Storytelling e a importância da narrativa para UX Writing

Compreenda a necessidade de se beneficiar dos conceitos do storytelling para criar narrativas impactantes no UX Writing.

Bruna Sarga
UXMP
10 min readAug 5, 2021

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O número de especialistas em redação com foco na experiência do usuário está aumentando na comunidade de design. Por ser uma área relativamente nova, as pessoas que estão assumindo esta função buscam entender exatamente o que precisa ser feito. E, em especial, como tem que ser feito.

Muita coisa já foi definida. E uma delas é a necessidade de se beneficiar dos conceitos do storytelling para criar narrativas impactantes no UX Writing. Apesar de ter muito conteúdo a respeito da ferramenta, entendo que, às vezes, ela pode ser um pouco complexa.

Diante disso, resolvi escrever e exemplificar conceitos do storytelling aplicados ao UX Writing que aprendi com a Cris Luckner, Senior UX Writer no Nubank, acrescentando o que eu entendo a respeito do tema.

UX Writing: o que é e para que serve?

Se você trabalha — ou pretende trabalhar — com a construção de textos para sites e aplicativos com foco no usuário, já deve saber que UX Writing é feito para estabelecer uma experiência de compreensão, orientação e identificação nas pessoas que irão usar o seu produto ou serviço.

Ou seja, ele ultrapassa os limites dos pequenos textos escritos numa interface como, por exemplo, títulos, botões, descrições, notificações e alertas. E desempenha os seguintes papeis:

  • O papel de guia, ao ajudar as pessoas a tomar ações levando-as a alcançar seus objetivos como, por exemplo, o preenchimento de um formulário.
  • O papel de informar, ao indicar para a pessoa onde ela está e para onde vai.
  • E o papel de entender, ao saber como a pessoa está se sentindo naquele contexto/etapa da experiência, e como ela gostaria de se sentir.

Resumindo, não é simplesmente preencher as lacunas vazias de uma interface com palavras.

Storytelling: uma ferramenta de comunicação

Uma empresa que depende de pessoas realizando uma ação — comprar um serviço, um produto, usar uma ferramenta ou um sistema — precisa que as palavras sejam inclusivas e fáceis de entender para ter uma comunicação eficaz.

Além de uma comunicação eficaz, é vital que haja identificação e conexão com as soluções oferecidas. Mas como criar conexão? Através de histórias. Nada como apelar para a mais antiga forma humana de troca de experiências.

O espanhol Antonio Núñez, em seu livro ¡Será mejor que lo cuentes!, define storytelling como:

“Uma ferramenta de comunicação estruturada em uma sequência de acontecimentos que apelam a nossos sentidos e emoções”

Histórias são fundamentais para que nós, seres humanos, consigamos dar sentido à vida e a tudo que nos rodeia. Através das histórias as pessoas conseguem absorver e compreender melhor os valores praticados no convívio social.

As histórias transmitem princípios morais e estimulam nossas emoções. Essas emoções criam lembranças que, por consequência, proporcionam memórias.

A importância de contar histórias

Existe um conceito que esclarece a essência sobre a nossa capacidade de estabelecer conexão com o outro: o conceito dos neurônios espelhos. Ele nos ajudará a entender a importância de contar histórias.

Quando vemos alguém fazer algo, automaticamente simulamos a ação no nosso cérebro. É como se nós mesmos estivéssemos realizando aquela ação.

Por isso choramos, ao se comover pela história de um filme ou série, quando vemos um personagem chorar. O nosso cérebro tende a imitar mentalmente a ação que observamos.

A história, por sua vez, nos ajuda a entrar no modo mais profundo da realidade observada. Então, ao contar uma história, ela passa a ser vivida dentro da cabeça dos usuários fazendo essas pessoas se identificarem com aquela situação. Isso aumenta a conexão e gera mais engajamento com a marca.

Tragam à tona a emoção e criem conexões

Convém por aqui uma expressão traduzida para o linguajar econômico: Capital Emocional. O termo foi criado por Steven J. Heyer, presidente da Coca Cola, que a mencionou em discurso na abertura do evento promovido pela revista Advertising Age, em 2003, afirmando:

“Vamos utilizar um conjunto de diversos recursos de entretenimento para entrar nos corações e mentes das pessoas. Nessa ordem… vamos nos deslocar para ideias que tragam à tona a emoção e criem conexões.”

