Bootcamp em UX Design: Notas de uma cientista social

Katie Ribeiro
VagasUX
Published in
11 min readMar 20, 2023

Relato de experiência escrito por uma pessoa prolixa e apaixonada pela pesquisa

Como professora-pesquisadora na área das Ciências Sociais, sempre tive a pesquisa como parte da minha rotina de trabalho. Foi enquanto eu questionava e enfrentava conflitos na minha profissão que descobri a área de UX e com ela me identifiquei. Desde então, tenho procurado aprender mais sobre este “universo”. E adivinha só? Fui selecionada para participar do bootcamp de UX Design da How Education, pela VagasUX, em maio de 2022. Mal pude acreditar!

O bootcamp durou dez semanas, aconteceu de forma remota e contou com o apoio de ferramentas como Slack, Miro, Figma, Google Meet, Docs, Sheets, Forms. Com a ajuda de Mirella Gemelli e Julie Matos, nas aulas síncronas, e de Adri Quintas e Barbara Borges, nas aulas gravadas, percorremos todas as etapas do Double Diamond.

Começamos com uma introdução ao Design Thinking, formação de grupos e definição de temas. No segundo encontro, já começamos a etapa de imersão, com orientações e propostas “mão na massa”. Aliás, achei isso super positivo: em todos os encontros, tivemos orientações pontuais sobre as etapas, tempo para colocar a proposta em prática e possibilidade de tirar dúvidas (durante ou depois, com as facilitadoras ou mentores — que são bem ativos no Slack).

Em equipe, o desafio proposto era criar uma solução que conectasse mães solo, jogos online e dados em nuvem. Minha equipe contava com dois designers gráficos e um UX designer (além de mim). Participei de todas as etapas e processos, mas pela minha experiência, acabei contribuindo mais nas etapas de imersão e definição e é sobre isso que quero falar.

PESQUISA PARA QUÊ? CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE PESQUISA ACADÊMICA E PESQUISA EM UX

Na área acadêmica, a pesquisa busca compreender melhor um objeto de estudo (seja qual for) e produzir conhecimento científico sobre ele. Compartilhamos nossos achados de pesquisa em artigos publicados em revistas e livros técnico-científicos da área. A finalidade da pesquisa é tão somente a produção de conhecimento, sem fins utilitaristas.

O que eu aprendi com o bootcamp é que a pesquisa em UX está sempre buscando oportunidades e/ou uma necessidade a ser resolvida, sempre pensando na dor e experiência da pessoa usuária associada à uma visão de negócios. Pelos relatos, essa talvez seja a grande contradição e o maior desafio da área: a profissional de UX deve ser aquela pessoa que advoga em defesa da pessoa usuária, mas orientado pelos objetivos, possibilidades e resultados da empresa.

Minha maior dúvida, neste tópico era: e os entregáveis da pesquisa, o que são? Ao longo das aulas e da fala das pessoas convidadas (como a Lidiane Santana ❤), descobri as diversas possibilidades: gráficos, personas, job stories, mapa da empatia, análise de oportunidades, recomendações, etc. Tudo isso deve ajudar a identificar problemas e oportunidades de melhoria, testar hipóteses e validar soluções. Em resumo, a pesquisa em UX deve contribuir com a tomada de decisões de negócio, que por sua vez devem ser fundamentadas em dados criteriosamente coletados, analisados e organizados.

ETAPA DE IMERSÃO: É HORA DE DIVERGIR!

A etapa de imersão em UX é o grande momento da pesquisa: trata-se daquele momento delicioso de coletar e produzir dados sobre o público, sobre o tema, sobre a tecnologia. Este é o momento de se aprofundar no projeto, entender o contexto, explorar possibilidades, definir objetivos e fazer boas perguntas. Nesta fase, o importante é divergir: explorar diferentes perspectivas para entender o contexto e o problema de forma ampla. Apesar da importância da empatia neste processo, também é sempre bom lembrar aquela máxima: você não é a pessoa usuária! (o que me remete às metodologias de pesquisa próprias da Antropologia e conceitos como relativismo cultural e estranhamento, talvez tópico para outro artigo).

Antes de descrever as etapas e ferramentas que utilizamos, quero registrar meu encanto com a forma de tratar os dados de pesquisa na área do Design: sistematizar os achados de pesquisa em templates visuais facilita muito o processo da pesquisa, pois organizar os dados e insights à medida que você os coleta otimiza o tempo de análise, além de ser muito mais fácil visualizar os dados centrais da pesquisa.

Desk Research e Matriz CSD

Começamos pela desk reserch, uma pesquisa que explora dados secundários a fim de obter informações sobre o tema. É um método acessível, pois pode apresentar possibilidades e responder à questionamentos de forma rápida e econômica. Acredito que o maior ponto de atenção nesta etapa é a escolha das fontes — achei muito importante que tenham lembrado e orientado à respeito. Aqui, podemos recorrer à pesquisa documental ou bibliográfica. Minha equipe procurou por base de dados governamentais, artigos, reportagens e pesquisas de fontes idôneas, reconhecidas e com autoridade sobre os temas pesquisados (mães solo, jogos online, dados em nuvem).

