Raio X dos PMs
O que 3 relatórios de entrevistas com profissionais de produto nos dizem sobre essa área no momento em que estamos?
A medida em que a posição e o mercado de produto vão ficando mais maduros — tanto no Brasil quanto fora dele — (felizmente) mais conteúdos sobre a área vêm sendo produzidos.
Nos primeiros meses de 2019 recebi três relatórios em sequência sobre product management. São pesquisas sobre: o perfil dos profissionais de produto, melhores práticas da área, ferramentas utilizadas, características dessa posição no mercado de trabalho, eventos, fontes de conteúdo consumidas, desafios do dia a dia, principais atividades, background, etc.
Foram eles:
1- Product Management Brasil Report — Tera, em parceria com a HandMadeUX
Pesquisa realizada com 198 profissionais de produto no Brasil entre janeiro e fevereiro de 2018.
A Tera é uma nova escola para a economia digital, focando em educação adulta nas áreas mais demandadas no mercado de trabalho atual.
Acesse o relatório deles aqui.
2- 2019 Product Management Insights Report — Alpha
Pesquisa realizada com 253 profissionais de produto em novembro de 2018. Não especifica de onde são os respondentes, mas a empresa é americana.
A Alpha é uma plataforma para geração de insights sobre novos mercados e oportunidades de crescimento por meio de testes, prototipação e pesquisas com usuários.
Relatório disponível aqui.
3- 2019 Product Planning Report — ProductPlan
Pesquisa realizada em outubro de 2018 com mais de 1.300 profissionais. Foi divulgada para usuários da ProductPlan, mas também em redes sociais e outras comunidades de produto. Segundo eles, os respondentes são "do mundo inteiro", sem trazer maiores detalhes, no entanto, sobre a distribuição geográfica dos participantes.
A ProductPlan é uma ferramenta para criação, gerenciamento e comunicação do roadmap de produto.
Material completo deles nesse link.
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Enquanto os dois primeiros tratam sobre o mundo de produto de uma forma mais ampla, o terceiro é bem focado (por motivos óbvios) em questões pertinentes ao planejamento de roadmap. Por isso, boa parte das análises abaixo comparam informações dos dois primeiros materiais citados acima.
Claro que cada um trata de uma realidade diferente, visto que a Tera analisou o mercado brasileiro, enquanto a Alpha dedicou-se a um cenário americano (presumo) e a ProductPlan mostra dados mais globais, visto que entrevistou pessoas de vários países.
No entanto, achei interessante comparar os três materiais não só para ter uma visão mais completa do mercado atualmente, mas também para poder justamente entender como o Brasil se difere ou não de outros países no que tange a gerenciamento de produto.
Abaixo divido com vocês essa comparação e highlights dos materiais. Coloco primeiramente os pontos que mais de uma fonte analisou em comum, e posteriormente pontos isolados de cada pesquisa, que considerei mais interessantes.
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Pontos analisados em comum
A) Tamanho das empresas
Tanto o relatório da Tera quando o da Alpha encontraram a maior concentração de PMs em empresas menores. No entanto, o da Alpha indica uma concentração considerável desses profissionais em empresas de mais de 10.000 funcionários, o que já não ocorre tanto por aqui.
Me parece natural que esse papel relativamente novo no mercado tenha mais aderência em empresas mais jovens (normalmente com menor número de funcionários), então o que vemos aqui é uma grande oportunidade de empresas mais consolidadas no mercado aproveitarem o valor que esse tipo de profissional pode trazer para o negócio.
B) Tempo de experiência
Bastante similaridade aqui. Dos 68% com até 6 anos de experiência reportados pelo primeiro relatório, 45% tem até 3 anos. Ou seja, quase a mesma coisa que no segundo caso:
Isso parece indicar que o Brasil está no mesmo nível de maturidade na área de produto que outros países. E também confirma o que tanto se fala que, globalmente, essa é uma profissão bastante recente.
