Estamos em constante progresso

Sobre layoffs, recolocação e novas perspectivas

Considerações de quem vivenciou tudo isso recentemente

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9 min readJan 22, 2024

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Sobre layoffs

É muito diferente falar sobre layoff agora na visão de quem realmente já passou por esse momento. Cheguei a escrever esse artigo no final de 2022 sobre essa onda de demissões e como isso impacta diretamente a galera nova que está tentando entrar na área e o ciclo de crescimento natural da comunidade. As preocupações eram e continuam válidas, mesmo 2 anos depois. E como as notícias anunciam por aí diariamente, os layoffs continuam e, infelizmente, não vão parar tão cedo. É preciso estar alerta.

É notável que as vagas iniciantes andam mais escassas nos últimos anos quando fazemos uma curadoria todos os dias para fazer chegar essas oportunidades em quem precisa. Continuam existindo? Sim. Vão deixar de existir? Não. Porém que é fato que diminuíram, isso é como temos acompanhado na pesquisa do Panorama VagasUX.

Depois de ter falado desse tema do último artigo, muita gente veio falar comigo pedindo dicas do que fazer em situação de layoff. Eu não tinha grande experiência, afinal não era algo que tinha acontecido comigo naquela época. O foco era alertar que isso podia acontecer a qualquer momento e que ia afetar não só quem já atua na área, mas também pessoas em migração de uma forma ou de outra.

No último ano, porém, acabei vivenciando o que é de fato passar por um layoff na prática. E já adianto que não é mesmo um processo fácil. Você pode pensar que está preparado e que nada vai te abalar. E daí acontece algo assim e te desestabiliza por completo. Independente do seu nível, muita coisa vem à tona. Principalmente o psicológico da gente que fica afetado por um tempo.

A gente se sente incapaz de entender onde errou — porque não houve de certo modo algum erro, o que poderia ter feito melhor — sendo que não necessariamente seja relacionado com performance — e diversas outras dores, pensamentos e inseguranças que vão e vem atormentando nossa cabeça.

Fora que eu nunca tinha sido demitida antes, mesmo que não tenha sido por justa causa, continua sendo uma situação tensa e complexa. É um término onde uma das partes não queria terminar. Não tem como não se sentir frustrado de alguma forma. Você está lá focando nas suas obrigações de sempre, animado com os desafios e do nada um C-level desconhecido te chama para uma reunião urgente. E é isso, do nada te avisam que seu cargo não é mais necessário e será eliminado. Sem grandes justificativas.

Daí você precisa ouvir tudo o que a pessoa tem a dizer friamente, sabendo que ela está lendo um texto formal que foi passado a limpo junto com vários advogados, concordar e se esforçar pra não chorar enquanto escuta tudo aquilo. Spoiler: Não consegui.

Depois você entra em um limbo. Mais uma reunião, agora com o RH. Pra passar a parte burocrática, dizer que “está tudo bem” e que assim que possível vão trazer mais informações.

O meu caso em específico acredito que foi mais traumático, se é que posso chamar dessa forma, porque como era uma empresa estrangeira e aparentemente fui a única brasileira na leva, simplesmente fui esquecida nesse limbo. E aqui não é exagero. Depois do dia D onde foi comunicado o layoff, eu só tive um posicionamento e retorno oficial do que fazer, como seguir, acordos e considerações depois de mais de dois meses de espera sem nenhuma resposta.

Era meio bizarro, porque eu não podia trabalhar porque ainda estava “trabalhando”, afinal, meu contrato em carteira ainda estava ativo. Porém, eu não podia trabalhar oficialmente porque meus acessos foram totalmente cortados. Até para buscar vagas foi meio difícil, pois precisava explicar a situação e deixar claro que a minha carteira de trabalho estava travada nesse sentido.

Até agora eu falei apenas a parte burocrática de um layoff e como me senti passando por ela. E o emocional em estar desempregada, como fica? Não consigo nem imaginar como uma pessoa júnior/plena se sente com um layoff. Já considero profundamente estressante sendo especialista e tendo uma rede. Como uma pessoa de Comunidades, sou grata por ter inúmeras conexões e uma rede de apoio muito forte que me ajudou a sair dessa pelo menos me sentindo abraçada e protegida. Inúmeras pessoas me mandaram mensagem, vagas e indicações semanais, mesmo que eu não pedisse. Eu sou eternamente grata por isso. Só reforça o quanto a energia que a gente oferece volta em dobro quando precisamos.

