Sobre minha experiência no GTA RP e como encenar um trabalho me deixou mais ansioso

André Alcântara
Vórtex
Published in
13 min readMay 30, 2021

Esta é a história sobre como o fascínio por um modo único de se jogar videogame virou um transtorno pra mim

GTA V (Rockstar Games) — Imagem: Divulgação/GTA Magazine/Rockstar Games.

“Central, Jamal aqui. Aceitei um chamado no aeroporto, ok?”

A região do aeroporto não é movimentada. Não preciso me preocupar com carros ultrapassando subitamente em velocidade incalculável sinais vermelhos. É quase um labirinto, mas eu gosto do silêncio ao redor misturado ao som motor do carro e da sensação de estar só, nem que só por um momento.

“Central, Jamal aqui. Ninguém no aeroporto. Isso tá acontecendo sempre. Livre pra aceitar chamados.”

O dia corre e eu fico pra trás. Nenhum chamado pipocou no meu celular. Decidi fazer uma busca ativa por passageiros. Beirei toda a praça central. Nada. Estacionei próximo ao hospital. Nada. Parei pra fumar no estacionamento do Alta Fome. Nada.

Cansei.

“Jamal aqui. Entregando o táxi na central. Vou descansar. Bom trabalho pra quem fica.”

Fechei o FiveM e desliguei o computador.

Eu não sou Jamal dos Santos*, de 22 anos. Também não sou taxista nem faço curso técnico em enfermagem. Esse era o personagem que eu interpretava em dois servidores de GTA RP (Cidade Alta e RPRP), até que eu percebi que tinha algo errado.

O que na teoria deveria ser uma experiência divertida e única em relação a jogos online se transformou em um pesado fardo — criado em grande parte por mim mesmo. Esta é a minha história e a de Jamal.

Alguns passos pra trás

GTA RP é uma modalidade online não oficial de GTA San Andreas e de GTA V jogada através de plataformas de servidores alternativos que permitem modificações, como SAMP e FiveM, na qual jogadores interpretam personagens (RP vem de role-play. Em português, interpretação de papéis). Tudo isso com direito a um sistema de voz complexo, que funciona por aproximação.

Hoje, GTA RP é um fenômeno entre os streamers mais populares de sites de transmissões como Twitch, Nimo e Facebook Gaming. E é no GTA V, por meio do FiveM, que se concentra a maior parte do sucesso.

Shevii é um dos principais streamers do Brasil e joga GTA RP. Imagem: Reprodução/Shevii2k/YouTube.

Mas não basta apenas o querer pra começar a jogar. Embora existam particularidades de servidor pra servidor, há uma série de conceitos, jargões e boas práticas que devem ser conhecidas por quem quer ingressar no modo.

E pra entrar nos principais servidores, é necessário realizar entrevista, que trata das regras internas do servidor até conceitos de GTA RP aplicados a situações hipotéticas. Em alguns casos, há até prova prática. Não é só baixar e jogar.

Apesar de já conhecer GTA RP, foi o desejo repentino de explorar o mundo aberto de GTA V como um personagem comum daquele mundo que me levou ao modo. O que eu não conhecia era o processo burocrático pra entrar nos melhores servidores.

“Por que não, pensei?” E foi com esse pensamento que passei horas durante dias no YouTube tentando entender, e não só conhecer, o GTA RP.

RPRP e Cidade Alta

Indiscutivelmente, Cidade Alta é o principal servidor de GTA RP do Brasil, seja em termos de popularidade ou de estrutura organizacional e técnica. Já foi palco de ação de marketing da Brahma e deu espaço a um carnaval virtual patrocinado por Trident, Tinder e Engov e estrelando nomes como Léo Santana e Luisa Sonza. Não é mole a vida de quem quer entrar na brincadeira.

O Cidade Alta abre processo de inscrições (a chamada whitelist) esporadicamente. Coisa de meses. Coincidentemente, meu interesse por GTA RP logo foi sucedido por uma abertura de vagas pro servidor mais badalado do Brasil. O questionário pedia algumas informações pessoais e do personagem, além de perguntas objetivas sobre RP. Foram milhares de inscritos.

