CASE STUDY UX RESEARCH: Como promover acolhimento para a comunidade LGBTQIAP+ através de um aplicativo de acesso à saúde?

Katie Ribeiro
VagasUX
Published in
8 min readJun 3, 2022

Este estudo de caso é resultado de estudos e práticas realizados durante o bootcamp de UX Research da How Education.

Este estudo de caso é resultado de estudos e práticas realizados durante o bootcamp de UX Research da How Education ministrado por Thaís Falabella Ricaldoni e Bianca Lima. O projeto foi desenvolvido com uma equipe de mulheres poderosas e de diferentes áreas de origem: eu, das Ciências Sociais, a Monique, da área da Nutrição, a Luiza, da Psicologia, a Luana, que atua como UX writer e a Iolanda, a única que já atuava como UX Researcher.

Não fizemos uma divisão de responsabilidades, pois todas tinham interesse de participar de todas as etapas da pesquisa. Seguimos a abordagem Double Diamond do Design Thinking, atuando fundamentalmente no primeiro diamante (imersão e definição).

SOBRE O DESAFIO: LACREI SAÚDE E O ACOLHIMENTO PELA LINGUAGEM

A How Education propôs um desafio em parceria com o Portal Lacrei, uma empresa criada para conectar pessoas da comunidade LGBTQIAP+ à serviços de saúde, jurídicos e de oportunidade de trabalho — estes últimos ainda em fase de teste pela empresa.

Assim, o desafio colocado à minha equipe relacionava-se especificamente ao serviço Lacrei Saúde, cujo principal objetivo é conectar a comunidade, de forma fácil e digital, à profissionais da saúde sensíveis às suas vivências.

Desafio Lacrei — Equipe 8

Dentro deste contexto, o desafio era garantir que a plataforma fosse capaz de se conectar com toda a comunidade. Era necessário, então, entender como a pessoa usuária poderia se sentir mais acolhida e inclusa na plataforma.

Para tanto, perpassamos as etapas abaixo descritas:

Etapas da Pesquisa — Equipe 8

PESQUISA PRÉVIA

Antes de começar a pesquisa, consideramos importante saber um pouco mais sobre o contexto a ser pesquisado, o problema e o mercado, para que nosso objetivo e hipóteses fossem mais assertivos. No bootcamp, fomos orientadas a fazer a desk research, mas escolhemos fazer também revisão da plataforma e benchmarking. Afinal: como o Lacrei Saúde se posiciona? Em qual contexto político-social se insere? O que empresas semelhantes estão fazendo?

Revisão da Plataforma

O Lacrei Saúde está disponível tanto na web, quando em aplicativo para iOS. Nós não tivemos acesso ao fluxo do usuário por aplicativo e acabamos revisando apenas a plataforma disponível na web.

Ao fazermos uma análise do fluxo do usuário pela página web, notamos inconsistências, pois:

Há inconstância no uso da linguagem: mistura linguagem neutra, inclusiva e com marcação de gênero;

Tal alternância causa confusão na compreensão das chamadas do site.

Página de login Lacrei (Versão WEB): ao mesmo tempo que cita “os melhores profissionais”, nas linhas seguintes cita “ume profissional”.

Desk Research

Neste momento, exploramos dados oficiais, pesquisas já realizadas e matérias publicadas em mídias oficiais. Para organizar as informações e descobertas obtidas, usamos como ferramenta o Miro. As descobertas de maior relevância circulavam entre estes pontos:

· Importância de pensar e priorizar a saúde da comunidade LGBTQIA+, que possuem vulnerabilidades específicas com considerável agravo durante a pandemia;

· Dentre as diferentes violências sofridas pela comunidade LGBTQIA+, a violência simbólica figura-se também no âmbito do discurso, denotando marcas profundas e — muitas vezes — polidas em nossa linguagem;

· Linguagem neutra e linguagem inclusiva procuram acolher e atender a diversidade LGBTQIA+. Contudo, possuem diferenças e não há consenso sobre a escolha adequada.

