Vista de Patras (Foto: Carron Brown)

Grécia pela porta da sala

Como encontrei minha família grega e ganhei um lar às margens do Mar Mediterrâneo

Dani Antonopoulos
Pela Grécia
Published in
5 min readJan 19, 2015

--

Meu avô morreu em 2003, em Belo Horizonte, a cidade em que ele e minha avó vindos da Grécia escolheram viver desde 1956.

Atendendo o seu próprio pedido, meu avô foi cremado. Isso foi algo que fez com que seus filhos brasileiros e seus irmãos gregos se desentendessem. A razão disso foram questões religiosas: a Igreja Ortodoxa da Grécia desaprova a cremação. Por conta disso, não se falaram até 2010 — foi quando eu resolvi pisar na terra de Afrodite.

Na época, eu morava na Alemanha. Entre idas e vindas entre Brasil e Alemanha, eu precisava resolver a documentação para regularizar minha cidadania europeia. Essa foi a desculpa que faltava para que eu realizasse minha viagem pra Grécia.

Já estava cansada de lidar com o consulado grego no Brasil e faltava só um mês para o meu visto de permanência na Alemanha expirar. Então resolvi comprar minha passagem. Não planejei e não levei comigo nenhuma expectativa, apenas deixei acontecer. Embarquei dia 12 de abril de 2010 com volta para dia 18.

Lembro-me bem da manhã antes de viajar e da ansiedade de pisar na terra que tanto ouvi falar desde que nasci. Eu não estava indo pra qualquer lugar a passeio, estava indo encontrar um pedaço meu.

Cheguei no aeroporto de Atenas e me dei cinco minutos para pensar no que fazer. Como eu disse: não tinha planejado nada, sequer havia reservado um quarto de hotel. Eu deveria ficar uma noite na capital ou colocar o pé na estrada e seguir viagem para Patras, a cidade natal dos meus avós? Decidi seguir.

Antigas ruínas, a paisagem urbana e o mar se misturam em Patras (Foto: Daniele Antonopoulos)

Fui de ônibus para poder ver melhor a paisagem. Eram pouco mais de 200 quilômetros de viagem, o que, para nós brasileiros, é “ali’’.

No ônibus, conheci a Georgia, uma austríaca que mora no país há mais de 40 anos. Ela também tinha deixado o seu país pra buscar suas origens na Grécia. Nunca mais voltou. Ela me deu algumas dicas sobre a cidade e sugestões de hospedagem.

Após duas horas e meia de estrada, encontrei uma charmosa cidade portuária assentada entre o Monte Panachaiko e o Mar Mediterrâneo. A única lembrança que tinha desse lugar onde nunca tinha pisado era o cheiro. Meu pai sempre me falava do cheiro da Grécia. O aroma de mar, oliveiras, orégano fresco e flores mediterrâneas pairando no ar.

Patras é uma cidade de contrastes. Fundada pelos micênios há mais de três mil anos, no sudoeste da Grécia continental, nela o elegante e decadente conversam entre si com naturalidade.

Há uma arquitetura urbana contemporânea que convive com prédios do século XIX, ruínas de castelos medievais e de construções erguidas durante a ocupação romana, por volta de 150 a.C.

É a terceira maior cidade da Grécia — tem pouco mais de 200 mil habitantes –, é famosa pelo seu Carnaval tradicional, seu clima agradável, e, claro, seu porto, tido “o portão grego para o ocidente”.

Patras e la dolce vita (Fotos: Xiquinho Silva / Spiros Vathis)

Sem tecla SAP

No hotel que a Georgia sugeriu, resolvi abrir o mapa da cidade e procurar a rua das minhas tias avós: Kolokotroni. Essa era a única informação que eu tinha. Para minha surpresa a rua era paralela à do hotel! Era quase surreal pensar que eu estava a poucos minutos de caminhada da minha família perdida. Tomei aquele banho corrido e me apressei pra sair dali!

Bato a campainha e uma senhora abre a porta e me pergunta, sem disfarçar a irritação de ser incomodada àquela hora do dia: “o que você quer?”. Era uma das poucas coisas que entendia em grego. Falei apenas que era neta do irmão dela.

A velhinha empalideceu. “Matei a coitada”, pensei. Ela me pegou pelo braço, me puxou para dentro de casa e disparou a falar e perguntar. “Que que eu faço?”, não havia jeito que fizesse funcionar nossa comunicação. Nem mímica dava certo.

Minha família grega em fotos das décadas de 1940 e 1950 (Acervo Pessoal)

A senhora pegou o telefone e em 15 minutos outras pessoas chegaram. Eles estavam encantados, como se eu tivesse escapulido da TV. Sim, todos bem velhinhos, olhando pra mim como uma criança, não acreditavam que eu chegara ali sozinha. Mais algumas horas se passaram e finalmente apareceu alguém com quem eu pudesse me comunicar, meu primo Giannis.

Fui para ficar seis dias. Fiquei dois meses. E felizmente (para mim) uma erupção vulcânica do já famoso Eyjafjallajökull, na Islândia, fez com que vários voos comerciais pela Europa fossem cancelados. Incluindo o que me levaria de volta à Alemanha.

Continuei voltando à Grécia. Desde 2010, passo os verões por lá. Viajo incansavelmente pelo continente e suas ilhas quase incontáveis. Patras virou minha segunda casa. A Grécia; meu segundo país. E desde então minha família só está separada por conta do Oceano Atlântico. Mas isso é meramente geográfico.

Fotos: Daniele Antonopoulos / Spiros Vathis
Praia da Vila de Rio (Foto: Spiros Vathis)

--

--