Vídeo do Alta News, veículo jornalístico criado dentro do Cidade Alta, sobre o carnaval na cidade. Vídeo: Alta News.

O resultado dessa etapa do processo demoraria a sair, então decidi buscar outro servidor que se adequasse ao meu tipo de jogo: comedido, sem bagunça e fidelíssimo ao RP. Foi aí que me deparei com o RPRP, que se define como um servidor de “hard RP” (em resumo: encenação levada muito a sério).

O RPRP está em beta, então a admissão de novos jogadores acontece através de um formulário que pede dados e história do personagem e faz perguntas objetivas sobre RP, além de uma entrevista coletiva que tem propósito de orientação.

Jamal dos Santos enfim ganhou vida.

Vida nova

A minha primeira interação no RPRP foi um choque. Foi como se eu estivesse num dos inúmeros vídeos aos quais havia assistido sobre GTA RP. O taxista que me levava até uma concessionária perguntava entusiasmado meu nome e se eu era novo na cidade e comentava sobre como era difícil lidar com alguns passageiros. Ele conversava com Jamal, não comigo. E eu, como Jamal, o respondia.

Depois de comprar uma moto, comecei a fazer entregas pro equivalente ao Uber Eats de Ribeirão Pires, nome da cidade do RPRP. Era um dos vários trabalhos que não requeriam processo seletivo ou entrevista. Lidava apenas com NPCs, e não com jogadores reais. Eu queria um emprego de verdade.

Cortes de transmissões de RPRP — Vídeo: RPRP.

Há uma certa padronização das profissões “principais” entre os servidores: policial, médico ou paramédico, mecânico, taxista e, mais raramente, advogado. Cada uma delas possui hierarquia interna, regulamento próprio e sistema de promoção, que variam de servidor pra servidor. Normalmente os líderes dessas profissões abrem processos seletivos de forma periódica, quase sempre formados por questionário e prova prática.

No RPRP, consegui desenrolar minha vaguinha como taxista na conversa. Não existe um processo seletivo formal. Após receber orientações sobre o que fazer e o que não fazer por um imigrante russo interpretado por alguém que improvisava uma espécie de russonhês, logo me pus a rodar com o táxi pela cidade.

A comunicação com os colegas de amarelinho funcionava via rádio e era obrigatória. Os passageiros eram tanto jogadores reais quanto NPCs. Havia dias bons e dias ruins. Não passava de duas horas rodando em Ribeirão Pires, mas era o suficiente pra pegar alguns clientes e ouvir as mais variadas histórias.

No RPRP, há um sistema de taxímetro integrado. Imagem: Reprodução/tooksxd/Twitch.

Como alguém que gosta de perambular sem rumo em jogos de mundo aberto, aquilo se encaixava perfeitamente no que eu buscava em GTA: viver como um personagem ordinário do jogo fazendo coisas ordinárias. Nada de explosões, atropelamentos ou fugas policiais. E claro, pra quem gosta, há muito disso nos principais servidores de GTA RP (tudo submetido a um regulamento rígido de ações, como não poderia deixar de ser).

Mas havia algo nessa experiência que me incomodava: a tabela de ponto. Sim, mais ou menos como aquele que você aperta ao deixar a empresa onde trabalha. A diferença é que…

Um segundo. Recebi uma notificação no Discord. Passei na primeira etapa do processo seletivo do Cidade Alta.

(Quase) segunda vida nova

“Pré-aprovado.” Foi essa a tag que eu recebi no Discord do Cidade Alta, plataforma utilizada pelos servidores para operar a estrutura organizacional e informativa fora do jogo em si. A primeira etapa se foi. Agora tinha mais uma pela frente.

O Cidade Alta é um mundo próprio. Tem grupos musicais, veículo de informação (com direito a podcast), guerra de facções, restaurantes geridos por jogadores, festas e mais. Não que muito disso não exista em outros servidores, mas isso somado à popularidade, à robustez administrativa e à presença de streamers famosos gera um interesse enorme e soma milhares de interessados.

O que mais me atraía a ele era o fato de suportar mais jogadores simultâneos em relação ao RPRP (por este estar em fase de testes), o que, na teoria, aprofundaria a imersão no jogo. Até descobrir que isso não era necessariamente verdade, o caminho foi longo.

