma etapa inicial (que talvez chamaríamos de acolhimento), mas ela é, para além disso, um fio condutor.

Acreditamos que o vínculo é o núcleo dinâmico de uma análise com algum progresso clínico. O vínculo é o grande tudo ou nada na análise. Um paciente vinculado ao terapeuta se identifica com ele, e com isso se forma, aos poucos, uma relação.

Se é possível, através do vínculo, que o paciente se relacione com o seu terapeuta, guardadas as proporções, mais cedo ou mais tarde ele vai reproduzir seu modo de ser e existir no mundo dentro do setting — o nome que damos para o espaço material e imaterial da terapia, desde o consultório até os acordos iniciais entre paciente e terapeuta e aspectos no imaginário dessa pessoa.

Terapia e UX

Ok! Chegamos ao ponto crucial da terapia que nos ensina o algo a mais para a empatia do UX: o paciente pode se vincular e se relacionar com qualquer outra pessoa no mundo, mas ao contrário de ser transformador, isso se torna quase sempre palco para a repetição de padrões comportamentais.

A diferença é que quando ele faz isso com o psicólogo, em especial quando ele está em um estágio avançado de vínculo que permite que ele desligue algumas defesas naturais, diferente, talvez, das outras pessoas com quem esse paciente se relacionou na vida, o terapeuta vai nesse momento específico utilizar a empatia para intervir.

Além da possível mudança comportamental, nos interessa esse tipo muito especial de empatia. De quem estava o tempo inteiro ouvindo as histórias, analisando os padrões e entendendo como esses comportamentos negativos se apresentaram no passado para fazer uma intervenção cortês (conforme as necessidades individuais).

Ao invés de reforçar as faltas que já existiam, o terapeuta vai fazer a tentativa de reparar esses “buracos” e falhas no desenvolvimento subjetivo de cada pessoa. E olha aqui o interesse em comum, afinal, esses produtos todos que estamos desenvolvendo também não tem o objetivo de atender uma necessidade?

Só de descrever isso, ao pensar no meu dia a dia de um trabalho focado na experiência do usuário em um aplicativo de saúde mental, já penso em como é desafiador transportar essa lógica da terapia para o mundo corporativo.

Como aprimorar a empatia em um processo de UX

Talvez seja bem pretensioso o que vou propor agora, mas eu enxergo algumas habilidades do terapeuta que poderiam ser emprestadas a um UX designer que quer aprimorar a capacidade empática, ou ter um panorama mais aprofundado sobre isso, então segue a lista.

1. Empatia fluída

A gente precisa mesmo tratar isso como um processo.

Não vou me alongar muito nessa ideia, porque acho que tudo que falei até aqui direciona para essa conclusão. Vou só resgatar a etimologia da palavra “empatia” que do grego, EMPATHEIA, se relaciona com os significantes “paixão, estado de emoção, sentimento”.

É um erro querer que algo baseado em sentimentos seja uma etapa.

Quando você esteve apaixonado, você conseguia separar 1 hora do dia para pensar na pessoa amada e depois desligar seus sentimentos disso? Pois é!

2. Relacionamentos profundos

Note que a descrição que eu fiz da construção da empatia entre paciente e terapeuta, levaria, pelo menos, algumas semanas para acontecer.

É ambicioso pensar que você consegue se colocar no lugar de alguém com quem você não se relaciona. O convívio e a proximidade (que é diferente de intimidade!) são uma via de acesso possível entre empresa e consumidor, e você UX, talvez seja uma das poucas pessoas olhando para isso.

Relacionamentos são uma necessidade humana, e se você conseguir proporcionar a sensação de pertencimento, de comunidade, e de familiaridade para o seu público, não tenha dúvidas de que isso vai fazer uma diferença enorme.

3. História de vida no centro

A formação em UX nos incentiva bastante a colocar o consumidor no centro, o que é um grande passo.

No entanto, olhando bem para os fluxos dessa prática eu diria que a empatia nos convida a colocar a história de vida das pessoas no centro, em detrimento de outros aspectos. Entender desde quando algumas necessidades são presentes, como se relacionam afetivamente com cada um, e como a resolução dessas problemáticas pode ser significativa.

Considerar a história de vida e torná-la essencial é abrir um espaço para a subjetividade.

No mundo de hoje em que todos estamos chateados com a lógica de consumo massivo, exaustos da falta de personalização e de como somos frequentemente tratados como números, o exercício da subjetividade é uma verdadeira revolução.

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Melo
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tentando escrever com normalidade sobre coisas nem tão normais assim