Do zero ao avançado: Aprenda a não cair nesse conto.

Existe uma incômoda venda de sonhos na área do Design prometendo te transformar em especialista dentro de um intervalo irrisório de tempo.

Fernando Picamilho
VagasUX
8 min readSep 26, 2022

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Marty McFly — De Volta para o Futuro

Às vezes eu fujo do status quo de fazer meme porque, vez ou outra, algumas coisas incomodam. Eu vou falar já no início para quem não quer ler o artigo todo: Nenhum curso ou método vai fazer você aprender algo do zero ao avançado em 8, 80 ou 800 horas. Pronto, vamos seguir.

Em um mundo digital, onde o consumo de informação instantânea faz com que as pessoas fiquem mais ansiosas a cada dia, essa história do zero ao avançado, travestida em um marketing apelativo e predatório com requintes de charlatanismo, tem feito cada vez mais vítimas e é um velho conhecido da área.

A profissão do futuro

Cena do filme De Volta Para o Futuro

Em meados de 2010 escolas de Design no Rio de Janeiro vendiam cursos de Design gráfico e digital com a promessa de um retorno financeiro a curto prazo trabalhando como freelancer ou em grandes empresas. Os próprios alunos com uniforme do curso eram “recrutados” para abordar outros jovens nas ruas e apresentar a escola, atraindo pessoas para dentro do prédio. Mães e pais eram recepcionados por uma megaestrutura com salas de vidro lotadas de computadores e professores todos trajados de terno e gravata, onde matriculavam seus filhos esperando estar fazendo um excelente negócio, óbvio, em troca do pagamento de uma gorda mensalidade onde já havia um desconto aplicado (cujo o preço cheio nunca era praticado) e uma multa bem salgada se o seu filho ou filha quisesse largar o curso. O Design era vendido como a profissão do futuro.

Agora é a vez do UX Design ser vendido como a profissão do futuro, existem pesquisas e matérias há anos que já apontam uma crescente necessidade de UX Designers no Brasil e no mundo, a pandemia fez questão de impulsionar essa necessidade. Isso, aliado a ansiedade de consumir informação de forma rápida, fácil e muitas vezes sem o aprofundamento necessário para assimilar o conteúdo, fazem a pessoa procurar alguém que compile tudo em um único grande curso para agilizar o aprendizado e otimizar seu tempo de estudo.

O futuro chegou.

MArty McFly dizendo "Eu sou do futuro" Cena do filme De Volta para o Futuro

Hoje basta você abrir seu celular e eles estão lá, vendendo a esperança de uma vida melhor, utilizando dados rasos de sites de vagas a favor da promessa de um salário maior do que 90% dos brasileiros. Expõem centenas de pessoas que mudaram de vida enquanto não mencionam as milhares que ainda batalham pelo seu espaço ou já desistiram. Não deu certo? Simples, não se dedicou o suficiente, falam que a “responsabilidade também é do aluno” tentando se eximir da culpa e se esquivar da responsabilidade de ter vendido mais promessa do que conteúdo.

Me pergunto se nesses cursos eles ensinam que experiência do usuário é sobre colocar a culpa no usuário.

“Eu prometi alguma coisa? Eu não prometi nada! O nome disso é Marketing, você interpretou minha frase errada ou a tirou de contexto.” — Vendedor de curso anônimo

Caminhando em uma corda bamba no limiar entre o ilegal e imoral, medindo cada palavra como se estivesse escrevendo a Ilíada e Odisseia. A única coisa que você precisa fazer para ter acesso a essa alavancada ou migração de carreira? Matricular-se no curso em troca de uma gorda mensalidade.

A teoria das 10.000 horas

Cena do filme De Volta Para o Futuro

Existe um estudo que vem da década de 90 popularizado no livro do jornalista Malcolm Gladwell’s “Outliers: The Story of Success” como a teoria das 10.000 mil horas. Essa teoria foi baseada no estudo de um professor de Psicologia da Universidade do Estado da Flórida, Anders Ericsson.

Ericsson fala mais sobre seu estudo em outro livro chamado “Direto ao Ponto: Os segredos da nova ciência da expertise” que também tem autoria do escritor Robert Pool. Eles explicam que, se você deseja se tornar uma pessoa excepcional no que faz em uma determinada área, ou minimamente um profissional de nível avançado, você precisará dedicar em média uma década de estudo e prática deliberada, saindo da sua zona de conforto e recebendo feedback para identificar exatamente onde estão os seus erros durante o treinamento.

Esse tipo de treinamento chamado de “prática deliberada” não conta só com motivação e esforço, apesar de existir valor neles, falar que alguém pode melhorar seu desempenho apenas desejando e trabalhando pesado, segundo o livro, é incorreto. O que realmente importa é o tipo de treinamento realizado diversas vezes durante tempo suficiente. Esse treinamento pode envolver não só o esforço mental mas o treinamento físico quando necessário, como é o caso de atletas olímpicos ou de esportes que envolvem atividades físicas. O curioso é que o próprio Ericsson nunca falou em dez mil horas, essa teoria surgiu diretamente do livro Outliers.

Prática Deliberada e Desempenho. Representação visual de processos que levam ao desempenho especializado, desenvolvimento interrompido e automaticidade envolvidos nas habilidades cotidianas. Adaptado de Ericsson (2008) — Imagem retirada do artigo Deliberate Practice as a Theoretical Framework for Interprofessional Experiential Education de Joyce M. Wang and Joseph A. Zorek (2016)

Claro, algumas pessoas que possuem mais tempo para treinar chegarão lá mais rápido. Uma pessoa que treina guitarra 8 horas por dia tem mais oportunidade e tempo do que uma pessoa que trabalha como programadora e deseja se tornar uma profissional de música. Quem trabalha em outra função ao longo do dia, além de fazer o seu trabalho, precisará de tempo para praticar o instrumento, logo, essa pessoa terá menos tempo para a prática diária.

