Existe tabu em vestir a camisa de júnior?

Marianna Piacesi
VagasUX
Published in
6 min readSep 17, 2021

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O preconceito por trás de se assumir um profissional iniciante em um mercado de especialistas.

Dois emojis na imagem. Emoji 1: Pintinho nascendo de um ovo. Emoji 2: Camiseta T-shirt azul escrito “JR” na área frontal.

A área de design sempre foi muito elitista em sua maioria e aos poucos estamos vendo esse cenário mudando com a vinda de iniciativas e pessoas com o intuito de compartilhar o conhecimento de uma maneira acessível a fim de que mais pessoas alcancem esse nicho. Porém ainda vejo, de uma forma notória e que me incomoda muito, um tabu infortúnio em se auto-intitular júnior no mercado.

Estamos o tempo todo falando sobre reforçar quem somos como pessoas, levantando bandeiras mais inclusivas e ainda assim parece que esquecemos que isso também se aplica no lado profissional. Pode não parecer a princípio, mas nossas escolhas e posicionamento também se refletem em como aparecemos no mercado, em como veem o nosso trabalho no geral e, sim, também nos resultados que colhemos.

Na hora de anunciar uma promoção como lead, ninguém pensa duas vezes em atualizar seu cargo no Linkedin e ativar a notificação para a rede, mesmo que seja lead em um time de um designer só ou tenha acabado de ganhar a promoção, não necessariamente tendo muita experiência prática em lidar com pessoas. Mas não importa, o que conta é expor a conquista, certo?

Da mesma forma que ser lead é a ascensão (ou maldição) da área, ser júnior, em contrapartida, parece ser visto como a rejeição, um incômodo. O botão desalinhado de 1 pixel no layout. Ainda pode ser visto como uma fraqueza, um trabalho incompleto.

É comum ver profissionais iniciantes se intitulando em seus cargos como “estudante de UI/UX”, “em transição para a área”, “aprendendo”, etc. Como se falar que é iniciante/júnior fosse uma palavra não dita, quem sabe um palavrão, então é necessário compartilhar o status de algo em andamento para deixar implícito seu nível em questão. Não faça isso.

Se isso fosse correto, talvez os profissionais deveriam mudar seus cargos para algo como:

  • “ júnior que por acaso teve sorte de entrar como pleno”,
  • “faz tudo e sobrecarregado”,
  • “cinco anos trabalhando e ainda sem ideia de como vira sênior”,
  • “puxando o saco alheio e a poucos passos de virar lead”.

Já conversei com diversos profissionais de RH e todos, sem exceção, reforçam que o importante é ser verdadeiro com seu momento atual e deixar claro seu interesse em aprender, motivação e forma de pensar. Não é preciso omitir que você é um profissional júnior. Seu cargo pode contemplar “ UX Designer Júnior” e ainda assim ser considerado em um processo seletivo.

Ninguém vai te olhar torto ou te ignorar. Pelo menos não deveria. Isso ao meu ver é preconceito.

A impressão que tenho de verdade é que a mera existência de profissionais iniciantes fere o orgulho dos ditos “especialistas”. Como se não fosse possível ter um status de aprendizado inicial ou apresentar falhas. Você precisa começar sendo apenas UX Designer. Ser capaz de fazer tudo e nunca “se colocar para baixo”. São essas mesmas pessoas que não pensam em plano de carreira dentro da empresa e pouco se importam em estruturar vagas mais inclusivas na área. O foco é sempre PLENO/SENIOR/LEAD/X.

Rótulos e mais rótulos. O que me parece contraintuitivo, afinal, se rótulo não é um problema, por que não se pode representar uma pessoa como júnior?

Estar na área de design é um constante aprendizado. Só que todas as áreas também são. Em todos os meus artigos sempre me falam que tudo que escrevo poderia ser aplicado em diversas outras áreas da tecnologia e afins. E de fato podem. Foco na área de UX pois é a área que atuo e posso falar minimamente com propriedade. Porém o tabu do júnior atormenta muitos profissionais em diversos contextos além do design e acho que já passou da hora de continuarmos alimentando esses preconceitos.

Sempre achei esquisito ser raro encontrar vaga de estágio em design. Estágio é um cargo introdutório base de qualquer carreira. Você encontra estágio de qualquer coisa, diversos editais, programas, trainee. Agora tenta procurar por estágio em design. Eita tarefa difícil, hein?

Hoje em dia até tem alguns, mas ainda fico surpresa toda vez que encontro um. É tipo encontrar um Pokémon Shiny.

