O processo de UX Research: aprendizados iniciais

Glória Ruz
UXMP
Published in
8 min readJun 20, 2020

Recentemente, tive a oportunidade de fazer o curso de UX Research pela Mergo graças à iniciativa UX para Minas Pretas, que vêm atuando em prol da equidade de mulheres negras no mercado de tecnologia com foco em UX e tem sido uma rede de fortalecimento para mim em vários aspectos. Neste texto compartilho parte do meu aprendizado no curso de fim de semana da Mergo com o Edu Agni.

Antes de contar o como foi a minha experiência no curso e as etapas do processo de pesquisa com foco no usuário, é importante entender o que é UX Research.

Segundo a Interaction Design Foundation, UX Research é a investigação sistemática de usuários e seus requisitos, para adicionar contextos realistas e insights aos processos de design. (tradução minha)

Para isso, os UX Researchers utilizam vários métodos com o objetivo de explorar e validar hipóteses acerca das dores e necessidades dos usuários e junto aos usuários.

interessante…

Tivemos como foco a pesquisa qualitativa — método de pesquisa que já tenho familiaridade devido às experiências de pesquisa que empreendi e participei ao longo da minha graduação, em temas como Áudio-descrição, Línguas indígenas brasileiras e ensino-aprendizagem de Português.

Até aí ok, pensei, eu entendo disso, mas como posso fazer pesquisa com foco no usuário de modo a viabilizar soluções que agreguem? Foi neste momento que o Edu Agni nos apresentou a seguinte afirmação:

“No design, você está resolvendo as necessidades do usuário e as metas de negócios. Na pesquisa, você está resolvendo a falta de informação”. — Erika Hall

Essa frase da Erika Hall, Design Strategist e co-fundadora da Mule Design, foi um acalento para a minha alma. Ou seja, o objetivo da pesquisa não é uma solução propriamente dita, mas a busca por resolver a falta de informação.

Então, para solucionar a falta de informação é necessário pesquisar sobre o que já foi dito sobre o que se quer saber, e, principalmente, conversar com pessoas, fazer perguntas, compreender motivações e procurar pistas comportamentais, entre outras estratégias de pesquisa. Para isso, tomamos como rota as seguintes etapas de um projeto de pesquisa:

  • Objetivos de pesquisa
  • Exploração do tema e hipóteses
  • Identificação dos grupos de usuários
  • Escolha das metodologias
  • Planejamento de pesquisa
  • Recrutamento e aplicação da pesquisa
  • Debriefing
  • Download da pesquisa

Levando em consideração o contexto sócio-histórico que nos encontramos, a pandemia de coronavírus, tivemos como tema de pesquisa a seguinte questão:

Como nós podemos ajudar pessoas que estão trabalhando em Home Office devido a quarentena a manter uma boa saúde mental?

E como objetivos específicos:

  • Entender as principais mudanças na rotina acarretadas pelo Home Office forçado;
  • Mapear os elementos de pressão e estresse causados pelo trabalho e isolamento social;
  • Descobrir o estado da saúde mental dessas pessoas, e se estão fazendo algo a respeito.

Partindo dos objetivos, que na prática, muitas vezes vêm de questionamentos da empresa e dos stakeholders, iniciamos nossa desk research que consiste num levantamento bibliográfico, ou seja, “material já publicado em relação ao público-alvo, produto ou assunto tema do projeto pesquisado”. Nesta etapa e nas seguintes, tive a oportunidade de executá-las com mais quatro colegas do curso e que já trabalham com UX Design. Então, para mim, foi muito enriquecedor aprender e compartilhar com eles. ❤

Fizemos a desk research primeiramente de forma individual e, em seguida, compartilhamos nossos achados em post-its para melhor visualização das informações coletadas. Depois categorizamos as anotações e informações em tópicos:

Desk Research

Destes tópicos partimos para um método que desde que aprendi gosto muito de implementar que é a matriz CSD, certezas, suposições e dúvidas. É nela que podemos partilhar tudo aquilo que temos sobre o tema e definir a partir das suposições e dúvidas o que vale a pena investigar mais a fundo.

Matriz CSD

Depois de estabelecida nossas hipóteses e o que continuaríamos investigando, tudo isso sem perder do foco os objetivos, pudemos desenhar um esboço de nosso público-alvo.

Com isso estabelecido, é possível rodar uma pesquisa do tipo survey (formulário online), que resultará em dados demográficos e geográficos, que compõem as variáveis de segmentação, e dados um pouco mais específicos como os relacionados aos aspectos comportamentais e atitudinais. O passo posterior é o recrutamento, que não pode ser vivenciado devido às limitações de tempo e espaço, mas pudemos discutir sobre. Para este passo é importante atentar a essas variáveis, pois quanto mais características dos arquétipos delimitados por elas, mais facilmente se encontrará as respostas para as hipóteses.

A escolha do método: Quantitativo x Qualitativo

A diferença fundamental entre esses métodos de pesquisa é a subjetividade inerente à pesquisa qualitativa e a possibilidade de análise matemática da pesquisa quantitativa. Longe de mim estabelecer uma hierarquia entre ambos os métodos, o que aprendi é que a combinação é a chave. Se tratando de pesquisa em UX, o foco acaba sendo maior na dicotomia atitudinal x comportamental, o famoso o que dizem e o que fazem.

