A falta que The Newsroom faz no mundo das Fake News

Guilherme Arraes
Vórtex
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4 min readMar 24, 2018

Em meio ao conflito de escolher o caminho profissional que iria trilhar após o término do ensino médio, o jornalismo sempre foi uma força presente em minha vida. Influenciado por parentes distantes que construíram história no meio jornalístico, com passagens pelo consagrado Diário de Pernambuco, o meu fascínio pela produção de notícias começou na adolescência, o que me levou a produzir textos para a internet em 2015. Apesar de ter escolhido a carreira no âmbito jurídico, a carência de contato com a área após a concretização de escrever em um site de relativo renome acabou por me motivar a procurar no meio do entretenimento alguma produção que tratasse sobre o assunto, o que me levou a dar uma oportunidade para a série da HBO, The Newsroom.

Idealizada e roteirizada pelo aclamado Aaron Sorkin, roteirista de obras como A Rede Social, o primeiro episódio de The Newsroom já começa mostrando seu personagem principal, o âncora Will McAvoy (Jeff Daniels), sendo questionado em uma palestra universitária sobre o motivo de a América ser o melhor país do mundo. De imediato, Sorkin já demonstra a concepção imperialista que o nacionalismo americano exacerbado que parte da população carrega consigo ao considerar que o seu país representa um continente inteiro, deslegitimando a relevância de outras nações vizinhas. Ademais, por se tratar de um renomado apresentador de um dos jornais com os maiores índices de audiência do país, o personagem de Daniels deveria entregar uma resposta baseada no senso comum, perpassando por temas batidos como a liberdade, mas a quebra de expectativa acontece quando o mesmo expõe uma análise fria sobre a decadência da terra do Tio Sam ao criticar índices de liderança mundiais e a fraqueza da geração millenial.

Cancelada em 2013 e tendo apenas três temporadas, The Newsroom aborda em sua temática o mito do jornalismo imparcial, o compromisso de entregar a notícia da melhor forma possível e o questionamento de como se fazer um noticiário de verdade. Entretanto, em tempos obscuros onde presidentes norte-americanos eleitos sob a acusação de estarem em conluio com a Rússia dão início à guerra contra redes jornalísticas como a CNN, nem mesmo Sorkin poderia prever o efeito destrutivo das Fake News, um fenômeno que só demonstra a relevância de sua série no século XXI.

Tendo como base de disseminação o uso de provedores localizados em múltiplos países, as Fake News têm tido impacto nos últimos debates políticos de maior relevância, como as eleições dos Estados Unidos e o cenário de possíveis presidenciáveis nas eleições de 2018 no Brasil. Em sua natureza, as notícias falsas carregam consigo um dualismo que, ao mesmo tempo, é revolucionário e retroativo; por um lado, impressionam por fornecer à força popular a produção do conteúdo que seria disseminado como forma de questionamento do status quo, questionando os grandes centros midiáticos outrora detentores do poderio de pensamento das massas. Por outro, em uma versão menos romantizada, as Fake News representam um atentado contra a veracidade informativa, conforme a percepção da maleabilidade do conceito da verdade para o atendimento dos interesses políticos de determinado grupo social ou econômico.

Mesmo com legislações referentes ao domínio da internet, como o Marco Civil, no caso do Brasil, que permite que empresas como o Facebook adotem políticas para a retirada e ocultação de publicações com conteúdos considerados impróprios ou que ofenda os termos de uso da plataforma, são nessas mesmas redes sociais que as Fake News conseguem o seu maior público, seja por meio das curtidas ou dos compartilhamentos dos usuários.

Tá, e o que isso tem a ver com The Newsroom? Durante o quarto episódio da primeira temporada da série, a equipe do âncora Will McAvoy se depara com a notícia verídica de um tiroteio em Tucson, no Arizona, cujo alvo era a congressista norte-americana Gabrielle Giffords, membra do partido democrata, e outras autoridades locais. Pressionados pelo alto escalão da emissora em que trabalhavam, a redação do noticiário de Will deveria lidar com a difícil escolha de noticiar a morte da congressista, mesmo sem ter informações concretas de assessores de imprensa ou do aparato médico, enquanto outras emissoras concorrentes já vinculavam como certa sua morte.

Por ordem de sua produtora e do chefe de jornalismo, McAvoy decide não noticiar de imediato a notícia. Dessa forma, o roteiro de Sorkin nos ensina de maneira brilhante o valor da integridade da informação, da comunicação com o público e a finalidade cristalina do jornalismo. No fim das contas, a congressista Gillfords consegue sobreviver ao atentado, fazendo com que o jornal da ACN seja o primeiro veículo informativo a entregar a notícia de forma correta.

Com apenas uma cena, Sorkin, quase que profeticamente, nos chama a atenção com a preocupação sobre a veracidade de onde retiramos nossas fontes de informações. Atuando como o “Quarto Poder”, o jornalismo deve ser reivindicado como uma profissão honrosa, digno de uma população mundial que precisa ser informada sobre os males e os problemas da sociedade, independente de um jogo sujo de interesses de poderosos que recorrem aos servidores de países como a Macedônia para vincular suas aberrações ideológicas que precisam encontrar respaldo na ignorância e na obscuridade.

The Newsroom nos ensinou a fazer um jornalismo de qualidade, agora só nos resta saber o que faremos com ele.

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Guilherme Arraes
Vórtex
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Sofre constantemente com decepções por criar expectativas muito rápido.