C) Background
É sabido que não existe (ainda) faculdade para PM, ou seja, nós viemos das mais diversas áreas, e poucos profissionais começam como PM.
Ambos relatórios mostraram backgrounds bastante heterogêneos. O relatório da Alpha trouxe uma concentração maior em analistas de negócio que o da Tera, que já trouxe uma ligeira maioria ligada a marketing. Mas ambos rankings foram liderados por pessoas de negócios, desenvolvedores, profissionais de marketing, gerentes de projeto, e por aí vai.
D) Responsabilidades
Ambos relatórios mostram uma divisão entre responsabilidades diretamente voltadas a produto e outras de gestão e contratação de times. No entanto, fora isso, no relatório da Tera aparecem responsabilidades voltadas a planejamento de marketing e posicionamento, enquanto o da Alpha mostra responsabilidades relacionadas a crescimento de receita.
E) Experimentos
Um problema que parece global: a grande maioria dos PMs, tanto aqui quanto lá fora, considera o tempo que emprega realizando experimentos de produto insuficiente:
Como veremos mais abaixo, o relatório da Alpha aponta um grande tempo dos PMs dedicado a reuniões e e-mails. Será que não seria mais produtivo enxugar essas atividades, focando mais em experimentação, visto que essa atividade ajuda a eliminar incertezas e desenvolver produtos mais certeiros?
F) Ouvindo os usuários
Mesmo cenário acima se repete quando falamos sobre conduzir entrevistas e colher feedbacks de usuários:
Minha observação aqui é também bastante semelhante: do que adianta despendermos boa parte do nosso tempo correndo para construir coisas novas, se não fazemos isso de forma alinhada com o que pensam aqueles que vão usar o produto no fim das contas?
G) De onde vêm as ideias para novos produtos/features?
Um dos dados que mais me chamou a atenção no relatório da Tera (e, na verdade, em toda essa análise) é sobre a origem das ideias de negócio:
É de se atentar o fato de que, na metade dos casos, preferimos inferir e ouvir nossa própria opinião de dentro do escritório a buscar entender junto a quem usa o produto do que essa pessoa precisa.
(Não por acaso, a maioria dos PMs entrevistados considera que há um desequilíbrio entre negócios, usuários e viabilidade técnica, com foco na falta de peso para a voz do usuário):
O relatório da Alpha já apresenta um cenário bem diferente nesse quesito, colocando muito mais o usuário/cliente à frente dessas ideias (apesar do brainstorming do time aparecer em segundo, o feedback de usuário é a grande fonte principal):
Reflitamos!
H) Políticas internas da empresa
Nós, brasileiros, parecemos estar mais tranquilos quanto ao tempo que dedicamos a políticas internas da empresa.
Apesar de ser inevitável quando trabalhamos em uma estrutura corporativa, particularmente estou com os respondentes da pesquisa da Alpha: simplificar e trabalhar de forma objetiva e transparente para sobrar mais tempo para os nossos principais objetivos.
I) Colaboração com stakeholders internos
Na pesquisa da Alpha, o tempo de interação com stakeholders internos aparece levemente mais desequilibrado, apesar de que em ambas as pesquisas, a maioria acredita que esse tempo está adequado.
Na minha opinião, aqui depende muito no que consiste essa interação. É parte importantíssima do nosso trabalho interagir e colaborar com as mais diversas áreas da empresa, seja para colher ideias, ajudar a vender um produto ou ajudar na solução de problemas, para citar alguns exemplos. No entanto, quando não existem ou não são respeitados processos muito claros para cada uma dessas interações, o caos pode se instalar, com o PM sendo cutucado aleatoriamente ao longo do dia inteiro para tratar dois mais diferentes cenários.
J) Roadmap (e principais desejos para 2019)
Apesar da maioria respondente da Tera estar tranquila quanto a essa quantia de tempo (diferente da Alpha), ainda é bastante preocupante a quantidade de PMs que não se sentem tranquilos com o tempo investido em traçar metas e roadmap de produto. É apenas o guia para onde devemos ir. É, uma vez mais, uma reflexão para cada PM fazer: se não estamos ouvindo o usuário, experimentando e traçando nossos objetivos com calma, o que estamos fazendo?