Buscando entender a base emocional que motiva a tomada de decisão do consumidor tanto para consumo de mídia como para fazer compras, surge a expressão Economia Afetiva que mantém seu ponto de foco onde grandes histórias e grandes vendas se encontram. É aí que entra o storytelling.

Para UX Writer criar grandes memórias — com experiências positivas para os usuários do seu produto ou serviço — , é imprescindível a projeção de uma história bem contada.

3 Regras para apresentar uma história bem contada

Dan Roam, um dos meus autores favoritos, apresenta três regras para conseguirmos contar uma história da melhor maneira possível, gerando grande impacto.

Regra nº 1 — Conte a Verdade

Nunca, na sua história, você pode fugir da verdade. Mas você não deve contar a verdade apenas por meio da lógica. Ou contar a verdade apenas usando informações e dados.

É preciso contar essa história através de três lentes que são:

O aspecto da Cabeça é formado pela credibilidade e identificação com o público. Quem está passando a informação deve ser confiável e o conteúdo também deve ser apresentado de forma transparente para que gere credibilidade. Gere a sensação de “eu penso que é verdade”.

O aspecto do Coração é formado pela capacidade de conseguir provocar emoções e sentimentos no seu público. O mensageiro utiliza os seus valores, as suas crenças e compreensão para comover as pessoas. Estabelece uma carga emocional, quase espiritual de “eu sinto que é verdade”.

Por último, o aspecto dos Pés, que é formado pelo uso da razão e do raciocínio através de dados comprovados. Produz convicção de “eu vejo que é verdade”

Regra nº 2 — Use a estrutura PUMA

Conte uma história com PUMA (Presentation Underlying Message Architecture) e o entendimento acontece.

Dan Roam garante que qualquer modelo de história que for aplicado na estrutura do PUMA fica mais fácil de ser compreendida.

Como exemplo, vou usar o modelo mais difundido na sociedade: o drama, conhecido também como A Jornada do Herói.

Joseph Campbell apresentou a Jornada do Herói em 17 passos, mas algumas modificações aconteceram ao longo do caminho. No UX Writing não é necessário seguir o sistema da Jornada do Herói ponto a ponto. Mas sim reestruturar o modelo do storytelling usando apenas aquelas partes que servem a seu favor.

Observe, na imagem logo acima, uma estrutura simples com um começo, meio e fim.

No começo temos o mundo normal, um cenário em que a pessoa usuária vive. Depois surge um problema, ou conflito em que ela é obrigada a tomar alguma ação. Sem o conflito não existe uma história, porque a pessoa continuaria no mundo normal dela.

Para resolver o problema, ela vai passar por alguns obstáculos. Depois desses obstáculos, ela compreende o benefício encontrado para aquele problema. E, por fim, ao ter o objetivo alcançado, ela volta para o seu mundo com uma visão positiva.

Na aula da Cris Luckner, ela trouxe como referência a lembrança do nosso mundo normal sobre os bancos tradicionais. Você se lembra como era?

Tínhamos que enfrentar filas, algumas vezes passar pelo vexame de ficarmos presas na porta giratória, tínhamos que tirar tudo da bolsa para conseguir entrar e quando finalmente éramos atendidas, o gerente raramente conseguia resolver o nosso problema.

Com a chegada dos bancos digitais, que histórias eles contam? Não tem agência, é tudo digital. A pessoa consegue ter controle do seu dinheiro porque toda a movimentação é feita online. O atendimento é rápido e eficaz. Não precisa mais perder horas em filas. E, como ponto alto dessa história, que nos tira totalmente do mundo normal é o fato de não cobrar tarifas nem taxas de anuidade.

Regra nº 3 — Conte uma história usando imagens.

O motivo? Como exemplifiquei no case de UX que compartilhei aqui no Medium, é muito mais fácil aprender ou lembrar de algo através da associação de imagens.

“Quando usamos imagens, as pessoas veem exatamente o que queremos dizer.”

Agora, trazendo mais que a cereja do bolo, porque eu gosto é de bolo inteiro… Vamos deixar uma coisa bem clara. Quem decide usar o seu produto/serviço não está interessadas no seu produto ou no seu serviço.

Calma! Eu sei que o que você oferece é ótimo. É prático, funcional e provavelmente tem um lindo design.