O foco é o usuário, logo escolher um método que envolva interação direta ou indireta com o usuário, mesmo que parta de uma análise subjetiva de tais dados, nos ajuda a entender as dores e as necessidades destes. Assim, praticamos a pesquisa em profundidade que para além da compreensão do contexto e de quem é esse usuário, nos possibilita a oportunidade de um Feedback direto.

A etnografia do usuário

A pesquisa em profundidade tem perguntas abertas, o que promove um espaço maior para que o entrevistado explore os conteúdos das respostas, com isso evita-se também que a entrevista seja demorada, repetitiva e, até mesmo, cansativa. Além disso, aplicamos um roteiro semi-estruturado, ou seja, um formato em que o entrevistador tem perguntas pré-definidas, mas não enrijecidas, o que permite colocar outros questionamentos que surjam ao longo da entrevista. Esse tipo de pesquisa geralmente se inicia com uma pergunta mais genérica e, progressivamente, são feitas perguntas mais específicas.

Para a execução deste tipo de pesquisa qualitativa descontextualizada, já que não estávamos utilizando um protótipo ou produto apenas coletando informações, faz-se interessante uma equipe formada por três pessoas: um entrevistador, um observador e um observador operador, que é quem manuseia os equipamentos de câmera e vídeo, nesses casos com a declaração de consentimento.

Enquanto o entrevistador conduz a entrevista, os observadores fazem anotações e intervenções pontuais, caso necessário. No contexto do curso, trocamos alguns membros das equipes e cada equipe pode entrevistar três pessoas, e eu atuei como observadora.

Debriefing / Reflexão pós-ação

Após a pesquisa, a equipe se reúne para discutir suas anotações e percepções sobre o que foi ouvido durante a sessão. Nesse momento, os observadores contribuem bastante já que estavam atentos às expressões, tom de voz e posicionamentos que, em geral, não são captados apenas no diálogo, mas decorrem de uma observação mais acurada e com foco.

A partir dessas observações e apontamentos, é interessante cruzar informações e descobrir as variáveis comportamentais comuns. Os principais insights dessas informações foram categorizados em motivações, frustrações, rotina, background e objetivos. Anotados em declarações curtas com o objetivo de resumir o apreendido. Tais informações podem ser utilizadas para tomada de decisões sobre o que trabalhar, alterar ou pesquisar em seguida.

a pesquisa não é apenas no início, ela pode ser feita em qualquer momento do processo desde que haja necessidade de mais informações.

Debriefing

Com o debriefing em mãos pode-se discutir os entregáveis, e assim como a metodologia a ser utilizada, dependerá do objetivo do seu projeto, em geral os entregáveis são: personas, mapa de empatia, jornada do usuário, Canvas de proposta de valor, entre outros. O nosso pautou-se no desenvolvimento de uma persona (indica-se pelo menos três).

“Personas são personagens fictícios de produtos e serviços que representam as necessidades de um grupo maior de usuários. Devem ser criadas com base em dados reais e atuam, nos projetos de design, como representantes dos usuários reais ajudando a equipe a tomar decisões sobre funcionalidades e design.”

— Alan Cooper, Software Designer, programador e co-fundador da Cooper.

Ao longo das etapas anteriores, já tínhamos identificado amplamente o grupo de usuários, definido as variáveis de segmentação, coletado dados, sintetizado características e objetivos relevantes, e ao verificar as informações complementares e redundâncias, pudemos expandir as descrições de atributos e comportamentos e definimos de modo mais específico a nossa persona.

Analisando os dados, percebemos que a pandemia tem promovido insegurança em relação ao futuro e ansiedade, aspectos que tem relação ao fato de estar privadx do direito de ir e vir, de ter sua rotina deslocada, ver amigxs e/ou colegxs de trabalho perdendo seus empregos; dificuldade em conciliar as atividades do trabalho com as atividades domésticas e/ou sobrecarregar-se de tarefas, tais exemplos se somam e resultam em autorreflexões, necessidade de autoconhecimento, que reflete na busca por terapia, investimento em aprendizado e procura de um cargo profissional melhor, entre outros achados. (se identificou com algum?).

Download da pesquisa

E, por fim, para compartilhar as descobertas do processo de pesquisa, além de apresentar relatórios e os resultados da pesquisa aos stakeholders, é possível escrever em blogs e/ou publicar artigos acerca das descobertas, entre outras formas de viabilizar os resultados da pesquisa não somente aos envolvidos, mas, também, contribuir com o desenvolvimento da comunidade.

Considerações finais

A partir do questionamento “Como nós podemos ajudar pessoas que estão trabalhando em Home Office devido a quarentena a manter uma boa saúde mental?”, encontramos um desafio à primeira vista, não só pela real situação pandêmica que tem afetado várias pessoas no mundo, mas, também, pela nossa própria experiência em estar no home office, (o caso de todos da equipe), fato que facilmente pode enviesar qualquer pesquisa ou processo em UX.

Nesse sentido, o exercício de colocar um pouco dos nossos entendimentos de lado e partir do zero para não somente apreender mas aprender como é o cotidiano dx outrx é fundamental. Não somente para a atuação na área de UX, mas para o exercício de nossa humanidade a empatia é indispensável.

Agradeço a UX para Minas Pretas e ao Edu Agni pela oportunidade de aprendizado, sigo empolgada com os estudos e ansiosa para colocar esses aprendizados em prática no mercado de trabalho.

Agradeço também a você que está lendo pela interação (autora-texto-leitorx), sinta-se à vontade para comentar, dar feedbacks e compartilhar. :)

#research

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Glória Ruz
UXMP
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recifense, linguist, product manager at @picpay y muchas otras cosas