Ainda assim, eu me senti um fracasso em diversos níveis.

Primeiro, eu não tinha um portfólio atualizado — como a maioria dos designers que já trabalham na área, e minha cabeça não estava boa para começar a estruturar tudo aquilo. Leva algum tempo e dedicação que sem dúvidas não estava com cabeça alguma de fazer após um layoff.

Segundo, eu estava em uma oportunidade internacional e foi um trajeto longo chegar até lá. Com muitas inseguranças envolvidas, saídas constantes da zona de conforto e choque de culturas. Foi difícil abrir mão disso do nada. A maioria das vagas internacionais próximas que achava e que eram remotas, ainda assim agora obrigavam estar na Europa e/ou em zonas diferentes. E de novo, não estava com cabeça para aceitar mudanças de país e cultura naquele momento — e nem acredito que era uma boa ideia, visto todas essas oscilações do mercado que andam acontecendo.

Terceiro, como estava em uma vaga especialista, quem atua no nicho sabe o quão difícil é encontrar uma vaga mais focada na sua especialização que se encaixe bem com seus objetivos. Na minha área de atuação, Design System & Ops, encontrei poucas vagas que realmente tinham esse foco depois que fui demitida. Obviamente me apliquei em todas que encontrei que eram próximas disso, mas a maioria das mais de 150 vagas aplicadas — sim, eu contabilizei em uma tabelinha minha no Notion para lembrar onde eu me aplicava — eram vagas generalistas, ou seja, que focavam na jornada de ponta a ponta de design de produto. Para alguém que já decidiu seguir uma especialização, é um tanto frustrante voltar atrás e começar a olhar para vagas mais generalistas. Mas foi o que eu fiz.

Sobre recolocação

Nesse meio tempo passei por muita ansiedade. Olha que não me considero alguém que tenha grandes níveis de ansiedade o tempo todo, mas eu não conseguia fazer absolutamente nada e passava o dia todo dedicada em conseguir um emprego novo (e me sentindo mal por não consegui-lo).

Fiz diversas entrevistas, papos com RHs, gestores, papo técnico, teste de inglês, teste psicológico, teste de lógica… era um atrás do outro. Nisso, não tive do que reclamar, as oportunidades foram aparecendo aos poucos. Porém, é um processo muito desgastante. Fazer várias entrevistas por dia, ter que se sentir preparado pra falar de novo e de novo sobre quem você é, vender seu peixe, ser a sua melhor versão, quando você está se sentindo no seu pior momento.

E depois ainda passar pela fase do ghosting onde a empresa x falava no começo que te quer e está te considerando como prioridade, mas depois nunca mais dava notícias e nem responde mais suas mensagens. E com isso, a ansiedade triplicava sem tamanho.

Para completar, o fato de ser uma profissional especialista que acabou de sair de uma experiência do exterior deixava o meu salário incompatível com o mercado em crise. Era só informar minha remuneração anterior ou pretensão esperada que observei que já era cortada dos processos seletivos sem provavelmente nem analisarem meu currículo. Depois que percebi isso, comecei a ocultar essa informação ou aceitar valores mais baixos mesmo para conseguir participar de mais processos.

Ainda assim, tive que ouvir coisas do gênero:

Referente a sua última remuneração e o valor que temos hoje, o que você está levando em consideração contando que o valor é praticamente a metade?

E mesmo respondendo o óbvio, nunca mais tive retorno. Logo, mesmo aceitando valores bem abaixo do que a minha média e me esforçando para participar de alguns processos seletivos, parecia não ser o suficiente. Como se eu fosse um erro na matrix, não podia aceitar um valor abaixo por já ter ganhado mais e não podia pedir mais por ser rejeitada automaticamente. De novo dentro de um limbo desse jogo chamado recolocação em tempos de crise.

Também cheguei a me aplicar em vagas especialistas, chegar até o final do processo seletivo — que é longe de ser considerado pequeno — e não passar em posições distintas por motivos desconhecidos, a resposta era sempre algo como “ acabamos optando por outro profissional” — “ Mas gostamos muito de você! Que tal essa vaga generalista aqui recebendo 3k a menos?”

