WTF is estrangeirismo?

Mais do que um trocadilho ruim, uma tentativa de entender o que é e como o estrangeirismo afeta nossa comunicação.

Eliézer Rodrigues
UX Santander
7 min readApr 20, 2020

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Mafalda lê e pergunta para mãe o que é sala de estar, "living", ela diz, o que é irônico por ser inglês e ela entender assim
Clube da Mafalda — Quino.

Para os apressados: antes de falar de estrangeirismo (uso de outra língua), penso no que é a nossa língua. Ao fim, indico um teste para esses termos.

A 1ª abstração (ou 1º recorte) da língua e pensamento

Para entender o que é isso — e juro que não morde — vamos antes lembrar que lá no início dos tempos, muito antes do Twitter dominar o mundo, éramos todos microorganismos no fundo do mar.

À medida que o tempo passava, acumulávamos experiências com as diferentes interações e descobertas em nosso dia a dia e nossa cognição foi evoluindo a ponto de reconhecer padrões, sensações e entender os limites de nosso corpo e existência. Esse momento, onde descobrimos que existe um eu e um não-eu (o outro, o mundo), é que chamamos de 1ª abstração.

É importante entender que ainda hoje o mecanismo permanece o mesmo: nossas experiências são apreendidas e, uma vez compreendidas, tornam-se conceitos. Entendemos o que algo é o que não é e assim damos nomes, formas, recortamos a realidade em pedaços que nos ajudam a compreender, reconhecer e explicar suas minúcias.

Língua, Linguagem e Sistema

Tirinha. Rata pede ao rato que diga algo romântico. Ele diz versos rebuscados. Ela pede que ele traduza e ele diz ser de mais

Se é verdade que cada experiência ganhava uma forma em nossa cognição, num certo sentido, nossa compreensão de mundo nada mais era do que um conjunto de significados e formas ou, nos termos de Saussure, um conjunto de signos.

Para o pai da linguística, o signo é a soma de significante (forma) e significado (conteúdo). Saussure ainda considera a arbitrariedade dos signos, uma vez que um mesmo significado pode ser expresso por diferentes formas (gestos, dança, desenhos, voz, etc) e, ao mesmo tempo, uma mesma forma pode ter diversos significados. Um tanto por isso, vale a pena distinguirmos:

Linguagem, mais abrangente, é todo e qualquer conjunto de signos (musical, visual, gestual, verbal). Língua, mais objetiva, é um conjunto verbal compartilhado entre pessoas de uma mesma comunidade.

E porque não estávamos sós e interagíamos com o meio e outros, muitas das vezes por questões de sobrevivência, tentamos nos fazer compreendidos através de nossos signos e, ao mesmo tempo, compreender o outro através dos seus. Nessa troca, a experiência individual se tornou coletiva — como falo nesse artigo — e foi a partir da experiência e signo do outro que ampliamos o nosso jeito de pensar e sentir o mundo.

Estrangeirismos: tentar dizer o indizível

Foto de um senhor segurando óculos. Sobre ele a frase: Só nos Computer?

O estrangeirismo nada mais é do que o empréstimo de um termo de língua estrangeira, usado, como em toda interação social, como um meio de ampliar nosso jeito de pensar e sentir o mundo. Muitos são os fatores que o motiva: a importação de uma nova tecnologia ou saber científico, contato com literatura, produções e comunidades estrangeiras e etc. Em sua maioria, mas não só, ocorrem pela ausência de signo equivalente na língua de chegada.

Segundo Maria T. C. Biderman, podem ocorrer 3 tipos de estrangeirismo:

a) Decalque (Estrutural): quando importamos um molde estrangeiro, mas usamos vocabulário próprio para traduzir. Ex.: Arranha-céu (Skyscraper), Cachorro-Quente (Hot Dog)

b) Adaptação (Semântico): adaptamos com nosso sistema fonológico-ortográfico . Ex.: Drinque (Drink), Boicote (Boy-cott).

c) Incorporação (Lexical): adotamos o termo sem alteração. Ex.: Hardware, Mouse.

Importa dizer que um termo ou expressão pode transitar da Incorporação à Adaptação, a depender da frequência e adesão ao termo. Um estrangeirismo não necessariamente passa pelo aportuguesamento e pode se tornar vocabulário prático de nosso idioma ainda em sua versão original — como mouse — e, mesmo que haja tentativas de aportuguesamento, não necessariamente há adesão e a versão acaba em desuso, mesmo que dicionarizada — como leiaute.