Clipe da música oficial da Temporada 2 do Cidade Alta — Vídeo: Drkz.

Canais no Discord do Cidade Alta exclusivos para os pré-aprovados ofereciam informações sobre o que deveríamos fazer e esclareciam dúvidas frequentes, com direito a vídeos explicativos animados e narração profissional.

Eram centenas de pré-aprovados, atentos a qualquer sinal de novas vagas de inscrição para entrevista, que comportava cerca de 50 pessoas e durava aproximadamente três horas e meia. No início do processo, os links para o cadastramento surgiam e em poucos minutos subitamente sumiam: eram os pré-aprovados sedentos pela oportunidade de entrar no playground em que seus streamers favoritos brincam.

Eventualmente enfim consegui. Sábado. 13h. “Suas respostas foram enviadas”, dizia uma mensagem do Google Formulários. “Finalmente”, pensei, logo percebendo uma sensação de estranheza. Por que eu sentia isso? Bom…

Segunda vida nova sob avaliação

Só caiu a ficha de que todo esse processo era totalmente inédito em toda a minha experiência com videogames na vida quando eu me peguei tirando uma foto de mim mesmo segurando minha própria carteira de identidade com o formulário aberto na tela do meu notebook no fundo. Sim, e o verso do meu RG também esteve ou está no banco de dados de inscritos para entrevista do Cidade Alta.

A ideia era verificar identidade e confirmar a maioridade. Sim, eu sei. Dei meus dados pessoais pra a administração de um servidor não oficial de um jogo eletrônico. Mas quanto mais parecia difícil entrar naquele espaço com áurea de exclusividades, mais razoável ficava esse tipo de concessão.

Sábado, 12h30. Após dedicar horas assistindo a vídeos de entrevistas realizadas no servidor de avaliação do Cidade Alta e praticando minha interpretação no RPRP, Jamal dos Santos, taxista e estudante de enfermagem de 22 anos, estava prestes a entrar em cena.

Vídeo sobre o processo de entrevista do Cidade Alta. Vídeo: C0ZT4.

O objetivo da entrevista era saber se os jogadores realmente estavam preparados pra entrar no servidor. Tem gente que tenta duas, três, quatro vezes até conseguir. É tipo vestibular: o interessado se inscreve, estuda e faz a prova. Se não passa, repete o processo.

Na entrevista, são criadas várias situações adversas aos jogadores, cujo primeiro objetivo é alcançar e exercer o emprego escolhido no formulário (mecânico, policial, médico, taxista ou profissional autônomo), e é preciso lidar com todas elas sem deixar de lado a encenação. Moderadores e auxiliares estão lá o tempo todo construindo esses momentos de provação e avaliando o desempenho das cerca de cinquenta pessoas.

Durante a minha avaliação, por exemplo, a loja de roupas onde eu, ou melhor, Jamal, estava junto a diversos outros recém-chegados à cidade foi bombardeada. Era algum administrador ou auxiliar querendo ver como nos sairíamos.

Gastei toda a minha capacidade de interpretação de personagem suplicando por ajuda e gemendo de dor enquanto estava prostrado no chão devido ao incidente. Até receber alta do hospital, coloquei em prática tudo o que havia visto nos melhores vídeos de role-play. Desde pedir ajuda pra levantar (quando no jogo em si não era necessário) até contar a história sobre como saí da casa de pais conservadores e fui tentar a liberdade na cidade grande. Não podia vacilar.

Logo consegui meu emprego de taxista, que foi regado de disparo “invisível” contra o pneu a passageiros criminosos (tudo pra ver qual o desenvolvimento narrativo que eu faria a partir dessas coisas). Uma mensagem pipocou na tela avisando que a entrevista estava perto do fim. Foram três horas e alguns quebrados que pareceram trinta minutos.

Ao final de cada entrevista, os aprovados e não aprovados são divididos em dois grupos diferentes e começa a ser criado um suspense que se desenrola ao longo de minutos.

Mascarados, moderadores e administradores dão o resultado da entrevista aos participantes. Imagem: Reprodução/Pablo Sanches/YouTube.