Ah, uma “descoberta” interessante (não inventei a roda, mas talvez esse seja um ponto de dúvida comum): se documentos são considerados fontes primárias, por que a desk research é considerada pesquisa secundária? Aqui vai: no contexto do desk research, documentos são utilizados como fontes secundárias porque a informação já foi coletada e registrada por outra pessoa ou organização — afinal, não trata-se de uma pesquisa histórico-documental, apenas de reunir informações que já foram analisadas e disponibilizadas em livros e artigos pela internet.

Este é o painel do Miro com a desk research que produzimos:

Desk Research

A partir das descobertas desta pesquisa exploratória, organizamos tudo em uma matriz CSD. Aqui, o objetivo era visualizar melhor as informações (certezas), levantar hipóteses (suposições) e definir o que ainda precisaríamos investigar (dúvidas). Foi tão legal ter essa experiência em equipe, porque nosso pontos de interesse, dúvidas e pesquisas foram diferentes e acabaram se complementando! Ficou assim:

Plano de Pesquisa: Objetivos, hipóteses, ferramentas

Após essa primeira coleta de dados, nosso principal objetivo era entender como jogos digitais poderiam ser utilizados como ponto de apoio à rotina de uma mãe solo e, com isso, definimos os principais questionamentos que ainda precisávamos descobrir:

Qual as maiores necessidades de uma mãe solo?

Como jogos online podem ser úteis para mães solo?

O que mães e filhos poderiam jogar juntos?

Criamos então, hipóteses, respostas provisórias a estas perguntas e que testaríamos durante as próximas etapas da pesquisa.

Hipóteses

A próxima etapa da pesquisa, neste sentido, foi a realização de uma pesquisa quantitativa, através do Google Forms, com o objetivo de quantificar problemas e opiniões comuns à mães solo.

Pesquisa Quantitativa: Questionário

Em equipe, criamos e organizamos as perguntas do formulário em quatro categorias: perguntas de perfil, de aquecimento, perguntas principais e de encerramento (aqui, aproveitamos para recrutar respondentes para a etapa das entrevistas). Você pode visualizar o questionário aqui.

Obtivemos 30 respondentes que, apesar da pouca relevância estatística, contribuiu para com o propósito das práticas do bootcamp. Organizei os dados no Google Sheets, construí algumas planilhas e, em equipe, chegamos à três insights principais (volto a repetir: fazer pesquisa em equipe foi muito produtivo):

Pesquisa qualitativa: entrevistas

Depois de entender os dados obtidos na pesquisa quantitativa, ainda haviam lacunas a serem preenchidas em nossa pesquisa. Era necessário mais detalhes para que pudéssemos compreender como as mães solo agem, como pensam, com quais e quantas jornadas se encontram.

Definimos um roteiro de entrevista semiestruturada, com tópicos a serem abordados, mas sem ordem fixa. A ideia era dar liberdade para que a pessoa pudesse expressar seus sentimentos, frustrações, alegrias.

No total, realizamos cinco entrevistas, das quais conduzi duas. Além das anotações durante o processo, organizei um resumo, no Miro, de cada entrevista realizada. Os demais colegas partilharam somente de forma oral as informações coletadas durante suas entrevistas.

Resumo de entrevistas — Katiê

ETAPA DE DEFINIÇÃO: É HORA DE CONVERGIR!

A etapa de definição do Design Thinking é chamada de convergência porque é nela que a equipe começa a reunir todas as informações coletadas na fase de imersão e a convergir para uma única direção. Nessa fase, a equipe analisou os dados coletados afim de identificar padrões e tendências para definir o problema que será resolvido.

Começamos pela atualização da Matriz CSD (aquela lá do comecinho, lembra?). Foi assim que percebemos que a maioria de nossas dúvidas foram sanadas e já tínhamos material suficiente para pensar em uma solução adequada.

Matriz CSD Atualizada

A partir destes dados, construímos três personas, para entendermos e tornarmos mais visual sobre quem estamos falando. Apesar de serem perfis fictícios, cada persona representa um grupo maior de usuários e foram criadas a partir de dados coletados durante a pesquisa. Ajudou muito no processo de empatizar, ou seja, de se colocar no lugar da pessoa usuária para entender melhor suas necessidades e desejos.

Juliana — Persona 1
Roberta — Persona 2
Luciane — Persona 3

Também encontramos padrões nesta análise de dados e os categorizamos, de modo a fazermos um mapeamento visual das oportunidades:

Card Sorting

A partir disso, criamos três job stories. A ideia era entender melhor o contexto da pessoa usuária e conseguir definir melhor sua motivação e necessidade.