Não é a toa que o maior desejo dos PMs (Alpha) para 2019 é justamente ter mais clareza sobre o roadmap:
Já aqui no Brasil, o maior desejo dos PMs para o futuro é aumentar e capacitar melhor as equipes. Já dando spoilers sobre o próximo ponto…
K) Maiores desafios: recursos!
Desde 2017 esse é o principal desafio enfrentado pelos PMs respondentes da pesquisa da Alpha: a falta de recursos. Aqui no Brasil, parece que enfrentamos o mesmo problema.
Me fez refletir "cultura da empresa" ter aparecido de forma bastante significativa na pesquisa da Tera. Seria interessante organizarmos um meetup ou discussão com PMs brasileiros para discutir como a cultura das empresas tem sido um obstáculo no trabalho da área de produto, e onde podemos evoluir, pois aparentemente esse é um desafio bem maior aqui do que em outras partes do mundo.
O relatório da ProductPlan já traz "planejar e priorizar" como principal desafio, o que me parece ter certa relação com o ponto acima (J), quando falamos sobre roadmap e planejamento de estratégia de produto:
L) Ferramentas utilizadas no dia a dia
Comunicação interna: o Slack aparece como principal em ambos os principais relatórios aqui analisados.
Prototipação: Invision e Sketch aparecem no topo na pesquisa da Alpha, enquanto aqui no Brasil o PowerPoint apareceu como primeiro colocado. Fica um ponto para pensarmos: será que adotar ferramentas específicas para esse fim não pode tornar o trabalho mais eficiente?
Gestão de backlog e roadmap: Google Docs/Drive aparecem soberanos em ambos relatórios, Tera e Alpha. No entanto, no arquivo da Alpha o JIRA aparece bem forte, enquanto no da Tera ele nem é citado. Trello aparece também significativamente em ambos.
M) Desenvolvimento profissional
Acredito que todo profissional engajado no objetivo de crescer e se desenvolver sofra da aflição de falta de tempo para estudar e se atualizar. Em uma área tão dinâmica quanto a nossa, a coisa só se intensifica:
Sobre atualização profissional, a Alpha ainda colheu maiores detalhes sobre principais fontes utilizadas para esses fins:
Publicações: Medium e Mind the Product foram os principais citados.
Podcasts: This is Product Management e Inside Intercom estão no topo.
Pontos específicos de cada pesquisa
A) Gênero
O único dos três relatórios a trazer dados sobre gênero foi o da Tera:
Com 67% dos profissionais entrevistados sendo do gênero masculino, fica claro que ainda temos bastante a evoluir em termos de diversidade na área.
B) Atividades diárias
O relatório da Alpha trouxe um dado interessante sobre as atividades diárias do PM:
Ao mesmo tempo em que fico feliz de ver 80% dos respondentes dedicando tempo à estratégia diariamente, fica o alerta aos clássicos inimigos da produtividade: reuniões e e-mails. Claro que é um papel que precisa conectar muitas partes, se comunicar com muitas pessoas diferentes, etc. No entanto, cabe o cuidado para não deixar de lado atividades essenciais — como ouvir o usuário/cliente ou analisar dados — em função de estar soterrado em reuniões e e-mails. Alguém se identifica?
C) Importância de colaboração com outros times
O relatório da Alpha perguntou aos respondentes sobre a importância de colaboração com 4 diferentes áreas: inovação, engenharia, design e pesquisa.
O que apareceu de forma mais representativa foi o time de engenharia, com 83% das respostas entre 7 e 9 no gráfico abaixo:
Se esse dado viesse de uma realidade na qual eu trabalho (Brasil, no caso), me preocuparia um pouco com esse foco extremo no time de engenharia, sendo que pesquisa, por exemplo, apareceu com uma importância tímida. Claro que um contato próximo com essa área é essencial, mas precisamos lembrar de todas as etapas do processo, e não apenas da que parece mais tangível no final do trabalho.