“Acho que a gente passou”, murmurava um. “Não, cara, tem muita gente aqui pra todo mundo ter sido aprovado”, murmurava outro resposta em resposta. Alguns tentavam aliviar a tensão fazendo piadas e trocadilhos com a situação.

Enfim os moradores começam a falar frases dúbias e fazem discursos à lá o que é visto em eliminação de BBB. Admito que borboletas voavam pra lá e pra cá no meu estômago e as pernas estavam frias.

Finalmente o resultado: aprovados. Respiro aliviado enquanto rola um estardalhaço pirotécnico pelos moderadores e administradores com fogos e lança-foguetes.

Acabada a festa e recebida as primeiras orientações, como cadastro no site do Cidade Alta para receber autorização de login no jogo, uma outra versão de Jamal dos Santos estava a alguns passos de imigrar para a Cidade Alta.

Segunda vida nova de fato

Ao entrar no servidor principal, é orientado que todos os aprovados na entrevista “esqueçam” tudo o que aconteceu no servidor de avaliação e que não se direcionem de pronto às centrais de seus respectivos empregos.

Configurado o TeamSpeak, software de chat de voz utilizado por diversos servidores do FiveM, comecei a fazer alguns bicos no extinto Alta Entregas, até que, alguns dias depois, consegui o registro de taxista através do líder da profissão no Cidade Alta, o Serjão.

Líder dos taxistas, Serjão costuma ficar à disposição dos passageiros na praça pública da Cidade Alta. Imagem: Reprodução/Serjaotaxi/Twitch.

Com uma voz serena porém segura, entre explicações sobre precificação do serviço, boas práticas de atendimento e detalhes técnicos, um fato me chamou a atenção: no Cidade Alta, assim como no RPRP, também havia um sistema de ponto para os empregados.

Ou seja, Jamal teria de registrar o ponto ao iniciar e finalizar o serviço. Sempre. E eu teria de trabalhar com Jamal, ou fazê-lo trabalhar. Ok. É um jogo ainda, certo? Eu vou continuar me divertindo. Era isso que eu estava procurando. Que problema isso poderia me causar?

Alguns.

Jamal, o taxista. Ou eu?

Jamal tinha dupla jornada. Enquanto eu curtia a imersão e a seriedade do RPRP, era atraído pelo Cidade Alta pela maior quantidade de jogadores simultâneos. Mas algo era comum aos dois servidores e me deixava incomodado: o sistema de ponto.

No RPRP (até a minha saída), ele era operado fora do jogo através de uma tabela no Google Planilhas. Havia um sistema de promoção dos taxistas no RPRP baseado na quantidade de horas trabalhadas, que também rendiam adicionais no salário, recebido semanalmente. E quem não trabalhasse por mais de sete dias seria desligado.

Já no Cidade Alta muda um pouco. Não era necessário fazer o registro manualmente fora do servidor. Bastava digitar um comando ao iniciar e finalizar na central dos taxistas. Não havia informações se as horas trabalhadas eram analisadas pelo líder da profissão ou pela administração do servidor.

Muitos jogadores preferem um trabalho principal pelo fato de, no geral, renderem mais dinheiro, uma vez que a economia dos servidores não é lá muito bem desenhada, além de mais interações com outros players.

Recrutamento de policiais no RPRP. Imagem: Divulgação/RPRP

Eu tinha pouco mais de uma hora por dia para me dedicar à encarnação de Jamal, que se dividia entre os dois servidores, sobrando tempo praticamente nenhum para outras experiências em games. Inicialmente foi divertido. Afinal, a faísca pra tudo isso foi o desejo repentino de tentar jogar GTA V como um figurante e não como o protagonista.

Jamal estava ali mais pra ajudar os habitantes e ouvir suas histórias do que pra curtir a vida nova, seja em Ribeirão Pires ou na Cidade Alta. E isso era legal, até que tudo começou a ganhar um tom de obrigação.

É importante esclarecer que em nenhum momento recebi orientações, tampouco ordens, de qualquer um dos dois servidores de que deveria dedicar mais horas como Jamal sendo taxista.