Deu pra notar que ainda estávamos em dúvida sobre qual situação-problema poderíamos ajudar: organização da rotina, organização financeira ou solidão? Precisávamos fazer essa definição. Afinal,com qual oportunidade trabalharíamos? E durante nossa conversa, fomos notando um incômodo comum às três personas criadas: a falta de tempo. Seja tempo para si, seja tempo para o filho, seja tempo para o trabalho, seja tempo para amigos. A falta de tempo se colocou como uma angústia comum. Foi quando usamos a ferramenta How Might Why? (HMW), para definir o problema e, a partir de um brainstorming, identificar e recomendar soluções que poderiam resolver a questão.

DIAMANTE FINAL: IDEAÇÃO E PROTOTIPAÇÃO

Nossa jornada seguiu-se para a etapa de ideação e foi curioso lembrar como começamos o projeto cheios de ideias enviesadas e chegamos a um problema relacionado à organização e tempo livre. Dentro das Ciências Sociais tem um clássico debate sobre essa suposta e requerida objetividade da pesquisa. A ideia de neutralidade axiológica, proposta por Max Weber, é justamente dizer que neutralidade não existe — o que existe são tentativas do pesquisador neutralizar os seus pré-conceitos e inclinações pessoais e foi exatamente isso que conseguimos enxergar aqui!

Enfim, começamos a ideação com um brainstorming (Crazy 8) para pensar em soluções possíveis para o problema e oportunidade que tínhamos em mãos. Só eu e mais uma pessoa participaram da sessão, com as ideias que seguem abaixo:

Crazy 8

Em seguida, fizemos a jornada do usuário, ferramenta que possibilita identificar oportunidades e gerar insights de uma forma mais rápida e assertiva. Nos ajudou a pensar nas fases de interação que nosso público tem com o problema de organização do tempo e da rotina, de modo a entendermos como solucionar isso com nosso produto.

Jornada do Usuário

Assim, definimos que nosso produto seria um organizador digital para contribuir com a rotina de mães solo e seus filhos. Mas quais funcionalidades esta agenda deve/pode ter? Qual seria nosso diferencial? Quais outras plataformas e apps semelhantes já existem?

Foi quando fizemos o benchmarking e, na sequência, um brainstorming de funcionalidades.

Benchmarking
Brainstorming de funcionalidades

E o que fazer com tantas ideias? Chegou novamente a hora de tomada de decisões. Conversamos muito sobre a definição de nosso “Minimum Viable Product” (MVP) e com a ajuda do método MoSCoW, fizemos a priorização das funcionalidades. Não foi fácil, mas conseguimos chegar à consensos.

Moscow

Assim, finalmente idealizamos a nossa solução:

O BliBlo é um aplicativo que gamifica a rotina de crianças e adolescentes: cada jogador pode cumprir suas missões diárias, acumular pontos para, enfim, coletar suas recompensas.

Essa foi a solução encontrada para ajudar na rotina exaustiva de mães solo: com um sistema personalizável de tarefas, pontuação e recompensas, contribui com a rotina familiar e favorece o desenvolvimento autônomo de cada um.

Desenhamos o fluxo da pessoa usuária (acabamos alterando um pouco, depois, devido aos testes de usabilidade que realizamos). Neste momento, as aulas do bootcamp já haviam acabado, mas seguimos realizando todas as etapas e entregando os checkpoints restantes.

Fluxo de tarefas da pessoa usuária

E foi aqui que minha contribuição foi cessando, pois iniciamos a fase de prototipação. Este foi meu primeiro contato com a prototipação e me senti bem insegura na parte de criação dos rabiscoframes e wireframe, bem como com a prototipação de média/alta fidelidade. O Daniel (que atua como designer gráfico) foi extremamente ativo nesta etapa e minha contribuição foi mais de “consultoria”. Agora, alguns meses após a finalização do bootcamp, criei coragem para desenhar os rabiscoframes e estou estudando mais sobre o Figma, na tentativa de criar o meu próprio protótipo desta solução que conseguimos idealizar e criar.

Rabiscoframe “tardio”

Finalizando este relato, que já se estendeu demais, quero voltar a agradecer à Vagax UX e à How Education pela oportunidade. Aprendi muito durante toda a realização do bootcamp e, mesmo após acabar, ainda consigo me manter motivada e aproveitando cada conteúdo.

Agradeço por ter lido até aqui! Como cientista social que sonha com uma transição de carreira, espero ter contribuído com você de alguma forma. Se tiver sugestões ou estiver precisando de uma boa UX Researcher, me contate. Estou pronta! Hahahaha

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Referências:

BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

How Bootcamps. Formação em UX Design. Disponível em: <www.howedu.com.br>;

LAKATOS, E. M. & MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1993.

WEBER, M. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

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