Já li alguns artigos que reforçam que o profissional em migração precisa abandonar “ a camisa” de júnior (como se fosse uma vergonha a ser escondida) e deixar em aberto seu nível de conhecimento para que o mercado possa levá-lo a sério. Como se fosse preciso omitir essa informação para ser visto. Precisamos falar mais sobre isso.

Esse tipo de argumento pra mim apenas fomenta o preconceito com pessoas iniciantes e reforça o estereótipo de vagas genéricas que também são carregadas de omissões e falta de verdade. Quanto mais buscarmos por profissionais genéricos, mais teremos vagas genéricas.

Qual é o real problema em se assumir iniciante em alguma coisa?

Será que é correto mesmo esperar que uma pessoa comece uma carreira já como pleno? Precisamos forçar a barra sobre nível de conhecimento para sermos aceitos? Por que exigimos tanto algo que nós mesmos não conseguimos aplicar sempre no dia a dia?

Recentemente encontrei um mapa mental compartilhado por Nicola Vieira, uma pessoa iniciante da comunidade do VagasUX, onde foi feito por ile de forma espontânea um mapeamento de possíveis responsabilidades e habilidades exigidas em vagas júnior para UI/UX Designer. Nicola conta que criar esse mapa foi uma forma de tentar absorver de alguma forma as exigências do mercado que ile vê todos os dias em vagas e também auxiliá-le em como se posicionar em meio a tudo isso.

O resultado do trabalho é surpreendente e gostaria de compartilhar com vocês abaixo.

Mapa mental com diversas ramificações para o cargo UI/UX Designer Júnior. Desde requisitos de atribuições e responsabilidades, habilidades técnicas, comportamentais, entregáveis, ferramentas e até coisas como formações, tempo de experiência e portfólio.
Pois é, também não consigo ler e nem deu pra tirar um print do mapa completo. Mas você pode conferir na íntegra no link original. Acessar o material

Como ilustra a imagem do mapa citado, é triste imaginar a pressão que esses profissionais passam para se sentirem capazes de se aplicar pra uma vaga iniciante qualquer. É necessário ter anos de experiência, portfólio, aplicar pesquisas de usabilidade, testes, protótipos, saber uma ou mais ferramentas de design, ser resiliente, se mostrar interessado por áreas especialistas como Design System, Ops e Strategy mesmo nunca tendo ouvido falar antes e ainda ser proativo e ter aptidão para resolver problemas. Se possível, inglês também é um diferencial.

Recentemente soube que até para vagas de voluntariado estão exigindo portfólio. Gente, por favor, né. Vamos voltar duas casas e rever nossas necessidades e princípios.

Procuramos profissionais perfeitos, quando nem nós mesmos que já atuamos na área somos capazes de preencher 100% todos os itens desse mapa. Qual é a necessidade de exigir tanta coisa em uma vaga júnior? Quem queremos agradar além do nosso próprio ego? Onde queremos chegar?

Não devemos ter medo de nos expor. Nunca. Isso vale pra vida e também para o trabalho. Afinal, ele faz uma parte considerável da nossa vida e a forma como nos vemos nele afeta muito nossa saúde mental e estabilidade (ou instabilidade) emocional.

Assim como reforço todos os dias o posicionamento em buscar por vagas iniciantes, promover os profissionais em transição e relembrar a importância dessas vagas, também busco que esse tabu seja só mais um tabu. Só mais um preconceito que podemos deixar pra trás e ver que somos maiores que isso.

Não devemos ter vergonha de começar algo novo, de entrar de cabeça em uma nova área depois dos 40, de ser estagiário em uma empresa grande, de reforçar o óbvio: querendo ou não, não sabemos de tudo e estamos em constante aprendizado todos os dias.

Tenha orgulho de suas conquistas e do seu momento profissional hoje.

Camisa T-shirt com a inscrição: “Júnior & Novato & Iniciante & Aprendiz” com o logo da iniciativa VagasUX logo depois.
Camiseta T-shirt com a inscrição: “Lute como um júnior” e logo da iniciativa VagasUX logo depois.
Portanto tá valendo vestir a camisa sim :) e a gente ajuda inclusive

É chato sentir a necessidade de escrever esse artigo, porque a temática me deixa no mínimo frustrada. Mas espero que funcione como um alerta pra gente não se deixar levar pelo que idealizam da área e que motive mais pessoas a valorizarem seu momento, seu esforço e toda sua trajetória até aqui.

Vista a camisa do júnior (de forma literal ou não), incomode e seja notado. Estamos aqui pra isso!

Valeu por ler até aqui. Você me deixa feliz compartilhando esse conteúdo com quem precisa e escrevendo tua opinião sobre esse tema também. Bora? ;)

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