Mas um caso concreto: em um dado momento precisei me ausentar por alguns dias de ambos os servidores, e na pele de Jamal tive de, no caso do Cidade Alta, comunicar a Serjão, líder dos taxistas, que iria fazer exames e resolver questões relacionadas a documentos da faculdade.

Não que isso tenha sido algo que me exigiu muito esforço, mas pra quem está acostumado a fechar um jogo e não ter obrigação alguma de ligá-lo quando quer que seja, é meio esquisito.

Um agravante para tudo isso era o fato de na tabela de ponto do RPRP poder ver as horas trabalhadas por colegas de profissão: tinha gente que chegava a bater cerca de 20 horas semanais. Já Jamal dos Santos fazia muito, muito menos que isso. E óbvio, era só um jogo no fim das contas. Porém, ficava a sensação de que eu deveria fazer mais. Ou Jamal deveria fazer mais.

Para se ter noção: a carga horária semanal do meu estágio tem 20 horas. E não que eu quisesse chegar nesse patamar, mas era uma pressão indireta e não proposital que me impelia a querer fazer mais. Isso se estende também ao Cidade Alta, onde eu tinha impressão de que, por ser um local muito “exclusivo”, se não fizesse o suficiente poderia ser excluído da brincadeira (embora as chances reais fossem pequenas).

Assim como o Cidade Alta, o RPRP tem um restaurante no qual jogadores podem trabalhar e fazer pedidos. Imagem: Divulgação/RPRP

Além disso, tinha o fato de a comunicação in-game durante o trabalho se dar via canal de rádio, o que, pra mim, deixava tudo ainda mais com um gosto amargo. Quanto menos sua voz aparecer por lá, menos você está fazendo.

Tudo isso alimentava o monstro da ansiedade que desde o ano passado me acompanha e assola de forma ferrenha.

As vidas não vividas

Havia muito a se fazer no GTA RP. Uma frase de um auxiliar do Cidade Alta ficou na minha cabeça enquanto sofria por um trabalho virtual: “gente, lembrem-se: isso aqui é um jogo ainda. Se divirtam”.

Eu poderia ter embarcado em festas, ido a eventos, trocado mais ideias com outros habitantes dos servidores ou mesmo ter dado uma guinada e virado um criminoso procurado, mas trabalhar em uma profissão principal intoxicou minha experiência lúdica.

Eu me senti numa espécie de relação abusiva, até que resolvi colocar um basta. Dias gastos estudando sobre GTA RP e tentando entender esse universo, inicialmente sob pretexto profissional, e processos seletivos foram uma boa distração neste momento, mas viver aquilo que eu acho tão fascinante não foi bom.

Tomei uma medida drástica e, sem avisar aos meus respectivos líderes, saí dos servidores no Discord, perdendo direito a entrar na Cidade Alta e em Ribeirão Pires. Foi como tirar um peso das costas. Senti-me liberto, ao mesmo tempo que frustrado por não ter tentado ressignificar a experiência.

Talvez se não tivesse ficado nos trabalhos secundários só pra tirar uma graninha e focado em de fato viver (e não sobreviver), a minha relação com GTA RP teria sido diferente. Talvez Jamal dos Santos estivesse dividindo o tempo dele entre os estudos de enfermagem e o trabalho como entregador, gari ou motorista de ônibus. Talvez eu lembrasse do que o auxiliar da Cidade Alta disse.

Focar-se em trabalhar em um jogo é quase um reflexo do piloto automático em que muitos de nós estamos na pandemia, que mudou a forma como lidamos e nos relacionamos com tudo na vida. De certo tudo isso foi potencializado pela angústia, estresse e ansiedade generalizados aos quais estamos submetidos pelo momento.

Cobrar a si mesmo por causa de um trabalho em um jogo é extremamente nocivo nesse cenário. Mas apesar de tudo, GTA RP é um bom lugar pra se alienar da catástrofe sanitária e humanitária promovida pelo próprio presidente na qual vivemos há mais de um ano. Ao contrário de mim, só divirta-se.

Porque um jogo me deixou mais ansioso.

*Infelizmente não tenho nenhuma imagem salva de Jamal dos Santos, por isso não há fotos dele no texto.

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