Marty McFly mandando ver na guitarra depois de 10 mil horas de treinamento — Cena do filme De Volta Para o Futuro

Outro ponto importante da pesquisa é que a prática deliberada necessita de feedback constante da pessoa que está ensinando a expertise para indivíduo que está aprendendo, porém, se os princípios da prática deliberada são abandonados durante a sua carreira ou período de aprendizado, o desenvolvimento adiquirido pode definhar.

Mesmo que Ericsson não tenha falado das dez mil horas, vamos usar seu estudo da prática deliberada junto da teoria das dez mil horas durante um intervalo de tempo para criar uma rotina de estudos.

Uma pessoa que treina 8 horas por dia ininterruptamente terá 800 horas de treinamento em cem dias, 2.920 horas em trezentos e sessenta e cinco dias, mais conhecido como 1 ano, e quebrará a barreira das dez mil horas em três anos e cinco meses.

Mas não é qualquer pessoa que tem tempo de estudar e praticar oito horas por dia todos os dias, correto? Então, vamos pensar que nós estudaremos 21 horas por semana, o que da 3 horas por dia. Você alcançará 300 horas em cem dias, 1.095 horas em um ano, 4.380 horas em quatro anos, 8.760 horas em oito anos e, finalmente, 10.950 horas em uma década.

Caramba, é hora pra cachorro. — Cena do filme De Volta Para o Futuro

O curioso é que Ericsson fala da criação de um especialista pela prática deliberada como “um processo de longo prazo que geralmente leva uma década ou mais”.

As 4 leis da viagem para o futuro.

Doc dizendo "Estou pronto!" — Cena do filme De Volta Para o Futuro

Ok, de um lado nós temos um estudo de mais de 30 anos com diversos desdobramentos e que influenciou a criação de um livro best-seller. Do outro, a empresa ou pessoa influenciadora, quando muito, vendendo seu curso ou métodoprometendo te tornar algo em um curto intervalo de tempo. Em quem acreditar? Antes de gastar o seu dinheiro, considere 4 coisas:

Primeira:

Nenhum curso vai te tornar um especialista. Nenhum.

Segunda:

O Google e a internet são seus amigos, eles estão aqui pra te ajudar. Procure livros, artigos, vídeos e trabalhos acadêmicos de pessoas que estão na área e fazem um trabalho excepcional de explicar o conteúdo para você 100% de graça. Indico alguns nas refererências para quem quiser começar.

Terceira:

Depois de memorizar a primeira e segunda regra, procure pesquisar bem sobre o curso antes de gastar qualquer valor com ele.

”Pera, então eu posso comprar o curso?”

Pode! No final, o dinheiro é seu, mas é importante comparar com todos os outros (infinitos) que existem no mercado e entender se aquele curso realmente entrega um conteúdo de valor. Como disse, são possibilidades entre 10 mil reais, cursos gratuitos e com investimento estudantil, tem de tudo pra todo o bolso. Compare tempo de duração, acompanhamento, materiais de apoio, professoras e professores, pergunte para outras pessoas que fizeram o curso e busque avaliações no site da VagasUX, de quem amou até quem odiou. Mas lembre sempre, ao final do curso você não se tornará especialista em nada.

Quarta:

As comunidades estão aqui para te ajudar. UX Para Minas Pretas, VagasUX, Ladies That UX, PretUX, A Tribo Criativa, Clube do UX Writing e outras iniciativas que existem na área são, muitas vezes, a porta de entrada para quem esta procurando a primeira oportunidade. Essas comunidades já possuem um trabalho de apoio, acompanhamento, mentoria e curadoria de conteúdo com newsletter e lives para quem esta entrando na área ou acabou de migrar.

Ainda acha que é tudo uma grande conspiração dos bastiões do UX para te privar do santo graal do UX? Para ajudar ainda mais com um conteúdo de qualidade no assunto, temos o artigo da Marianna Piacesi, organizadora da VagasUX: Precisamos falar sobre um (ou vários) elefantes na área de UX

Outro ótimo conteúdo sobre aprendizado do Rodrigo Lemes no canal Design Team

Pessoas que dedicam um tempinho para ajudar a área

Até a data desse artigo, essas eram algumas pessoas que dedicavam seu tempo para trazer conteúdo de qualidade de graça para quem estava iniciando ou se especializando na área. Espero que muitas tenham crescido e outras tenham aparecido além delas. Já peço desculpas por com certeza ter esquecido alguém que eu sigo:

Daniel Furtado — UXNow
Karina Tronkos — Nina Talks
Rodrigo Lemes — Design Team
Alê Periard — Clube do UX Writing
Marianna PiacesiVagasUX
Julia NascimentoVagasUX
Karen SantosUX para Minas Pretas
Sheylla Lima
Luan Mateus — Papo de UX
Deivd Arty — Chief of Design
Marco Moreira — UX da Questão
Eduardo Agni — Mergo
Rafael Burity — Design Team
Roque Sales — Canal UX Chat
Manuela Bernadino — ManUx
Rebeca Belinmeninadeux
Felipe Santana — FEUX

E, se você está no futuro lendo isso e conhece alguém que está ajudando a comunidade e merece estar nessa lista, me manda uma mensagem que adiciono aqui! 😊

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Fernando Picamilho
VagasUX

Gamer | Designer | Vegetariano | As vezes escrevo sobre coisas.