Desk Research — Equipe 8

Benchmarking

Para nossa análise de concorrentes, escolhemos centrar nossa atenção à linguagem (visual e escrita) e ao acolhimento com a pessoa usuária em diferentes plataformas — essa escolha se deu a partir dos dados obtidos da desk research, uma vez que: se isso desponta como item relevante na violência direcionada à comunidade LGBTQIAP+, portanto, figura-se também como aspecto que pode e deve ser repensado.

Deste modo, analisamos plataformas cujo público é a comunidade LGBTQIAP+: Bicha da Justiça, Acolhe LGBT, Eternamente Sou, TODXS. Aqui, notamos:

· A linguagem mais utilizada pelas plataformas é a linguagem inclusiva;

· Outras plataformas também mantém um tipo de linguagem inconsistente, alternando as formas de se comunicar e conversar com a pessoa usuária;

· O Lacrei é a única plataforma que não gera conexão através de imagens de pessoas reais e diversas;

· O Lacrei é a única plataforma que não tem uma sessão que conversa diretamente com as dúvidas e inseguranças da pessoa usuária.

Benckmarking — Equipe 8

A PESQUISA

Como pode ser visualizado na imagem abaixo, construímos a Matriz CSD, organizando os dados coletados na pesquisa prévia. Conversamos e discutimos estas informações e conseguimos visualizar as certezas, suposições e dúvidas de nossa pesquisa. Este foi o ponto de partida para estabelecermos tópicos importantes da pesquisa, dentre eles: contexto, objetivos, assuntos abordados, objeto de estudo, método, prazo, entregáveis e métricas de sucesso.

Além disso, também definimos:

· Problema: Como promover a acessibilidade considerando outros atravessamentos identitários para além da sexualidade e identidade de gênero (classe social, transtornos de aprendizagem, PcD)?

· Hipóteses:
Acreditamos que dialogar através da linguagem inclusiva com a pessoa usuária pode resultar no amplo acesso e conexão com diversas identidades de gênero e sexualidade (atravessados, ou não, por desigualdades educacionais, transtornos de aprendizagem e deficiência visual);
Acreditamos que o uso de elementos visuais com pessoas reais possa gerar conexão e acolhimento, através dos sentimentos de identificação e representatividade, com toda comunidade.

Tudo foi sistematizado na ferramenta Miro em um Research Canvas proposto pelo bootcamp:

Research Canvas (versão atualizada) — Equipe 8

Quantitativa: Questionário

O objetivo aqui era compreender melhor a compreensão e recepção com relação aos dois tipos de linguagem (neutra e inclusiva) bem como as experiências e tipos de constrangimento sofridos em consultas médicas.

A pesquisa realizada possui alguns limites pelo contexto do bootcamp: não havia um banco de dados para quantificarmos a população e garantir uma amostra relevante estatisticamente. Apesar disso, as respostas obtidas (28 no total) nos ajudaram a gerar alguns insights e recomendações importantes. Os dados obtidos foram organizados e tabulados no Google Sheets de forma colaborativa.

Dados quantitativos — Equipe 8

· De acordo com as respostas, considerando ainda que 0% assinalaram a opção de linguagem neutra, podemos afirmar que a forma de tratamento indicada seria a linguagem inclusiva.

· Dentre as 10 pessoas que afirmaram ter passado por algum tipo de constrangimento ou desconforto, as principais causas apontadas eram: nomes (40%) e pronomes de tratamento (60%).

Qualitativa: Entrevistas em Profundidade

Com os formulários, convidamos os respondentes a participarem de entrevistas para que pudéssemos compreender, de forma qualitativa, as experiências em atendimento médico e com quais vivências a pessoa usuária procuraria pela plataforma. Ainda, para além de entender sua preferência pela linguagem, o que esta pensa sobre o assunto.

As entrevistas foram realizadas remotamente, via Google Meet. Ao todo, realizamos 5 entrevistas que foram registradas também no Google Sheets, para posterior consulta e organização. Não entrevistamos pessoas com deficiência ou transtornos de aprendizagem pela dificuldade em identificar e recrutar através dos formulários.