Depois de um tempo processando todos esses gatilhos e sensações de frustração, nesse meio tempo consegui reunir forças para compilar meu portfólio um pouco mais atualizado e continuei me esforçando para garantir uma recolocação ainda no mesmo ano que fui demitida.

E ela de fato veio. Recebi uma proposta muito bacana com um valor compatível sem precisar abrir mão da qualidade de vida esperada e pude escolher a data de começo. Para conseguir respirar em meio a tudo isso, decidi começar no primeiro dia útil do ano seguinte. Depois das festas pra que eu tivesse algum tempo pra processar tudo o que tinha acontecido e me sentir forte pra começar mais um ano. Ainda assim passei por outros problemas pessoais e acabei não conseguindo descansar como gostaria, mas ao menos pude refletir sobre tudo o que eu não queria levar para 2024.

E para essa nova experiência no fim, não, não foi uma vaga especialista.

Sobre novas perspectivas

Uma pessoa que me inspira muito compartilhou comigo um pensamento que me fez refletir e ser menos crítica comigo mesma:

Cargos especialistas exigem que as empresas tenham muita maturidade de design. E em momentos de crise estes serão os primeiros a serem dispensados.

Isso explica mesmo toda a escassez de vagas especialistas e o quanto a competitividade entre elas tem sido absurda. Seja Design System e Design Ops que é o meu foco e a área que estudo, vemos ainda outras ainda mais escassas como UX Writing, UX Research, entre outras. Abrir mão desse pequeno orgulho que estava me prejudicando por manter para buscar por alguma segurança nesse período de layoffs foi uma ação necessária e recompensadora, eu diria.

Os conteúdos que absorvi e toda a vivência que passei no contexto de especialista não vão deixar de existir em mim só porque aceitei uma posição generalista. Longe disso, ainda agrego com minha visão independente do cenário que for atuar e posso fazer a ponte e enxergar alguma ação mais estratégica que antes talvez não conseguisse visualizar tendo agora essa visão do todo.

Especialista ou generalista? No fim, fica mais claro que a gente meio que passa a ser uma soma de tudo que vamos aprendendo. O que conta mesmo no dia a dia é o nosso posicionamento e como conectamos nossos conhecimentos pra que exista um aprofundamento maior ao aplicar o que identificamos como especialização em projetos mais abrangentes.

Hoje me sinto bem mais tranquila depois que toda essa maré passou e ainda mais forte em vários sentidos. Recebi um apoio incrível da minha rede e me conectei com ainda mais pessoas, consegui atualizar meu portfólio que estava na meta pra ser feito e nunca saia, consegui um emprego que me valoriza e me dá autonomia — continuo mexendo com componentes, processos, organização e sigo motivadíssima — e não deixei de fazer as coisas que sempre faço que é continuar a iniciativa de voluntariado que organizo, mentorias e projetos paralelos.

A saúde mental foi abalada muitas vezes por motivos distintos, mas não podemos deixar de confiar no nosso potencial, lembrar do porquê fazemos tudo o que fazemos e das pessoas em volta que nos apoiam diariamente e também se inspiram na gente. Muitas vezes nem percebemos ou acabamos por minimizar esse tipo de coisa, priorizamos apenas críticas, cobranças pessoais, inseguranças e esquecemos de lembrar a parte mais bonita, que é olhar pra trás e ver o quanto somos fortes de ter chegado até aqui, de todas as conquistas e de quem segue com a gente em todos esses momentos.

Independente do seu cenário hoje, vale parar, refletir e respirar um pouco. E lembrar que não estamos mesmo sozinho nessa, sempre vale chamar alguém pra conversar, trocar ideia e ver as coisas por outra perspectiva.

Você já conversou com alguém recentemente sobre como se sente em relação ao seu trabalho, sua carreira e próximos passos? Recomendo muito fazer isso o quanto antes, seja por mentoria, pessoas próximas e comunidades como a VagasUX que promovem esse tipo de troca. Tenho certeza que vai ajudar a acalmar o seu coração assim como me ajudou nesse período conturbado. Seja especialista ou iniciante. A gente sempre tem algo novo a aprender!

Essa era a reflexão. Obrigada quem leu até aqui (:

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