Mas acredite em mim quando digo que ninguém, com exceção de outros designers, tem real interesse no seu lindo layout. O que as pessoas querem é resolver o problema delas. O que elas querem é o benefício que terão ao usar o seu produto ou serviço.

O produto não é um fim em si, mas a porta de entrada para uma infinidade de experiências. The Nokia Design Manifesto

Por exemplo, uma pessoa que utiliza aplicativos de transporte para se locomover como Uber ou 99 está, na verdade, usando o aplicativo para atingir o objetivo de ir para algum lugar.

Existe toda a experiência e emoções envolvidas muito antes de manusear o aplicativo. Desde a necessidade de se locomover — vai para uma festa, para um encontro ou para uma reunião de trabalho –, até atingir o objetivo — chegar rápido no local.

Trabalhei um bom tempo como produtora de conteúdo com estratégias de marketing e, ao descrever um produto ou serviço, sei que é comum ficarmos presos na funcionalidade da coisa: entregas rápidas, layout intuitivo, a opção mais confiável, o mais barato do mercado etc.

Mas não é isso que resolve o problema da pessoa. Esse é o como iremos resolver. O como não é algo que provoca os nossos sentidos e emoções.

Como aplicar storytelling no UX Writing?

Espero que você não tenha pulado direto para cá e compreenda bem a essência dos conceitos abordados anteriormente nesse artigo.

Garanto que, aprendendo bem os aspectos mencionados, fará muito mais sentido aplicar storytelling no UX Writing.

Em geral, as interfaces são locais de pouquíssima emoção, sendo um ambiente muito transacional. Mas veja como, por exemplo, a Loggi escreve essa experiência com uma linguagem emocional.

fonte da imagem: aplicativo Loggi

De forma bem resumida — existem mais telas, coloquei as principais –, você baixa o aplicativo e tem um direcionamento para um cadastro.

Antes de começar a colocar os dados, lhe perguntam se o cadastro é para você ou para sua empresa. Isso é importante porque vai definir, posteriormente, a forma de pagamento.

Adiante, você coloca as informações e instruções para o entregado (endereço de retirada e para onde vai a sua encomenda). Escolhe a forma de pagamento e acompanha o entregador durante o percurso.

Ao permitir que o aplicativo lhe mande mensagens, além de conseguir acompanhar o roteiro da sua encomendo, você recebe a informação de quanto tempo levará a entrega. A pessoa recebe o produto, confirma o recebimento e pronto. Fim de uma história bem sucedida e feliz.

Mesmo sendo um lugar de pouquíssima emoção, a forma como é escrita a experiência, que nos direciona para alcançarmos o nosso objetivo de uma maneira tão fluida, gera um sentimento positivo.

Há uma sensação de segurança em acompanhar o entregador. A pessoa fica tranquila por saber da localização do processo. Nas partes que marquei nas imagens fica evidente de como o aplicativo é conversacional.

Melhor dizendo, ele dialoga conosco de modo até simpático. E você fica recebendo informações a todo momento sobre como anda o procedimento.

Se você está contando uma boa história do produto ou serviço, isso é o que ajudará a pessoa usuária a entender os benefícios e optar pela sua solução, em vez de tantos outras. É o UX Writing que faz o recorte dessa história.

O UX Writing faz o mapeamento de como a história será contada, conforme visto nas interfaces da Loggi.

“O conteúdo é experiência do usuário” – Cris Luckner

É irrealizável qualquer ação numa interface sem conteúdo, sem nada escrito. Se não tiver texto na tela, não sabemos o que fazer, para que ela serve, onde estamos ou para onde estamos indo. No máximo, por senso comum, tendo como exemplo a imagem abaixo, a gente acreditaria que a parte azul refere-se a um botão.

Enfim, uma história bem contada, além de engajar, vai colaborar para que a pessoa queira e consiga usar a sua solução. A história também gera uma identidade que diferencia a sua marca, e evidencia a personalidade do seu produto ou serviço.

Depois desse textão, me conta… você costuma aplicar a ferramenta de storytelling em alguma etapa da jornada do seu usuário? Sinta-se livre para compartilhar seus pensamentos e muito obrigado pela leitura até o final!

Ilustrações em 3d: Sketchify

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Bruna Sarga
UXMP

Content Designer no Itaú. Aqui compartilho meus processos e reflexões sobre User Experience. De estágios iniciais de hipóteses e pesquisas até o design final.