As mulheres entrevistadas relatam se sentirem mais confortáveis em se consultar com outras mulheres, enquanto os homens não demonstraram outro critério senão indicação de amigos e familiares. Todos disserem que se sentem mais à vontade quando vão à lugares e são atendidos por pessoas da comunidade LGBTQIAP+.

Já viram algo sobre as propostas de linguagem neutra e inclusiva, porém não fazem uso. Demonstram certo receio e preocupação com relação ao uso da neutra por diferentes razões: tanto pela dificuldade em entender, quanto pela aceitabilidade em círculos sociais de estudos e trabalho. Apesar disso, concordam sobre a importância da inclusão de todas as identidades de gênero e se mostraram mais inclinados à linguagem inclusiva.

Entrevistas — Equipe 8

Com relação às experiências em atendimento médico, descreveram tanto experiências tranquilas de atendimento quanto algumas situações constrangedoras. As pessoas entrevistadas, que relatam situações de embaraço, falaram sobre uso de pronomes inadequados, olhares diferentes, dificuldade em abrir cadastro com nome social e, até mesmo, sobre profissionais que acabam encaminhando para diferentes profissionais sob pretextos diversos.

Personas e Mapa da Empatia

Com base dos dados coletados e organizados, considerei interessante fazer personas e mapa da empatia, para que pudéssemos empatizar e mapear as necessidades, dores e expectativas de pessoa usuária.

Assim, elaborei duas personas com perfis e experiências diferentes para que a equipe pudesse visualizar o comportamento das pessoas pesquisadas.

Personas — Equipe 8

A partir disso, sintetizei os comportamentos e percepções das personas dentro do contexto do problema investigado pelo viés do que dizem, fazem, pensam e sentem, gerando empatia.

Mapa da Empatia — Equipe 8

ENTREGÁVEIS: RECOMENDAÇÕES PARA O TIME DE DESIGN DO LACREI

A partir da tabulação e organização dos dados (quanti e quali) e a visualização das personas e do mapa da empatia, conseguimos chegar às seguintes recomendações para o time de design do Lacrei:

· Necessidade de padronizar o uso de uma linguagem na plataforma, pois se comunica com a pessoa usuária de forma inconsistente;

· Revisão de botões, chamadas e telas no portal, utilizando a linguagem inclusiva, de modo a garantir acessibilidade e acolhimento às pessoas usuárias para além da demarcação de gênero e sexualidade;

· Incluir no design foto de pessoas reais e diversas, com diferentes características identitárias, gerando conexão através da identificação e representatividade;

· Garantir que profissionais cadastrados na plataforma saibam e possam acolher as pessoas usuárias, considerando a diversidade presente na comunidade LGBTQIA+ através de um sistema de orientação profissional e feedback da pessoa usuária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta foi a minha primeira pesquisa em UX e, apesar de trabalhar com pesquisa acadêmica há muitos anos, a pesquisa no contexto do UX foi bem desafiadora no que diz respeito à geração de insights e tomada de decisões. Foi bem importante contar com uma equipe tão diversa e engajada, juntas discutimos e chegamos a compreensões importantes para o desenvolvimento do projeto, principalmente no que diz respeito às recomendações finais.

Durante o processo de convergência do primeiro diamante, o grupo encontrou dificuldades. Neste ponto, foi bem importante minha experiência como Cientista Social, ao tabular, organizar e cruzar os dados. Também aproveitei meus estudos na área, anteriores ao bootcamp, para organizar e visualizar todas as informações coletadas.

Agradeço muito a comunidade VagasUX por essa experiência incrível, que só foi possível através de uma bolsa que viabilizaram. Valeu mesmo!

Ainda tenho muito a aprender sobre a área de UX, mas estou satisfeita com a minha atuação neste desafio. Críticas e sugestões realmente são bem-vindas, pois pode me ajudar muito nesse momento de transição de carreira para a área de UX Research.

Me encontre no LinkedIn.

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