E porque a língua não é fato isolado, mas, como diria Labov, um fato social, um dos fatores para a manutenção da forma original é o status que os termos trazem junto de suas ciências. Ou seja, usar leitmotiv ao invés de motivo condutor aumenta os ares intelectuais e cria uma divisão entre os familiarizados e os não-familiarizados com alemão. Fazer um call é muito mais cool do que só fazer uma ligação e etc.

Como se trata da língua — e do conceito — do outro, de início os estrangeirismos certamente geram ruídos na comunicação, os quais nunca sabemos quando findarão. Afinal, estamos diante de um significante desconhecido e, por isso, não alcançamos o seu significado. O que vai ditar a velocidade da adesão é a proximidade e frequência com o termo e conceito. No entanto, até nossa cultura absorver o termo por completo, o ruído existirá durante toda a curva de aprendizado. E o que fazemos quando precisamos usar um desses termos em nossa comunicação?

Estrangeiro em seu próprio idioma

Antes de sugerir algum teste ou boa prática para nossas jornadas, queria me permitir ainda uma última reflexão:

Se o ruído do estrangeirismo se dá no não-reconhecimento do significante, não haveria o mesmo ruído quando usamos um registro linguístico diferente daquele ao qual nosso interlocutor está habituado?

Pois é. Às vezes um amplexo tem o mesmo impacto de um Unheimlich. Por isso é preciso se aproximar de clientes, saber quem são, quais são seus signos. Não é porque Ordem de Crédito por Teleprocessamento está em português que todos falantes do português entenderão o que é.

Em Sociolinguística: os níveis da fala, Dino Preti traça alguns dos fatores que influenciam as variações, como profissão, educação, gênero, etnia, idade, localização, entre outros. E se o cito aqui é para lembrar algo que muitos esquecem: somos pessoas escrevendo para pessoas com suas próprias histórias e trajetos; se não entendermos para quem falamos, provavelmente nunca seremos ouvidos.

Testes e sugestões

A) Explique ou legende o termo

Se o ruído do estrangeirismo se dá na relação significante e significado, de cara, devemos pensar o óbvio: não há um significante que seja reconhecido e adotado por todos? Mas, considerando que não, há ainda uma saída: a tal da legenda. Ou seja, ao invés de simplesmente jogar leitmotiv em sua comunicação, coloque também Motivo condutor entre parênteses, vírgulas ou — se em entradas de menu ou lista — em caption, aquela legenda em tamanho menor abaixo do texto (como eu acabei de fazer). Assim, há uma educação continuada que atrela significado ao significante até que em dado momento bastará apenas o significante para que as coisas façam sentido.

B) Formulário online

Exemplo de teste de conteúdo. Usamos o significante e perguntamos o significado.
Exemplo de teste

Diferentes testes podem ajudar nesse momento, mas nunca subestime o bom e velho formulário online. Se o nosso problema está na desarmonia entre significante e significado e já sabemos quais termos queremos testar, tudo o que você precisa:

a) desenhar um cenário: assim dá pra entender o contexto e ajuda a não pensar nas dezenas de significados que um signo pode ter

b) listar os termos que quer testar: dado o contexto, a ideia é distribuir os significantes e entender o que sua audiência entende deles.

OBS.: no lugar dos termos (significante) você pode usar as explicações/descrições do termo (significado) e perguntar por quais termos poderiam ser chamados.

O bacana desse teste é que podemos entender o modelo mental do público e quais significados eles associam o significante — muitas das vezes por aproximação sonora com outro significante, como nessa reportagem:

C) Cloze e Highlight

Cloze & Highlight

Com objetivos e mecânica similares, o testes Cloze e Highlight podem ajudar, da mesma forma que o formulário online, a entender modelos mentais e quais significantes trazem maior dificuldade.

a) Cloze: crie lacunas em um texto e peça que seus usuários as preencham — livremente ou com um conjunto pré-selecionado de termos.

b) Highlight: com a ajuda de um marcador de texto, peça que seus usuários marquem quais os termos que não entenderam. Em seguida, pergunte o que acham que cada um desses termos significa.

O interessante desses testes é a aplicação já em contexto, com uma comunicação mais objetiva. No caso de Cloze, o que buscamos é o modelo mental do significante. Já no Highlight, embora confrontemos o significante, também colhemos os possíveis significados que os termos podem despertar.

Se quer revisitar ou ver o passo a passo de como analisar os resultados desse teste, fique à vontade para visitar o pdf em meu Drive com esses e outros testes. Qualquer dúvida ou sugestão, é só me chamar. Agora me diz: como você vem tratando testes de conteúdo no seu dia a dia?

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