D) Salários
O Relatório da Tera trouxe um panorama sobre os salários da área. Em resumo, mais da metade dos profissionais recebem R$ 7.500 ou mais, como vemos abaixo:
Apesar de, no geral, a pesquisa encontrar os maiores salários em empresas de maior porte, essa diferença não foi tão grande. Para dar um exemplo, 26% das empresas que pagam mais de R$ 10.000 possuem até 50 funcionários.
E) Planejamento de roadmap
A ProductPlan vem percebendo uma diminuição ao longo dos anos do intervalo de tempo que as empresas levam para replanejarem seus roadmaps. A tendência atual está entre os 4 e 12 meses:
Ao comparar esses períodos com o porte das empresas, eles encontraram empresas menores atualizando seus roadmaps de forma mais dinâmica: a maioria das empresas até 50 funcionários atualiza o roadmap trimestralmente. De 51 a 500 funcionários, a maioria atualiza a cada 4 a 6 meses.
F) Repriorização de backlog
Assim como o roadmap, o backlog também se mostra como um aspecto que merece revisão constante, para contemplar novos feedbacks e achados:
Novamente, empresas menores fazem essa atividade com uma frequência maior.
G) Função do roadmap
Esse é um tópico frequente no mundo de produto. Qual a principal função do roadmap? Para quem ele é voltado? Com quem devemos compartilhar? Abaixo alguns resultados bem legais do relatório da ProductPlan sobre isso:
Segundo esses dados, enquanto o roadmap se presta primordialmente a comunicar os planos para o produto (o que será feito e quando), é uma ferramenta mais interna que externa, e muitas vezes é moldada para cada situação ou audiência que vai consumi-la. Abaixo vemos os principais públicos para os quais essa ferramenta se presta segundo a pesquisa:
Empresas menores apareceram como as que mais compartilham o roadmap com clientes e prospects, possivelmente em função de estarem em estágios menos maduros de fit de mercado.
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E agora?
Após ler esses três materiais e cruzar alguns dados em comum entre eles, listo abaixo o que são, para mim, os principais pontos de reflexão (no melhor estilo how might we), e convido os PMs/POs que estão lendo a juntarem-se a mim:
Como podemos…
- Difundir a importância e os benefícios do profissional/área de produto em companhias de maior porte?
- Focar mais nas atividades centrais do profissional de produto, contando com uma atuação mais eficiente junto a outras áreas, como RH e marketing?
- Liberar mais tempo em nossas agendas para ouvir o usuário, fazer experimentos, planejar nosso roadmap com atenção e nos aprimorarmos como profissionais? (Ufa!…)
- Desenvolver um mindset muito mais voltado ao usuário, freando a tentação de desenvolver primeiro o que a empresa (da diretoria ao time de produto) acha que é mais importante?
- Diminuir o tempo que despendemos em função de políticas internas da empresa?
- Desenhar processos eficientes para interação com outras áreas e stakeholders internos?
- Mostrar o valor, necessidade e importância de maiores recursos para as áreas de produto e tecnologia?
- Trabalhar a cultura das empresas de forma a favorecerem melhores práticas em produto, design e tecnologia?
- Utilizar cada vez mais ferramentas mais adequadas para os fins que buscamos?
- Tornar a área mais diversa, principalmente no que tange a gênero?
- Transformar reuniões em e-mails? (hehehe)
- Encontrar a frequência ideal para a nossa companhia quanto à revisão de roadmap, bem como a melhor estratégia para divulgá-lo?
Durmamos com esse barulho!
Prometo vir escrever posts sobre esses assuntos a medida em que as minhas reflexões acerca deles forem trazendo resultados concretos.
Estou, também, super aberta a debater esses tópicos com PMs que se sintam interessados. :) Manda um e-mail: hello@martinascherrer.com
